Mistagogia da Palavra

Foi no quadro comum de uma família humana que se realizou o mistério da Encarnação, pelo qual Deus feito homem habita entre os homens. Foi no seio desta família que decorreram os anos íntimos e silenciosos da infância e da juventude de Jesus, família que se tornou modelo de toda a família e de toda a sociedade. Nos nossos dias, a comunidade familiar, nascida da instituição divina que é o Matrimónio, mantém todo o seu valor. E a vida familiar, assim iluminada e protegida, continuará a modelar os homens à imagem de Cristo e a encaminhá-los para a vida do Céu. 
A 1ª leitura, de Ben-Sirá, diz-nos que, embora hoje a vida familiar seja em muitos aspectos diferente do que era nos tempos bíblicos, os valores-base são os mesmos. Daí que o amor dos pais tem de continuar a ser um dos alicerces da família. Amar o s pais é reconhecer e retribuir o amor com que Deus nos ama.
Na 2ª leitura, S. Paulo, escrevendo aos Colossenses, ensina-nos que a unidade e a harmonia que caracterizam a Igreja, a grande família dos filhos de Deus, devem existir também na “Igreja doméstica”, que é a família. Vivendo o amor, a família vencerá, na paciência e no perdão, os conflitos que naturalmente surgem; estenderá sobre si própria a paz de Cristo; promoverá a mútua compreensão e a autêntica sabedoria cristã e continuará, através dos seus membros, a vida de louvor e de acção de graças ao Pai, iniciada em Cristo.
Na 3ª leitura, S. Lucas narra-nos que no templo, casa de Deus para todo o povo de Israel, Jesus manifesta, aos 12 anos, a sua Messianidade, ao interpretar, com autoridade, a Sagrada Escritura, perante os doutores da Lei. Ao mesmo tempo, com a sua atitude de independência, revela a sua mãe e a seu pai adoptivo o amor para com a vontade do Pai. E Maria guarda no mais íntimo da sua alma esta revelação, num profundo respeito pela vocação d’Aquele que, antes de ser seu Filho, é Filho de Deus.

A Palavra do Evangelho

Evangelho     Lc 2, 41-52
Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa. Quando Ele fez doze anos, subiram até lá, como era costume nessa festa. Quando eles regressavam, passados os dias festivos, o Menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o soubessem. Julgando que Ele vinha na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-l’O entre os parentes e conhecidos. Não O encontrando, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Passados três dias, encontraram-n’O no templo, sentado no meio dos doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. Todos aqueles que O ouviam estavam surpreendidos com a sua inteligência e as suas respostas. Quando viram Jesus, seus pais ficaram admirados; e sua Mãe disse-Lhe: «Filho, porque procedeste assim connosco? Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura». Jesus respondeu-lhes: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?». Mas eles não entenderam as palavras que Jesus lhes disse. Jesus desceu então com eles para Nazaré e era-lhes submisso. Sua Mãe guardava todos estes acontecimentos em seu coração. E Jesus ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens.


Caros amigos e amigas, neste caminho de Belém, somos convidados a contemplar a família de Nazaré. Nela descobrimos o sentido da procura e a raiz da comunhão, Jesus. Com eles, aprendemos o acolhimento da Palavra como segredo para o crescimento da Fé.


Como era costume

Lucas apresenta-nos uma família “praticante”. A Torah prescrevia que cada israelita se devia apresentar no Templo nas três grandes festas, entre elas, a da Páscoa. José, Maria e Jesus, fazem parte desse povo em peregrinação constante, em busca celebrativa e permanecem a caminho do seu Deus, recebendo aí a sua identidade de comunidade ao encontro. Podemos pensar, pelos relatos posteriores do Evangelho, que Jesus era um revolucionário, no ataque constante à lei judaica. Nesta passagem de Lucas encontramos a verdadeira missão de Jesus, a de Filho. E é nesta obediência de liberdade que descobrimos a fidelidade da família de Nazaré, que, “como de costume” peregrina, anda à busca, caminha ao encontro do seu Deus. 

Começaram a procurá-l’O

No caminho de regresso, Jesus não parte com a caravana e fica em Jerusalém. Confiando que Ele estaria com os familiares e amigos, só no final do dia os seus pais se apercebem da sua falta. Que rebeldia esta, a de Jesus? Porque procederia assim? Como estaria o coração de Maria e José ao sentir a falta do seu filho? Que ansiedade e preocupação… Serão estes os sentimos que nos habitam quando sentimos a falta de Jesus no nosso caminho? Ou nem damos pela sua falta? 
Muda o sentido da peregrinação, da procura. Já não é o Templo de Jerusalém o foco da sua caminhada mas o Senhor do Templo. Ao terceiro dia (alusão aos três dias entre a Cruz e a Ressurreição), a escuridão dá lugar à luz, a ausência à presença…e surge a pergunta de uma mãe aflita: «Filho, porque procedeste assim connosco? Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura». À pergunta e desabafo da mãe, Jesus responde com uma catequese: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?». Jesus esclarece os pais que está na casa de Seu Pai. O pai de Jesus não é José mas o próprio Deus. Aqui se exprime de forma bem clara a filiação divina de Jesus. Jesus fala de um “dever”, Ele deve estar com o Pai. “Aquilo que parecia como desobediência ou como liberdade inconveniente com os pais, na realidade é precisamente expressão da sua obediência filial” (Papa Bento XVI, Infância de Jesus).

Eles não entenderam as palavras de Jesus

A palavra de Jesus é grande demais para caber na limitada lógica do nosso pensar e da nossa inteligência. Queremos respostas óbvias às nossas perguntas. Maria não compreende as palavras do seu próprio Filho, mas guarda-as no seu coração. Na sua fé, também em peregrinação e a caminho, Maria não arquivou nem congelou a resposta de Jesus, ponderou, questionou, meditou, deixou que o Espírito fosse iluminando e dando maturação ao seu caminho.
Somos tentados a manipular e reduzir as palavras de Jesus às nossas medidas. Precisamos de aprender com Maria, a crescer na fé, guardando a Palavra em nosso coração. Ela é feliz porque acredita, porque crê. É neste berço de peregrinos que Jesus cresce, em sabedoria, em estatura e em graça. Só uma família à procura de Deus pode ser berço de paz e lançar sementes de amor. Só numa família que guarda a Palavra em seu coração, nos seus gestos, nos seus desejos e planos, pode crescer Jesus, pode ser Natal, pode fazer acontecer o Evangelho!


Viver a palavra

Vou preparar o lugar para Jesus na minha vida, de tal modo que não possa viver sem Ele.


Rezar a palavra

Senhor Jesus, quero ardentemente fazer parte da tua família, quero cultivar esta pertença mútua
 de modo que faças parte da minha vida e eu me sinta constantemente pertença tua.
Que te entenda como o Amigo e confidente mais seguro, o Pai e a Mãe carinhoso e solícito;
Tu és o Irmão, o Esposo da alma, a fonte de onde manam as minhas relações humanas.
Livra as famílias deste mundo da insídia do egoísmo, e que na tua família humana encontrem inspiração. 
Proteje-nos do individualismo para que no berço das nossas relações possas continuar a nascer.