Mistagogia da Palavra
O tempo de Natal celebra a vinda de Jesus, o Filho de Deus, e a sua manifestação aos homens. Este tempo litúrgico não pode limitar-se a uma simples comemoração de uma série de acontecimentos. Se o Filho de Deus Se fez homem foi para cumprir na sua Pessoa as promessas divinas de salvação; foi para manifestar a todos os homens o amor do Pai; foi para realizar a Aliança nova e definitiva de Deus com o seu Povo. Temos de viver o tempo do Natal com profunda fé no mistério da presença de Cristo no meio de nós, iniciado com o seu nascimento temporal. Neste tempo litúrgico devemos também empenhar-nos seriamente em estreitar os laços de amor com todos os homens, visto que Cristo veio matar o ódio e proclamar a paz e instaurar entre os homens uma comunhão verdadeiramente fraterna, fazendo de todos os cristãos artífices da paz.
MISSA DA MEIA-NOITE
A 1ª leitura é do Profeta Isaías. Oito séculos antes do nascimento do Salvador, o profeta Isaías traça o seu retrato e descreve a sua acção libertadora. O Menino que hoje nasce e em que se concentra toda a esperança dos homens é descendente do Rei David, mas é também o Filho de Deus. O reino que Ele virá estabelecer é um reino de justiça e de paz e estender-se-á a todos os homens e ao mundo inteiro.
A 2ª leitura é da Epístola de S. Paulo a Tito. Para podermos beneficiar da salvação que Jesus trouxe, é necessário que acolhamos o Salvador e nos esforcemos por viver de harmonia com as exigências da vida nova que Ele nos traz.
O Evangelho é de S. Lucas. “Nasceu-vos hoje o Salvador”. Contrastando com a majestade da geração eterna do Verbo, o nascimento de Jesus no tempo reveste-se ca maior pobreza e humildade. O sinal oferecido por Deus àqueles que ama é um sinal de pobreza. Com o seu nascimento irrompem na terra a glória e a paz de Deus. Os pobres começam já a ser evangelizados, pois, a seguir a Maria e a José, os primeiros a conhecer a manifestação da salvação, os Pastores apresentam-se no presépio e reconhecem, sob aquelas aparências pobres, Deus que vem ao encontro dos homens para lhes dar a vida verdadeira e eterna.
A Palavra do Evangelho
Evangelho Lc 2, 1-14
Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efectuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade. José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe. Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados».
Caros amigos e amigas, no Natal a história de Deus veste-se da humildade da história humana e convida-nos a descobrir a beleza gratuita do amor de uma criança.
Interpelações da Palavra
Deus vem como mendigo de amor!
Já não aguentava mais, não conseguia mais reprimir o desejo de ser o Emanuel, o Deus connosco, num eterno dom de amor! Decididamente vem ao nosso encontro naquele espaço que é verdadeiramente nosso: a vida humana! Sim, Deus quis amar-nos com um coração de carne e, por isso se faz fome, gemido, lágrima, necessidade, carícia, na ingénua fragilidade de uma criança. Admirável inversão de lugares: a potência cede o lugar à fragilidade, o eterno entra no tempo, o criador torna-se criatura, o universo cabe numa manjedoura! Deus faz-se imagem e semelhança dos homens! Agora cada pessoa é uma janela do céu! No ténue batimento do coração humano bate agora o coração divino! “O nosso coração está ferido da beleza e do amor infinito de Cristo” (Tolentino Mendonça). Deus toma o lugar do homem, aquele mais frágil, pobre e excluído, para lhe dar o lugar no céu.
O sorriso de Deus numa criança
Maria acaricia a pele do menino, escuta cada pequeno gemido, acolhe a frágil humanidade de Deus. José, com infinito respeito e coragem, abraça-o junto do coração com ansiedade e esperança. Eles sabem que aquele bebé, carne da nossa carne, tornou-se morada do Altíssimo! O invisível repousa agora no sorriso de uma criança. Em Jesus, eternamente surpreendente, é narrado o Deus que se deixa tocar e beijar, acariciar e abraçar, dependente completamente do homem, sujeitando-se a nascer para que o homem possa nascer de novo. E de natal em natal, gerar em nós filhos de Deus!
Ecoa ainda aquela melodia celestial entoada pelos anjos que inaugura um mundo novo. Os anjos cantam Jesus e cantam também por mim e por ti sempre que renascemos fazendo florescer o futuro! E os pastores numa humilde liturgia deixam-se contagiar pelo canto peregrinando até ao Deus peregrino do homem!
Ser o presépio de Deus
Não havia lugar para a Sagrada Família porque não há lugar para aquele que nasce do céu! A escandalosa pobreza do Filho de Deus na manjedoura contrasta com a esplendorosa glória cantada pelos anjos. Pobreza e glória estão agora eternamente abraçados, para sempre inseparáveis. Nas mãos daquela criança, o abismo da nossa miséria acolhe a ilimitada misericórdia! Um estábulo da periferia torna-se o paraíso quando Deus é acolhido! A noite mais escura não impedirá que resplandeça a luz!
A gruta de Belém continua aberta ao mundo, à espera que eu e tu entremos! “Ah, se o teu coração pudesse tornar-se presépio, Deus mais uma vez, nesta terra, tornar-se-ia criança” (Silésio)! E contigo, caro amigo e amiga, viveria o Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Doce Menino de Belém, quem me dera contemplar-te com o mesmo olhar de Maria e de José!
Quero visitar a aurora que me visita, pressurosamente como os pastores e os magos,
Hei-de cantar e anunciar a todos, como os Anjos, a imensa alegria da luz que rasga a noite,
Quero abraçar o teu mistério como a manjedoura que acolheu a tua humildade…
Quero permanecer junto de ti, receber de ti, dar-me a ti, aprender de ti, crescer em ti, viver de ti!
Viver a Palavra
Vou honrar o nascimento de Jesus através de gestos concretos de proximidade com os irmãos mais humildes.