De braços erguidos

Aquela palavra ficou a ecoar dentro dele. Passaram muitos anos, mas ele continua a ouvir a voz da mãe naquele dia em que, distraído, decidiu atravessar a rua sem atenção. Um grito bastou para o travar. Olhou para trás e a mãe estava de mãos erguidas acima da cabeça como quem reza. Agora, em muitas situações da vida ele ouve o grito inconfundível da mãe e trava a fundo, dizendo para consigo: “não faças isso”. Há palavras que curam, e há palavras que curam uma e outra vez ao longo de toda a vida.

LEITURA I           Ex 17, 8-13

Naqueles dias,
Amalec veio a Refidim atacar Israel.
Moisés disse a Josué:
«Escolhe alguns homens
e amanhã sai a combater Amalec.
Eu irei colocar-me no cimo da colina,
com a vara de Deus na mão».
Josué fez o que Moisés lhe ordenara e atacou Amalec,
enquanto Moisés, Aarão e Hur subiram ao cimo da colina.
Quando Moisés tinha as mãos levantadas,
Israel ganhava vantagem;
mas quando as deixava cair,
tinha vantagem Amalec.
Como as mãos de Moisés se iam tornando pesadas,
trouxeram uma pedra e colocaram-na por debaixo
para que ele se sentasse,
enquanto Aarão e Hur, um de cada lado,
lhe seguravam as mãos.
Assim se mantiveram firmes as suas mãos até ao pôr do sol,
e Josué desbaratou Amalec e o seu povo ao fio da espada.

Moisés enfrenta uma batalha, confiado no poder que Deus colocou nas suas mãos. Ele sabe que, nas grandes batalhas é necessária toda a força dos homens e toda a confiança no Senhor. Sozinhos os homens não conseguem vencer as batalhas mais importantes.

Salmo Responsorial     Salmo 120 (121), 1-8 (R. cf. 2)

Os peregrinos tinham pela frente um caminho longo, difícil e cheio de perigos. Na ansiedade da partida o peregrino perguntava-se “donde me virá o auxílio?”, então, ouvia dentro de si a resposta: “O meu auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra”. Os amigos e vizinhos animavam-no dizendo “O Senhor é quem te guarda, o Senhor está a teu lado, Ele é o teu abrigo”. Tendo o Senhor a seu lado não haverá nenhum perigo que possa impedi-lo de chegar ao fim, pois “O sol não te fará mal… nem a lua… O Senhor te defende… vela pela tua vida… Ele te protege”. No caminho, o peregrino vai rezando: “O meu auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra

LEITURA  II        2Tm 3, 14 __ 4, 2

Caríssimo:
Permanece firme no que aprendeste
e aceitaste como certo,
sabendo de quem o aprendeste.
Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras;
elas podem dar-te a sabedoria que leva à salvação,
pela fé em Cristo Jesus.
Toda a Escritura, inspirada por Deus,
é útil para ensinar, persuadir, corrigir
e formar segundo a justiça.
Assim o homem de Deus será perfeito,
bem preparado para todas as boas obras.
Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo,
que há de julgar os vivos e os mortos,
pela sua manifestação e pelo seu reino:
Proclama a palavra,
insiste a propósito e fora de propósito,
argumenta, ameaça e exorta,
com toda a paciência e doutrina.

Paulo recorda a Timóteo a importância da Palavra de Deus e diz-lhe: “desde a infância conheces as Sagradas Escrituras”. De facto, Timóteo teve a seu lado pessoas muito dedicadas como a avó e a mãe. Mas também mestres da palavra, como Paulo. Instruído pela palavra sabe usá-la para ensinar, persuadir, corrigir e formar os membros da sua comunidade.

EVANGELHO    Lc 18, 1-8

Naquele tempo,
Jesus disse aos seus discípulos uma parábola
sobre a necessidade de orar sempre sem desanimar:
«Em certa cidade vivia um juiz
que não temia a Deus nem respeitava os homens.
Havia naquela cidade uma viúva
que vinha ter com ele e lhe dizia:
‘Faz-me justiça contra o meu adversário’.
Durante muito tempo ele não quis atendê-la.
Mas depois disse consigo:
‘É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens;
mas, porque esta viúva me importuna,
vou fazer-lhe justiça,
para que não venha incomodar-me indefinidamente’».
E o Senhor acrescentou:
«Escutai o que diz o juiz iníquo!…
E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos,
que por Ele clamam dia e noite,
e iria fazê-los esperar muito tempo?
Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa.
Mas quando voltar o Filho do homem,
encontrará fé sobre a terra?».

Jesus declara que é necessário “rezar sempre, sem desanimar”. Para explicar esta necessidade conta a parábola da viúva e do juiz iníquo, na qual ensina que, se o juiz atendeu a viúva, muito mais Deus, que é misericordioso, nos atende se lhe suplicarmos dia e noite.

Reflexão da Palavra   

A liturgia deste domingo leva-nos de novo ao livro do Êxodo. Mais do que o relato de uma batalha o texto oferece uma experiência do povo da aliança no caminho do deserto, lugar de perigos, onde apenas Deus pode salvar.

O acontecimento descrito dá-se imediatamente após o episódio da água que brota do rochedo em Meribá (Ex 17, 1-7). Israel acaba de passar por uma crise de fé, murmurando contra Deus por falta de água. Vencida a sede, surge um novo desafio, os amalecitas, um povo nómada do deserto, tradicionalmente localizado na região do Negev e na Península do Sinai. Na tradição bíblica (cf. Génesis 36,12), são descendentes de Esaú. Conhecedores do território, investem contra Israel num momento em que o povo está cansado e vulnerável.

Chefe do povo da promessa, Moisés, confia o exército a Josué e vai colocar-se no cimo do monte a comandar as operações. Moisés e Josué são os instrumentos para a ação libertadora de Deus. Enquanto um levanta as mãos para Deus o outro luta com todas as forças contra o inimigo. Nenhum dos dois pode desistir, por isso Aarão e Hur seguram nas mãos de Moisés quando ele perde as forças.

Moisés possui a vara, sinal do poder que lhe foi dado por Deus, e com ela orienta as operações. É o símbolo do poder e da autoridade divina que atuam através de Moisés. Não é uma vara mágica, mas um sinal que recorda as intervenções salvíficas anteriores: as pragas, a passagem do Mar Vermelho, a água do rochedo. Ao erguê-la, Moisés invoca o mesmo Deus que já operou maravilhas no passado. Tanto Moisés como Josué sabem que a vitória pertence a Deus e que eles são apenas instrumentos que puseram todas as suas forças à disposição do poder divino.

Como Moisés e Josué diante do inimigo, o peregrino que fala no salmo 120 só pode ser um homem de confiança. Os perigos do caminho são tantos que ele não pode aventurar-se sem ir bem equipado para não sucumbir perante as ameaças permanentes. Na primeira parte do salmo, consciente de que o Senhor mora no monte Sião, o peregrino lança para lá o seu olhar e pergunta a ele mesmo e aos que o rodeiam: “donde me virá o auxílio?”. Ele sabe a resposta, “O meu auxílio vem do Senhor”, mas perguntar-se e perguntar aos que o rodeiam é um modo de ouvir a resposta e ganhar confiança para continuar até entrar na cidade santa e penetrar no santuário do Senhor.

Aqueles que o rodeiam, família de quem se despede, amigos que o veem passar ou peregrinos que caminham com ele, completam a resposta dizendo quem é este Senhor, conscientes da fé que os move no caminho para Jerusalém.

O Senhor é quem te guarda”. O Senhor é quem “guarda Israel”, é o “teu abrigo”, é ele quem “te defende”, quem “vela pela tua vida”, quem “te protege”, pois ele não dorme e a sua proteção é “para sempre”.

Paulo está preocupado com a comunidade de Éfeso onde Timóteo ficou como guardião da verdade. Por isso propõe a Timóteo que permaneça firme naquilo que aprendeu, sabendo que o aprendeu de pessoas formadas nas Escrituras. Paulo sabe que Timóteo recebeu o ensino da sua avó Loide e da sua mãe Eunice, duas judias convertidas ao cristianismo.

A palavra da Escritura é a fonte segura em que deve inspirar-se o ensino, “conheces a Sagrada Escritura”. A ela deve Timóteo recorrer permanentemente, como um recurso para “ensinar, persuadir, corrigir e formar”, pois as Escrituras “podem dar-te a sabedoria” porque são “inspiradas por Deus”.

Bem formado na palavra Timóteo deve anunciá-la a todo o custo. Paulo insiste com ele de forma muito determinada, quase ameaçadora, “Conjuro-te”, tendo como testemunha o próprio Deus “diante de Deus e de Jesus Cristo” e por tudo o que há de mais sagrado “pela sua manifestação e pelo seu reino”, “proclama a palavra”.

Paulo que, depois da conversão compreendeu a sua vida como um serviço à palavra, “ai de mim se não evangelizar”, uma “obrigação que lhe foi imposta” (Cf. 1Cor 16), entende que a primeira e mais importante missão do responsável da comunidade há de ser o anúncio da Palavra “a propósito e fora de propósito”, sem perder qualquer oportunidade, “com paciência”, mas também argumentando, ameaçando e exortando, se necessário, para manter viva a comunidade.

No evangelho, Jesus oferece mais uma parábola. Um juiz e uma viúva servem para ele falar sobre “a necessidade de orar sempre sem desanimar”. Jesus sabe que os discípulos o seguem a medo porque vai para Jerusalém. A cada passo o ambiente adensa-se e eles temem pelo que vai acontecer. Jesus já falou várias vezes da sua morte e eles fizeram-se desentendidos porque sentiram que não tinham fé suficiente. Foi por isso que lhe pediram “aumenta a nossa fé”. Nestas circunstâncias surge a parábola sobre a oração.

A viúva, juntamente com o órfão e o estrangeiro, são o símbolo máximo da vulnerabilidade. Sem um homem que a proteja, está à mercê da exploração e da injustiça social. Ela pertence aos “pobres de Iahvé, os que não têm qualquer poder ou influência, e cuja única esperança reside em Deus. A sua única arma é a sua voz, a sua persistência, a sua “importunação”.

O juiz representa todos os insensíveis da sociedade que não cuidam, como deviam, dos pobres e indefesos. Aqueles que só cumprem com os pobres para que os deixem de importunar. A insistência da mulher surge como exemplo de persistência na oração.

No final da parábola impõe-se a interrogação de Jesus: “E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos?”, palavras que leva os ouvintes da história até a vida real. Se um juiz corrupto e egoísta, que não tem qualquer interesse na justiça, é capaz de ceder perante a persistência de uma mulher para se ver livre dela, Deus, justo e misericordioso, que é como um Pai amoroso para os Seus filhos, não ouvirá e fará justiça aos que Lhe suplicam incessantemente? Então, ainda que demore, porque Deus não é como o juiz, a oração vai ser atendida.

Quando o assunto parece ter terminado, eis que Jesus deixa no ar uma última pergunta: “Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre a terra?” Depois de garantir a fidelidade de Deus, Jesus, apresenta a verdadeira questão: A comunidade cristã será capaz de perseverar na fé e na oração até ao fim. A oração persistente não é uma forma de convencer um Deus relutante, mas sim a expressão da fé que se mantém viva e vigilante durante o tempo da espera.

Meditação da Palavra

“Orar sempre, sem desanimar”. A indicação de Jesus, no início do Evangelho, é tão direta quanto desafiadora. Todos nós conhecemos a distância entre este ideal e a realidade da nossa vida. O cansaço, a rotina, as distrações e, sobretudo, o aparente silêncio de Deus, podem tornar as nossas mãos pesadas e o nosso coração desanimado. As leituras deste domingo são um poderoso remédio para esta fadiga espiritual, ensinando-nos não só porque devemos perseverar na oração, mas também como o podemos fazer.

A primeira leitura oferece-nos um ícone inesquecível. Israel combate no vale, mas a batalha é decidida no cimo da colina. A vitória não depende apenas da perícia militar de Josué, mas do gesto de intercessão de Moisés, com os braços erguidos para Deus. Esta imagem ensina-nos duas verdades fundamentais sobre a nossa oração.

Primeiro, a oração é um combate. Não é um passatempo tranquilo, mas uma luta espiritual que tem consequências reais na nossa vida e no mundo. Manter os “braços erguidos” é a nossa forma de participar ativamente nas batalhas contra o mal, a injustiça e o desespero.

Segundo, ninguém vence este combate sozinho. As mãos de Moisés tornaram-se pesadas. Ele precisou de Aarão e de Hur para o ampararem. Esta é uma imagem sublime da Igreja, da comunidade. Quando a nossa oração vacila, precisamos do apoio dos nossos irmãos para nos sustentarem. E, por nossa vez, somos chamados a ser “Aarão e Hur” para aqueles que, à nossa volta, estão a fraquejar. A oração perseverante é pessoal, mas nunca é individualista.

Se a oração é um combate, qual é a nossa arma? Jesus, na parábola, aponta para a insistência. A protagonista é uma viúva, símbolo da pessoa mais vulnerável e sem poder na sociedade. A sua única “arma” é a sua persistência importuna. Se esta atitude foi capaz de demover um juiz “que não temia a Deus nem respeitava os homens”, argumenta Jesus, quanto mais não alcançará o coração de Deus, nosso Pai?

A nossa insistência não serve para dobrar a vontade de um Deus relutante. Serve para dilatar o nosso próprio coração, para fortalecer a nossa fé e para nos mantermos focados no essencial. Ao clamar “dia e noite”, como diz Jesus, estamos a dizer a Deus e a nós mesmos que só n’Ele pomos a nossa esperança.

Esta confiança audaciosa da viúva e a resistência de Moisés não nascem do nada. Elas brotam da fé que o Salmo 120 (121) canta de forma tão bela: “O meu auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra”.

Nós perseveramos na oração não porque somos fortes, mas porque Aquele a quem rezamos nunca descansa. “Não há de dormir nem adormecer Aquele que guarda Israel”. Enquanto lutamos no vale ou sentimos os braços pesar na colina, a nossa fé assenta nesta certeza: somos guardados. O nosso Deus é um Pai vigilante, um abrigo seguro. A nossa oração insistente é apenas o eco da Sua presença constante.

São Paulo lembra a Timóteo que a perseverança se alimenta da Palavra: “Permanece firme no que aprendeste”. A nossa oração precisa de ser nutrida pela Palavra de Deus. É na Escritura que encontramos os motivos e a força para não desanimar.

A pergunta final de Jesus é, talvez, a mais penetrante de todas: “Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre a terra?”. As leituras de hoje sugerem que a resposta a essa pergunta se manifesta na nossa capacidade de orar sem cessar. A fé que Jesus procura é esta fé perseverante, que se expressa no grito confiante da viúva e nos braços erguidos de Moisés, sustentados pela comunidade.

Rezar a Palavra

Sei que tu, Senhor, tens lutado a meu lado em muitas das minhas batalhas. Nem sempre venci, mas estiveste sempre lá. Umas vezes a cantar de alegria pela vitória, outras vezes a dar-me a mão para me levantar. Tu és, Senhor, o meu único auxílio. Tu velas sobre a minha vida e não permites que nenhum mal me aconteça, por isso avanço confiante e sem medo.

Compromisso semanal

Peço a Deus a graça de saber usar a fé que tenho para realizar as pequenas coisas da minha vida com amor, na certeza de que assim elas ganham o poder de mudar o mundo.