Domingo dentro da Oitava do Natal

Os meus olhos viram a salvação numa família imperfeita

Uma mãe solteira, um homem que aceita ser pai de um menino que não lhe pertence e um menino em tudo igual aos outros. Nesta família, marcada pela imperfeição, os olhos podem ver o pecado, o insólito, o desassossego ou a novidade de Deus que desce à terra.

Dois velhos, incansáveis, livres de preconceitos, veem como Deus vê e descobrem a realização da sua esperança no filho de Maria.

Uma espada, uma pedra de tropeço, um Deus que se revela às nações a partir de Jerusalém.

LEITURA I Sir 3, 3-7.14-17a (gr. 2-6.12-14)

Deus quis honrar os pais nos filhos e firmou sobre eles a autoridade da mãe. Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será atendido na sua oração. Quem honra seu pai terá longa vida, e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe. Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida. Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida, porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida e converter-se-á em desconto dos teus pecados.

O cumprimento do quarto mandamento, honrar pai e mãe, é uma fonte de bênçãos. Desde logo o perdão dos pecados e a garantia de longa vida, assim como encontrar alegria nos filhos e ser atendido na oração.

Salmo 127 (128), 1-2.3.4-5 (R. cf. 1)

A harmonia de uma família não passa apenas pelo que cada um é capaz de dar aos outros, mas pela relação com Deus. Aquele que teme o Senhor atrai para si e para a sua família as bênçãos de que todos necessitam.

LEITURA II Col 3, 12-21

Irmãos: Como eleitos de Deus, santos e prediletos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também. Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados para formar um só corpo. E vivei em ação de graças. Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão. E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai. Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza. Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não exaspereis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo.

Os batizados, revestidos de Cristo, formam um só corpo, o povo de Deus eleito, santo e amado. Paulo recorda que devem viver os sentimentos que se encontram em Cristo e guardar a Palavra de Deus para que seja ela o critério para todas as situações da vida comunitária e familiar.

EVANGELHO Lc 2, 22-40

Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor. Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele. O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino, para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo». O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. Entretanto, o Menino crescia, tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele.

Simeão e Ana são dois idosos que não se cansam de esperar, confiados na promessa de Deus, e animados pelo Espírito. A luz de Deus ajuda-os a ver como Deus vê, por isso, naquela criança igual a todas as crianças, eles reconhecem a diferença fundamental, este menino e não outro, é a salvação prometida para a libertação de Israel.

Reflexão da Palavra

Escrito por Jesus, filho de Eleazar, ou como é mais conhecido, Bem Sirá, filho de Sirá, este livro do século II a. C, tem como intenção guardar os valores do seu povo porque são uma herança inestimável. Assim, no texto que se escuta nesta festa da Sagrada Família, o autor pretende mostrar a importância e a sabedoria consignadas no quarto mandamento, do amor aos pais, mas aqui reforçado com o perdão dos pecados como recompensa e com outras bênçãos como “longa vida” e “alegria nos filhos” e ser “atendido na sua oração”.

O salmo 127, que já encontrámos por exemplo na liturgia do domingo XXXIII do tempo comum do ano A e voltaremos a encontrar no domingo XXVII do tempo comum deste ano B, como em outras celebrações, faz o elogio da família. A felicidade do homem está no Senhor. Aquele que ama o Senhor atrai para si e para os seus a bênção de Deus que é harmonia entre todos os que estão em casa. Esta harmonia é apresentada pelo salmista com uma vida longa, a fecundidade da esposa, a alegria dos filhos e um trabalho frutuoso.

Na terceira parte da carta aos colosenses, Paulo apresenta uma série de princípios importantes para viver segundo o evangelho. Revestido de Cristo pelo Batismo, o cristão entra a fazer parte do povo de Deus, um povo de eleitos, santos e amados e, nessa condição, assume atitudes e sentimentos, que revelam uma verdadeira conversão, na relação com os irmãos. Paulo indica como principais a misericórdia, a bondade, a humildade, a mansidão e a paciência, sublinhando mais à frente que “acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição”. Mas recorda a importância de cada um ser suporte do irmão e a necessidade do perdão na comunidade, tal como se pede na oração do Senhor. Em todas as situações a Palavra de Deus deve estar no centro, tanto para resolver conflitos, como para ensinar ou para a oração e o louvor. Desta forma tudo será feito segundo o Senhor. Paulo termina estas indicações concretizando nas relações familiares onde todos têm obrigações uns para com os outros.

A cena do evangelho revela a família de Nazaré no cumprimento das prescrições da lei. Curioso que Lucas começa por falar dos dias da purificação da mãe para passar de imediato a falar da circuncisão do filho. Como todas as mulheres, depois de dar à luz, Maria tem que cumprir o ritual de purificação para participar no culto. Mas para Lucas o importante é o que diz respeito a Jesus, o filho primogénito.

A ida ao templo para circuncidar o menino envolve-se em duas cenas de grande revelação. Aparece Simeão, aquele cujo nome significa “escutador”, caracterizado por Lucas como um ancião “justo”, “piedoso”, “esperava a salvação”, “estava cheio do Espírito Santo”. Este homem era “movido pelo Espírito Santo” e tinha recebido uma promessa “não morreria antes de ver o Messias do Senhor”.

Ao reconhecer o Messias, no filho de Maria, Simeão “toma-o nos braços” e entoa um cântico de louvor, no qual se reconhece como servo do Senhor e expressa a sua alegria porque os seus olhos viram a salvação que é cumprimento da promessa que lhe foi feita e que se destina a todos os povos.

A bênção que Simeão dá à família de Nazaré é acrescida de palavras complexas sobre o futuro do menino e de sua mãe. O menino é, para uns, “sinal de contradição”, pedra de tropeço, para outros, esperança de salvação e para sua mãe “uma espada trespassará a tua alma”.

Aparece também uma mulher chamada Ana. Dela se diz que tem oitenta e quatro anos, foi casada sete anos, é viúva, é profetiza, é filha de Fanuel e pertence à tribo de Aser. Todos estes elementos são importantes para definir a mulher já idosa que, depois de Simeão louvou o Senhor por causa do menino. É uma mulher feliz, que viveu um casamento de curta duração mas muito realizador, vive tranquila na sua condição de viúva e a sua consagração a Deus. Não sabemos o que esta mulher disse naquele encontro, mas sabemos que falava do “menino a todos os que esperavam a libertação de Israel”.

Do menino o evangelista termina a dizer que crescia na presença de Deus, forte e cheio de sabedoria.

Meditação da Palavra

A família está no centro da liturgia deste domingo da oitava do Natal. De modos diferentes cada leitura vai apresentando uma cultura, um destino, um caminho, uma proposta de Deus para a família, que se pauta pela simplicidade, pela pobreza, pela harmonia das relações, pelos sentimentos de fidelidade uns aos outros e a Deus, pela escuta da Palavra de Deus e docilidade ao Espírito Santo.

Há uma relação direta entre o amor a Deus e o amor aos pais, mesmo que eles sejam de idade avançada e tenham a mente enfraquecida, porque o amor aos pais é catalisador do perdão e da misericórdia de Deus.

 Há nos pais e nos idosos um património que deve ser reconhecido por todos. Simeão e Ana são exemplo de pessoas que transportam dentro de si a promessa e a esperança da sua realização. Este património que os preenche, juntamente com a dinâmica do Espírito que os orienta nas decisões da vida, não pode perder-se com a sua morte. Este património da esperança, da fé e do Espírito de Deus, é de tal modo valioso que tem que permanecer para lá da morte, para que todos, os que ficam, continuem a ser capazes de ver Deus acontecer nos olhos de uma criança como Jesus, numa família imperfeita como a de Nazaré, numa mãe de coração trespassado como o de Maria, num pai de coração generoso como José.

Este património que vive dentro dos mais velhos, que amadureceram com as experiências vividas e com a herança que receberam dos seus pais e avós, parece ser indiferente nos tempos que vivemos hoje. Sente-se que os mais velhos julgam não ter nada para ensinar, nada a transmitir, nada que valha a pena e seja útil aos mais novos que brincam com a tecnologia na ponta dos dedos. Sente-se que os mais novos acreditam que a solução para tudo está no conhecimento dos mistérios da tecnologia e, como os mais velhos não são expertos nesta matéria, não precisam de lições dos avós nem mesmo dos pais.

A verdade é que há um património mais importante que o conhecimento tecnológico. O homem precisa de uma resposta que está mais nos “sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência”, no perdão e no amor, na palavra de Deus e no seu Espírito, do que na ciência, na tecnologia, na técnica ou na inteligência artificial que parecem inebriar as mentes atuais de novos e menos novos.

Só o Espírito pode despertar em todos, mais novos e mais velhos o olhar capaz de reconhecer a importância deste património, de modo que uns o queiram transmitir e outros o queiram receber e guardar como um tesouro que podem, por sua vez, transmitir a outros.

Simeão e Ana vivem nesta luz do Espírito que os deixa ver e reconhecer no Menino de Maria o salvador, libertador de Israel, o Messias Filho de Deus, em quem se cumprem todas as promessas e se realiza a esperança definitiva do homem.

Maria, José e Jesus são, por isso mesmo, colocados hoje diante do olhar da comunidade cristã para que, não copiando o modelo de família, encontremos na nossa própria família os sinais da manifestação de Deus na simplicidade e na pobreza, tanto quando vivemos momentos de alegria como quando a espada de dor se atravessa nos nossos corações.

Em todo o caso, o cristão, revestido de Cristo no batismo, não perde do seu horizonte a caridade, nem mesmo, mas fundamentalmente, nas relações familiares entre marido e esposa e entre pais e filhos.

Rezar a Palavra

Os meus olhos já viram, Senhor, o que fizeste por nós através da simplicidade da família de Nazaré. No coração de Maria encontramos o silêncio das coisas difíceis de entender, guardadas em oração. No coração de José, a generosidade que dá vida e paternidade ao filho de uma mãe solteira. No coração de Jesus encontramos o próprio amor de Deus que se derrama em nossos corações. Faz das nossas famílias, Senhor, lugares onde os verdadeiros sentimentos dão consistência às relações de cada dia.

Compromisso semanal

Quero ver e esperar como Simeão e Ana.