Nota Histórica
A festa da Transfiguração, celebrada no Oriente desde o século V e no Ocidente a partir de 1457, faz-nos reviver um acontecimento importante da vida de Jesus, com reflexos na nossa vida.
Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração foi uma manifestação da vida divina, que está em Jesus. A luz do Tabor é, porém, uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Por isso, os Apóstolos, contemplando a glória divina na Pessoa de Jesus, ficaram preparados para os dolorosos acontecimentos, que iriam pôr à prova a sua fé. Vendo Jesus na Sua condição de servo, já não poderão esquecer a Sua condição divina. Anúncio da Páscoa, a Transfiguração encerra também uma promessa – a da nossa transfiguração. Jesus, com efeito, fez transparecer na Sua Humanidade a glória de que resplandecerá o seu Corpo Místico, a Igreja, na Sua vinda final. A nossa vida cristã é, pois, um processo de lenta transformação em Cristo. Iniciado no nosso Baptismo, completa-se na Eucaristia, «penhor da futura glória», que opera a nossa transformação, até atingirmos a imagem de Cristo glorioso.
LEITURA I: Daniel 7, 9-10.13-14
Estava eu a olhar, quando foram colocados tronos e um Ancião sentou-se. As suas vestes eram brancas como a neve e os cabelos como a lã pura. O seu trono eram chamas de fogo, com rodas de lume vivo. Um rio de fogo corria, irrompendo diante dele. Milhares de milhares o serviam e miríades de miríades o assistiam. O tribunal abriu a sessão e os livros foram abertos. Contemplava eu as visões da noite, quando, sobre as nuvens do céu, veio alguém semelhante a um filho do homem. Dirigiu-Se para o Ancião venerável e conduziram-no à sua presença. Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza, e todos os povos e nações O serviram. O seu poder é eterno, que nunca passará, e o seu reino jamais será destruído.
Compreender a Palavra
Celebramos hoje a Transfiguração do Senhor
A visão de Daniel, mais alargada do que este pequeno texto apresenta Deus como um ancião que se senta com a sua corte nos tronos de fogo com rodas e lume vivo. Parece montar-se uma sessão de julgamento onde o Ancião é o juiz. Há um rio de fogo que separa o ancião daqueles que vão ser julgados e serve para executar a sentença. Na visão de Daniel aparecem vários animais, umas feras medonhas, que detêm o poder mas a quem o ancião executa pelo fogo. Despois aparece “um filho do homem”. Não sabemos quem é este personagem. Sabemos que não desce nem sobe, simplesmente vem sobre as nuvens e dirigindo-se ao ancião recebe o poder, a honra e a realeza e o seu reino será eterno. Todos os povos o servirão.
Meditar a Palavra
A profecia do filho do homem remete-nos automaticamente para Jesus. Ele disse de si mesmo que era “o filho do homem” sobretudo quando se falava sobre a forma como iria morrer e para falar sobre a sua vinda “sobre as nuvens”. Jesus fala também de uma sessão de julgamento quando ele, o filho do homem, se sentar no seu trono de glória também eles, os apóstolos se sentarão com ele para julgar as doze tribos de Israel. Na festa da Transfiguração do Senhor, esta passagem de Daniel, onde aparece o “filho do homem”, serve para mostrar que este Jesus que se transfigura no cimo do monte é aquele que recebeu o poder a honra e a realeza, que se fez homem mas está ao nível de Deus, o ancião da profecia de Daniel que tem na mão o fogo para julgar os poderes da terra que se opõem ao poder de Deus.
Rezar a Palavra
O teu poder, senhor, é o amor, o teu fogo é purificador e o teu julgamento é misericórdia. Justamente condenados ao esquecimento por causa dos nossos pecados, não nos abandonaste à nossa sorte, mas enviaste o teu filho, para que, como filho do homem, no mistério da cruz, restabelecesse a amizade entre ti e os homens pelo sangue derramado. Ali, no madeiro do suplício, o fogo do amor, como um rio, chegou até nós e tocou-nos pela água e pelo Espírito Santo para nos purificar e revestir da tua glória elevando-nos à condição de filhos. Nenhum poder nos pode arrebatar das tuas mãos porque só o teu reino é eterno.
Compromisso
Revestido de Cristo pelo batismo quero experimentar continuamente na minha vida a força purificadora do fogo do amor misericordioso de Deus.
LEITURA II 2 Pedro 1, 16-19
Caríssimos: Não foi seguindo fábulas ilusórias que vos fizemos conhecer o poder e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas por termos sido testemunhas oculares da sua majestade. Porque Ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da sublime glória de Deus veio esta voz: «Este é o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha complacência». Nós ouvimos esta voz vinda do céu, quando estávamos com Ele no monte santo. Assim temos bem confirmada a palavra dos Profetas, à qual fazeis bem em prestar atenção, como a uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até que desponte o dia e nasça em vossos corações a estrela da manhã.
Compreender a Palavra
Pedro dá testemunho da sua presença no cimo do monte quando Jesus se transfigurou e revelou ser o cumprimento de toda a lei e de todas as profecias, ao falar com Moisés e Elias. Desta forma confirma que o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo que anunciaram não está fundado em fábulas ou ilusões mas na voz vinda do céu que dizia: «Este é o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha complacência».
Meditar a Palavra
Recebemos o Evangelho diretamente daqueles que viram e ouviram na primeira pessoa, por conviverem diretamente com o seu autor, Jesus Cristo. O seu testemunho revela que esse Jesus em quem acreditamos está acreditado junto de Deus e a sua palavra é confirmada pelos profetas, Moisés e Elias. “Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o seu testemunho é verdadeiro”, diz S. João no seu Evangelho (19, 35), ele que esteve com Pedro no cimo do monte. “Nós ouvimos esta voz vinda do céu, quando estávamos com Ele no monte santo” diz Pedro, para entendermos que recebemos a verdade e não fantasias e é nesta verdade que encontramos a luz que nos ilumina até que chegue o dia do Senhor.
Rezar a Palavra
O teu evangelho, chegou até nós, Senhor, pela boca e pelas mãos daqueles que escolheste para andarem contigo e serem enviados em teu nome. Eles viram e ouviram e beberam da vida que partilhaste com eles. Por isso encontro nesta palavra a verdade que ilumina a minha noite e me acreditar que o dia vem, esse dia em que verei o teu rosto.
Compromisso
Aprofundo a minha fé na palavra e procura dar testemunho com a minha vida como o fizeram os apóstolos que estiveram no cimo do monte.
EVANGELHO Lc 9, 28b-36
Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que, tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.
Compreender a Palavra
Lucas insere a transfiguração do Senhor no espaço temporal de “oito dias depois” que não se vê no texto litúrgico mas que está no evangelho, no cimo do monte e em ambiente de oração. Estes elementos ajudam-nos a compreender que estamos a viver um tempo de Deus, oito é o tempo de Deus, no cimo do monte Jesus está mais perto de Deus e essa proximidade é ainda mais visível porque está em oração. Este encontro situa-se imediatamente antes de subir a Jerusalém. Jesus vem à intimidade de Deus para encontrar nele a orientação para o caminho mais difícil de toda a sua vida. Neste contexto o rosto e as vestes de Jesus tornam-se luminosas, sinal da sua divindade e da revelação de Deus. Os discípulos contemplam o que a Moisés não foi permitido. No encontro entre Jesus e os dois personagens do Antigo Testamento, Moisés e Elias, percebe-se que Jesus não está fora desta história de salvação que Deus fez com o seu povo, aliás vem dar cumprimento aos projeto de Deus, porque estão a falar da morte de Jesus, ponto central do mistério da redenção. Neste contexto e apesar do sono, Pedro quer ficar ali para sempre, na proximidade de Deus, como Moisés quando entrava na tenda do encontro. Deus está ali e fala e a sua palavra oferece a luz que falta para entender o acontecimento: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». A experiência foi tão forte que eles ficaram em silêncio.
Meditar a Palavra
Os discípulos caminham com Jesus desde aquele dia em que ele os chamou, num desafio que os deixou sem palavras mas os moveu a levantarem-se para o seguirem. Desde esse dia que se interrogam como nós nos interrogamos sobre quem é Jesus, se vale a pena segui-lo, se tudo isto não é uma ilusão, se este seguimento não vai acabar mal, qual a verdadeira razão de ser do seu chamamento e tantas outras perguntas. Ao viver esta experiência da transfiguração, descrita como Lucas o faz, posso perceber que Jesus é simultaneamente o Cristo Filho de Deus vivo e aquele que vai morrer para depois se manifestar na sua glória. Quem segue Jesus vai sabendo, pouco a pouco, que este Jesus que caminha para o maior fracasso da história é também aquele que vai mudar a história dos homens com a sua ressurreição. É um caminho difícil, estreito, mas é também o único caminho para alcançar a verdadeira vida. Por isso é tão importante escutar Jesus, escutar as suas palavras mas sobretudo escutar a sua vida, a sua intimidade com o Pai, as suas decisões, o seu discernimento sobre os critérios dos homens e os critérios de Deus.
Rezar a Palavra
Ensina-me a seguir-te, Senhor, pelo caminho estreito de Jerusalém para contigo fazer a experiência da glória onde serei reconhecido como filho, do mesmo modo que na tua transfiguração me dás a conhecer a tua divindade.
Compromisso
No silêncio da oração faço a experiência da proximidade de Deus meu Pai.