Uma vida que se dá

Sentados na entrada da pequena casa que os abrigava nas noites frias, contemplavam as casas senhoriais cheias de janelas e portas e comentavam que, os ricos têm muitas janelas e portas, mas estão sempre fechadas, enquanto os pobres têm uma porta e quando muito duas janelas e estão sempre abertas. Um deles adianta que as portas dos ricos só se abrem para receber enquanto os pobres estão sempre prontos a dar.

LEITURA I 1 Reis 17, 10-16

Naqueles dias, o profeta Elias pôs-se a caminho e foi a Sarepta. Ao chegar às portas da cidade, encontrou uma viúva a apanhar lenha. Chamou-a e disse-lhe: «Por favor, traz-me uma bilha de água para eu beber». Quando ela ia a buscar a água, Elias chamou-a e disse: «Por favor, traz-me também um pedaço de pão». Mas ela respondeu: «Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus, eu não tenho pão cozido, mas somente um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia. Vim apanhar dois cavacos de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho. Depois comeremos e esperaremos a morte». Elias disse-lhe: «Não temas; volta e faz como disseste. Mas primeiro coze um pãozinho e traz-mo aqui. Depois prepararás o resto para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘Não se esgotará a panela da farinha, nem se esvaziará a almotolia do azeite, até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’». A mulher foi e fez como Elias lhe mandara; e comeram ele, ela e seu filho. Desde aquele dia, nem a panela da farinha se esgotou, nem se esvaziou a almotolia do azeite, como o Senhor prometera pela boca de Elias.

Os pagãos, como a mulher viúva de Sarepta, podem ouvir a palavra de Deus e chegar à fé, tornando-se verdadeiros instrumentos da sua vontade. Elias, é alimentado por uma pagã que acolheu a palavra de Deus e a viu realizar-se na sua vida.

Salmo 145 (146), 7.8-9a.9bc-10 (R. 1 ou Aleluia)

O salmo 145 recorda o poder de Deus que se manifesta na atenção e cuidado para connosco. É ele quem nos salva, nos alimenta, nos ilumina o caminho da vida, nos liberta dos inimigos, nos levanta, protege e ampara. Sem ele, a nossa vida não passa de um sopro e corre o risco de se perder no pecado.

LEITURA II Heb 9, 24-28

Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, figura do verdadeiro, mas no próprio Céu, para Se apresentar agora na presença de Deus em nosso favor. E não entrou para Se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote que entra cada ano no Santuário, com sangue alheio; nesse caso, Cristo deveria ter padecido muitas vezes, desde o princípio do mundo. Mas Ele manifestou-Se uma só vez, na plenitude dos tempos, para destruir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo. E, como está determinado que os homens morram uma só vez e a seguir haja o julgamento, assim também Cristo, depois de Se ter oferecido uma só vez para tomar sobre Si os pecados da multidão, aparecerá segunda vez, sem a aparência do pecado, para dar a salvação àqueles que O esperam.

Jesus ofereceu-se a si mesmo ao Pai em sacrifício pelos pecados dos homens. O seu sacrifício é único e irrepetível e concretizou a vitória sobre o pecado de uma vez para sempre. Os sacrifícios de animais  realizados pelos judeus, não têm comparação com o sacrifício de Cristo.

EVANGELHO – Forma longa Mc 12, 38-44

Naquele tempo, Jesus ensinava a multidão, dizendo: «Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Devoram as casas das viúvas, com pretexto de fazerem longas rezas. Estes receberão uma sentença mais severa». Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro a observar como a multidão deitava o dinheiro na caixa. Muitos ricos deitavam quantias avultadas. Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante. Jesus chamou os discípulos e disse-lhes: «Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».

Os escribas são colocados em confronto com a pobre viúva. Eles aproveitam-se da situação frágil e desprotegidas das viúvas para lhes roubarem os bens. Ao contrário deles, a pobre viúva deitou no tesouro do templo tudo o que tinha pondo em risco a própria subsistência.

Reflexão da Palavra

Estamos no século IX a.C., no reino do norte, no reinado de Acab, que estava casado com Jezabel filha do rei de Sídon e adoradora de Baal. Acab construiu um templo a Baal no monte da Samaria e prestou culto, pecando contra o Senhor que tinha dito “Não terás outros deuses diante de mim” (Dt 20, 2).

Elias aparece subitamente no primeiro livro dos reis, saído do nada, e anuncia a Acab que o Senhor vai mandar uma seca que atingirá todo o país, “não cairá orvalho nem chuva nestes anos senão à minha ordem” (1Rs 17,1). Esta era uma afirmação que manifestava a total desaprovação do culto a Baal, apresentado por Jezabel como o verdadeiro deus da fertilidade, da chuva e do vento. Elias, em nome do Senhor, afirma-se mais forte que Baal, impedindo que a chuva caia sobre a terra. Começa aqui a luta entre o profeta e Jezabel.

Quando secou a “torrente de Querib”, lugar onde Elias se refugiou, o Senhor mandou que ele partisse para Sarepta, na região de Sídon, “levanta-te, vai para Sarepta de Sídon e fica lá, pois ordenei a uma mulher viúva de lá que te alimente” (1Rs 17, 9). É assim que o profeta aparece em território fora da jurisdição de Acab e se encontra com a viúva, como lemos na primeira leitura.

Neste tempo a palavra do Senhor manifestava a sua autoridade cumprindo-se, por isso, “ao chegar às portas da cidade, encontrou uma viúva a apanhar lenha”. É a esta mulher, pobre, que apenas tem “um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia” que Elias pede pão. Para a pobre mulher aquela farinha era apenas o suficiente para cozer o pão da morte “comeremos e esperaremos a morte”. Mas o profeta tem consigo a palavra do Senhor e, confiante nessa palavra diz, à mulher “não temas”, porque o Senhor falou e disse “não se esgotará a panela da farinha, nem se esvaziará a almotolia do azeite, até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra”. E assim sucedeu porque a palavra do Senhor se cumpriu como dissera o profeta e porque o profeta confiou e a mulher viúva arriscou toda a sua vida.

O hino de louvor a Deus criador dos “céus, da terra, do mar e de tudo o que neles existe” (v. 6) que é o salmo 145, está construído em três partes. No início tem uma introdução como convite a louvar o Senhor “louva minha alma o Senhor! Hei-de louvar o Senhor enquanto viver”. Uma segunda parte recorda que o ser humano é frágil, que não tem poder para salvar, nem consegue terminar os seus projetos porque facilmente deixa de respirar e volta ao pó. Pelo contrário, Deus, do qual se ocupa a terceira parte, tem poder de salvar, ele “é fiel à sua palavra”, salva, dá pão e liberdade, ilumina, levanta, ama, protege, ampara”. Deus não permite que os pecadores prosperem, pois ele é o rei.

O salmo 145, o primeiro do grupo do hallel, revela o que Deus tem sido para Israel ao longo da sua história. A história de Israel é a história de um povo a quem o Senhor tem acompanhado no caminho, salvando, dando liberdade, fazendo descer o pão do céu, iluminando o caminho da pátria, amando, protegendo dos inimigos, amparando nos momentos de desalento e orientando para que não sigam pelo caminho dos pecadores.

A carta aos Hebreus coloca frente a frente as tradições judaicas e a tradição cristã. Muitos dos cristãos daquela época eram judeus convertidos. As grandes celebrações festivas do judaísmo, bem como os sacrifícios que se faziam no templo de Jerusalém, vinham à memória destes cristãos e faziam-nos sentir nostalgia do tempo em que também eles participavam nessas celebrações. O autor da Carta aos Hebreus estabelece uma comparação entre os sacrifícios antigos e o sacrifício de Cristo.

A conclusão do autor afirma que o sacrifício de Cristo se realizou de uma vez para sempre e não se repete mais. Ele entrou no verdadeiro santuário que é o céu, oferecendo-se a si mesmo diante de Deus. O seu sacrifício foi em nosso favor destruindo assim o pecado de uma vez para sempre. Não são assim os sacrifícios judaicos. Neles o sacerdote entre no templo feito pelas mãos dos homens, oferece um sacrifício com sangue alheio, de animais, e precisa de o repetir anualmente. Estes sacrifícios estão ultrapassados, porque não salvam. A salvação acontece pelo sacrifício de Cristo de uma vez para sempre. Não há, pois, comparação possível entre o santuário de Deus e o templo de Jerusalém, entre o sacrifício de Cristo e os sacrifícios de animais, entre a salvação que Cristo nos oferece e aquela que se espera dos sacrifícios antigos.

Perante a consideração que gozavam os escribas na sociedade, Jesus avisa os seus discípulos para não se deixarem iludir porque nem sempre a consideração que lhes é reconhecida corresponde às boas obras que realizam. O escriba, segundo o livro Bem Sira é aquele que “se aplica a meditar na Lei do Altíssimo” (Sir 39,1). No entanto, há escribas e doutores da Lei, que se aproveitam do seu estatuto social para enganar, e, Jesus, concretiza “gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes” e“devoram as casas das viúvas”. Sendo assim, não merecem consideração nem desculpa pelo que fazem.

No seguimento do evangelho, Marcos apresenta uma viúva que, pela sua condição não tem importância social, mas tem uma atitude oposta à dos escribas que são tidos por pessoas respeitáveis. Jesus aproveita a situação para ensinar os discípulos.

A cena passa-se junto da arca do tesouro, onde os peregrinos que chegavam a Jerusalém iam depositar as suas ofertas. Jesus está sentado a observar e tira conclusões que partilha com os seus. Todos os peregrinos deitavam ofertas, os ricos deitavam grandes quantias, mas a viúva, classificada de “pobre viúva”, como o eram todas, deitou apenas duas moedas.

A Lei judaica contempla a necessidade de dar atenção às viúvas e aos órfãos, por causa da sua condição de desprotegidos. Os escribas, como Jesus identificou na primeira parte do texto, não faziam caso desta parte da Lei e exploravam as viúvas, enganando-as.

As palavras de Jesus sobre o gesto da viúva colocam-na na mesma dimensão da viúva que acolheu o profeta Elias. Ela só deu duas moedas, mas deu tudo o que tinha para viver. Com aquele gesto, a pobre viúva, arriscou toda a sua vida. Já os demais, deram do que lhes sobrava, não pondo em risco a sua vida. Por isso, diz Jesus, ela “deitou na caixa mais do que todos os outros”.

Meditação da Palavra

A palavra do Senhor cumpre-se através do coração generoso daqueles que o escutam. Neste domingo são apresentados para reflexão, os exemplos de duas viúvas. A mulher pagã, viúva e com um filho órfão para cuidar, escuta a voz do Deus de Israel que lhe pede para acolher o profeta Elias, exilado voluntariamente em Sarepta de Sídon, dando-lhe de comer. De facto, o Senhor diz a Elias “vai para Sarepta de Sídon e fica lá, pois ordenei a uma mulher viúva de lá que te alimente” (1Rs 17, 9). No evangelho, Jesus elogia a atitude desprendida de uma pobre viúva que, apesar da sua pobreza, deixa na arca do tesouro do templo tudo o que tem, duas pequenas moedas.

Enquanto Acab, rei de Israel, se desvia do mandamento de Deus e incorre no maior pecado, o da idolatria, trocando Iahvé, o Deus verdadeiro, pelo culto a Baal, trazido para o reino do norte pela sua esposa, Jezabel, a viúva, também ela de origem pagã, abre o coração à voz de Deus e dá guarida ao profeta.

Disponível para realizar na sua vida a vontade do Deus de Israel, a pobre viúva que tem “somente um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia”, confia na palavra do profeta que diz “não se esgotará a panela da farinha, nem se esvaziará a almotolia do azeite, até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’ e acolhe o profeta por ele ser profeta.

Com esta descrição fica uma lição para os Israelitas do reino do norte que deixaram corromper o coração, acreditando na Jezabel e passando-se para o culto de Baal, abandonando o Senhor, único Deus verdadeiro, enquanto os pagãos, como aquela mulher, acreditam na palavra do Deus vivo.

Do mesmo modo a viúva do evangelho, na sua pobreza, não esmorece a sua confiança no Senhor e, subindo ao templo, sente que deve, como todos, deixar alguma oferta na arca do tesouro. É viúva e pobre, mas também é membro do seu povo, o templo diz-lhe respeito, sente-se responsável e quer participar com tudo o que tem para manter viva a confiança do povo em Deus, o único Senhor, que libertou o seu povo do Egito.

Enquanto alguns escribas, de acordo com a crítica de Jesus, se exaltam a si mesmo considerando-se acima dos outros confiados na sua sabedoria, gostam de “exibir longas vestes”, e de “receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes”, a pobre viúva, no segredo da sua pobreza, encontra segurança no Senhor. Enquanto os “ricos deitavam quantias avultadas” mantendo a sua vida segura no muito que ainda lhes sobrava a viúva “deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante” que era tudo quanto possuía.

A confiança da mulher desperta o olhar de Jesus, de tal modo que ele não exita em afirmar “esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros” e explica porquê. Porque apesar de as moedas serem de pouco valor “ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver”, enquanto que os outros “deitaram do que lhes sobrava.

A atitude destas pobres viúvas encontra em Cristo o paradigma da verdadeira entrega, da verdadeira solidariedade. Cristo, não veio para se exibir com longas vestes como os escribas, nem para ocupar o primeiro lugar nos eventos públicos ele, o verdadeiro escutador do Pai, veio “para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). De facto, Cristo não ofereceu o que lhe sobrava, mas realizou o “sacrifício de Si mesmo”, “em nosso favor”, “para destruir o pecado”, ofereceu-se a si mesmo “uma só vez para tomar sobre Si os pecados da multidão”, em obediência ao Pai, como a viúva de Sarepta. O seu sacrifício não é como o dos sacerdotes da antiga aliança. Eles oferecem o sangue de cordeiros e não o seu próprio sangue, Jesus oferece-se a si mesmo, por isso o seu sacrifício não precisa de repetir-se porque vale definitivamente como expiação pelos pecados de todos. A oferta que Jesus faz de si mesmo, vale mais do que todas as ofertas de touros e cabritos, do mesmo modo que a oferta da viúva vale mais de todas as demais ofertas.

Com esta palavra, o Senhor, quer ensinar-nos hoje, como fez com os discípulos, que, cumprir o mandamento do amor a Deus e ao próximo, não é uma teoria académica, mas uma atitude de vida que passa por fazer a vontade de Deus e colocar nele toda a confiança, sabendo que a palavra de Deus se cumpre naqueles que a põem em prática.

Rezar a Palavra

Confrontado com a tua palavra, Senhor, sinto-me como Acab, tantas vezes seduzido pelos ídolos e renunciando ao teu amor, e como os escribas, mais preocupado pela aparência do que pela verdade. Também sei que às vezes consigo ser como as viúvas, capaz de dar tudo e de confiar plenamente na tua providência. Não é sempre certo o meu caminho, mas sei que só em ti encontro a libertação do pecado que me seduz e impede de viver plenamente como teu discípulo.

Compromisso semanal

Abro as mãos e entrego tudo o que tenho e tudo o que sou nas mãos de Deus, confiado no seu amor.