Mistagogia da Palavra
A Liturgia dedica o primeiro dia do ano civil a Maria, celebrando a sua prerrogativa única e o seu título essencial de Mãe de Deus. É precisamente na Maternidade divina que se encontra o fundamento da especial relação de Maria com Cristo e da sua presença na economia da salvação. Escolhendo Maria para sua Mãe, Cristo, o Verbo Encarnado, associa-a intimamente à obra da reconciliação da humanidade. Através de Maria, os homens serão encaminhados com os pastores para o conhecimento, serviço e amor de Cristo.
Este dia é também o dia da paz. No entanto, a paz não reina no mundo. Por isso, a Igreja, preocupada com as divisões, ódios e guerras entre os homens, quer lembrar-lhes, através da celebração do Dia Mundial da Paz, que em Cristo todos somos irmãos. Filhos do mesmo Pai, todos devemos trabalhar, sob a protecção maternal de Maria, para a construção dum mundo mais justo, mais fraterno – um mundo melhor.
A 1ª leitura é do Livro dos Números. Recitada sobre o povo, que se havia reunido para o sacrifício da manhã, esta bênção sacerdotal é um augúrio de paz para os filhos de Israel. Esta “paz”, que em si concentra todos os bens, é um dom de Deus. Mas é também uma conquista do homem. Cada um de nós deve ser, pois, construtor da paz verdadeira.
A 2ª leitura é da Epístola de S. Paulo aos Gálatas. Maria assume um papel insubstituível na revelação da Paternidade divina. É a Mãe de Deus, que concebeu o seu Filho por obra e graça do Espírito Santo. É a Mãe da Igreja, corpo de Cristo na terra.
O Evangelho, é segundo S. Lucas. De todos aqueles que virão a ser adoptados em Cristo como filhos de Deus, os pastores são os primeiros a receber a Boa Notícia da salvação. É, porém, junto de Maria, sua Mãe, a primeira crente, a totalmente disponível a Deus, que encontram o Salvador e n’Ele se encontram com Deus. “Maria cooperou, de modo singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa Mãe na ordem da graça”.
A Palavra do Evangelho
Evangelho Lc 2, 16-21
Naquele tempo, os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura. Quando O viram, começaram a contar o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino. E todos os que ouviam admiravam-se do que os pastores diziam. Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração. Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes tinha sido anunciado. Quando se completaram os oito dias para o Menino ser circuncidado, deram-Lhe o nome de Jesus, indicado pelo Anjo, antes de ter sido concebido no seio materno.
Caros amigos e amigas, na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus encontramos uma mulher simples e pobre ao lado de um marido justo e humilde e um Menino na manjedoura. Onde nos poderá conduzir tal quadro?
Interpelações da Palavra
Dirigiram-se apressadamente!… Começaram a contar
Os pastores resguardam os gados, as suas fogueiras aquecem o sono quando rumores sacodem as trevas. Que esconderá esta escuridão a revelar vozes jubilosas e cânticos de celebração? É preciso ser-se pobre para ouvir Anjos na noite, e também uma fé humilde que lhes dê crédito. Os pastores, pobres e excluídos, são os primeiros convidados a um encontro: Deus revelou-se. Estranha preferência a de Deus! Ele não se revela nos editais palacianos, ou nas festas ruidosas dos frívolos, mas no silêncio fecundo das noites capazes de escutar.
A pressa dos pastores faz lembrar as correrias dos Apóstolos e das mulheres na manhã da ressurreição. Os primeiros encontram um Salvador prometido jazente na manjedoura, os segundos encontram um sepulcro vazio. Mas, tanto uns como outros, sabem ler na fragilidade destes sinais a revelação da salvação de Deus. À primeira vista, parece que os pastores poderiam ficar defraudados pelo resultado de tanta pressa. Que viram eles para começarem a contar maravilhas? Na singularidade escandalosa, de um casal de pobres e um recém-nascido reclinado na manjedoura, reconhecem que a grandeza de Deus é identificar-se com a fragilidade da criatura. E regressam a cantar louvores! É assim que se regressa depois do verdadeiro encontro com Deus!
Amigos e amigas, também as nossas noites estão repletas de vozes: é preciso perguntarmos ao silêncio pela presença de Deus… Hoje somos nós os convidados a ir a Belém. Não nos demitamos desta caminhada. Não temamos confrontar-nos com a simplicidade e a pobreza de Deus…
Maria conservava e meditava… no seu coração
Também Maria é pobre e conhece bem a voz dos Anjos. Ela habituou-se a perscrutar a noite e as surpresas de Deus como alvoradas na monotonia dos dias. Ela sabe que é no âmago do silêncio que Deus revela os seus sinais e, nos longos meses de gestação do Verbo, afinou a capacidade de escuta. Ela é um jardim, de terra boa, capaz de se deixar fecundar pelas notícias de Deus. Na sua condição de criatura limitada, sabe que as revelações germinam lentamente no coração que sabe escutar. Ali no presépio, como desde o instante em que disse “faça-se”, como em todo o seu percurso humano, Ela continua a gerar a Palavra. É assim que é “Mãe de Deus”. Ainda hoje, Ela pode ensinar-nos a gestação da Palavra, no ventre de um silêncio atento e fé humilde.
Deram-lhe o nome de Jesus
Admirável Deus, de Quem recebemos o nome e tudo o que somos, que se deixa nomear pelas suas criaturas! Deus manifesta a sua vulnerabilidade amante ao deixar que os nossos lábios modulem um chamamento ao seu mistério… O nome humano de Jesus dá-nos a garantia da reciprocidade de Deus. Se Deus pretende que O escutemos, também promete escutar-nos. Permitir que o humano lhe dê um nome significa que Deus se deixa chamar por nós, que nos entende quando a Ele nos dirigimos, significa uma proximidade vital que não mais deixará os nossos gritos sem resposta. Jesus, que significa “Deus salva”, é o nome “que está acima de todo o nome” e não há outro a que possamos agarrar-nos para subir ao céu da atenção de Deus. Amigos e amigas, continuemos a modular com confiança o doce nome que nos faz saborear e dizer a alegria do Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Jesus, Nome adorado, onde se formula e se desenha o Coração do Pai da ternura, abraça-nos!
Jesus, Nome florido nas entranhas de Maria, para ser dado a nós, fecunda-nos!
Jesus, Nome que se deixa escrever pelas nossas letras humanas, frágeis e traidoras, purifica-nos!
Jesus, dulcíssimo Nome, que sabe ao mel da atenção de Deus, alimenta-nos!
Jesus, Nome onde se lê paz, misericórdia e salvação, onde se aprende a mansidão, perdoa-nos!
Jesus, Nome onde formulamos a nossa procura e aprendemos o nosso próprio nome, orienta-nos!
Viver a Palavra
Vou propor-me, em cada dia, a um momento de interrogação sobre o que Deus quer de mim.