Que a tua luz brilhe em mim
O ato de ver, por ser tão natural e não exigir nenhum tipo de esforço, faz-nos crer que conseguimos ver tudo e que apenas existe o que os nossos olhos podem alcançar. No entanto, já nos aconteceu passar pela experiência de olhar e não ver, de andar à procura e não darmos conta de que está mesmo debaixo dos nossos olhos aquilo que procuramos.
“A Deus, nunca ninguém o viu”. Esta conclusão de João no seu evangelho, mostra que os nossos olhos não podem ver tudo e que, para além de tudo o que os nossos olhos podem alcançar, há uma realidade que, existindo, não pode ser vista com os olhos. Para vermos a Deus é necessário que nos seja revelado pelo “Filho Unigénito, que está no seio do Pai” porque ele “é que o deu a conhecer”.
“O Verbo é a Luz verdadeira que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina” (Jo 1,9).

LEITURA I Is 52, 7-10

Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que proclama a salvação e diz a Sião: «O teu Deus é rei». Eis o grito das tuas sentinelas que levantam a voz. Todas juntas soltam brados de alegria, porque veem com os próprios olhos o Senhor que volta para Sião. Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém, porque o Senhor consola o seu povo, resgata Jerusalém. O Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as nações, e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.

O Senhor volta para Sião. As ruínas de Jerusalém já podem gritar de alegria porque o Senhor volta para a sua casa, vai habitar o seu templo. Quem o diz é o seu mensageiro e dizem-no também as sentinelas que, das suas guaritas, já veem, sem ver, o Senhor com os seus próprios olhos. Já não é uma promessa, é a realização da promessa. O próprio Senhor vem e diz: “Aqui estou”.

Salmo responsorial Sl 97 (98), 1.2-3ab.3cd-4.5-6 (R. 3c)
O Senhor chega vitorioso à sua cidade santa. Conquistou a vitória com o seu santo braço. E todos podem contemplar este feito grandioso do Senhor. Esta vitória é salvação para todos os confins da terra.

LEITURA II Heb 1, 1-6

Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo. Sendo o Filho esplendor da sua glória e imagem da sua substância, tudo sustenta com a sua palavra poderosa. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, sentou-Se à direita da Majestade no alto dos Céus e ficou tanto acima dos Anjos quanto mais sublime que o deles é o nome que recebeu em herança. A qual dos Anjos, com efeito, disse Deus alguma vez: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei»? E ainda: «Eu serei para Ele um Pai, e Ele será para Mim um Filho»? E de novo, quando introduziu no mundo o seu Primogénito, disse: «Adorem-n’O todos os Anjos de Deus».

O anúncio feito pelas sentinelas de Isaías era apenas uma imagem do verdadeiro anúncio. Deus falou de muitos modos no passado, mas agora fala por seu filho. Esplendor do Pai, o filho está na origem do universo e sustenta todas as coisas com a sua palavra. Veio ao mundo, sem deixar de ser filho, e purificou os homens do pecado, por isso, deve ser adorado.

EVANGELHO Jo 1, 1-18

No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, Ele estava com Deus. Tudo se fez por meio d’Ele, e sem Ele nada foi feito. N’Ele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a receberam. Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. O Verbo era a luz verdadeira, que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem. Estava no mundo, e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não O receberam. Mas àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade. João dá testemunho d’Ele, exclamando: «É deste que eu dizia: ‘O que vem depois de mim passou à minha frente, porque existia antes de mim’». Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos graça sobre graça. Porque, se a Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer.

Pela leitura do prólogo de João saímos do tempo e do espaço dos homens para irmos até ao tempo e coração de Deus. Ali, Deus é princípio e é Palavra e além dele não existe mais nada, porque ele é a origem de tudo. Na primeira noite Deus venceu as trevas com a Palavra e fez surgir a Luz. E na plenitude dos tempos, rompeu as trevas com a luz que é a própria Palavra, o Verbo, que é Filho e faz filhos aqueles que o receberam e acreditaram no seu nome.

Reflexão da Palavra

A liturgia deste dia de Natal, em que celebramos o nascimento de Jesus, apresenta a salvação de Deus como Palavra que chega até nós. Na primeira leitura é o mensageiro que traz a boa nova e as sentinelas gritam a chegada da salvação. O seu grito revela que o Senhor renasce das cinzas e faz renascer das cinzas o seu povo, restaura e renova a sua cidade santa. Não acreditar neste poder de Deus é não ver.

O Senhor que parecia vencido e desterrado do seu templo pelo poder dos homens que dominam o seu povo, vai regressar ao seu templo, vai restaurar as ruínas da cidade, vai restaurar o seu povo. A sua chegada já pode ser vista por todos aqueles que escutam o seu mensageiro e dirigem para ele o seu olhar. Esta manifestação do Senhor, que levanta o seu braço diante das nações, pode ser vista por todos os povos. O Senhor que vem, é salvação para todos.

Cantar é o sinal da alegria. Hoje canta-se a certeza da salvação que vem ao mundo em Jesus, por isso, no salmo afirmamos que “todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus”. É uma certeza. A liturgia celebra a salvação que já chegou até nós e que todos já podem contemplar e cantar.

A salvação chega na Palavra, porque o nosso Deus é um Deus que fala, ele próprio é Palavra. A carta aos Hebreus diz que Deus falou de muitos modos. Fala através da obra da criação, fala através dos anjos, fala através dos profetas. São muitos os modos e os mensageiros que trazem a Palavra, a Boa Nova, que anunciam a salvação. No entanto, “nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho”.

Quem é o Filho? A carta aos Hebreus diz que é o “herdeiro de todas as coisas” por meio do qual Deus “criou o universo”. É “o esplendor da glória” de Deus, “imagem da sua substância” que “tudo sustenta com a sua palavra poderosa”. É o “Primogénito” que veio ao mundo e a quem Deus disse: “Tu és meu Filho, eu hoje Te gerei”.

O evangelista João diz que este filho de Deus, que também é Deus, é “o Verbo”, a Palavra, que desde o princípio está em Deus e é Deus. Ele é a Palavra que estava no princípio a dar origem a todas as coisas.

A Palavra, diz João, é também a vida e a vida é luz que brilha nas trevas, que ilumina todo o homem. O Verbo, Palavra do Pai, veio ao mundo, “fez-se carne e habitou entre nós”. A chegada do Verbo é a chegada da graça e da verdade que revela a glória de Deus, que ninguém viu, mas que o Filho, o Verbo, a Palavra, pode revelar.

Como no princípio, na criação, também agora, nestes dias que são os últimos, a Palavra criadora de Deus entra em confronto com as trevas que rejeitam a luz, com o mundo que foi feito por ele mas que não o conheceu, com os homens que sendo seus não o receberam. No entanto, aqueles que nele acreditaram tornaram-se novas criaturas porque da “sua plenitude é que todos nós recebemos graça sobre graça“.

Agora, a Palavra veio ao mundo e acampou entre os homens. A Palavra fez-se carne e provoca um novo início, começa um novo dia, desponta uma nova luz que rompe as trevas, surge uma nova criação de entre as ruínas na velha criação, surge um homem novo.

Meditação da Palavra
A humanidade ferida pela guerra, pela inimizade, pelo egoísmo; espezinhada pelo desprezo para com os mais fracos, os mais pobres, os últimos; manchada com o desrespeito pela a vida, pela liberdade e pelo direito à integridade, não foi abandonada por Deus. Em algum momento podemos ser levados a acreditar que Deus se ausentou, abandonou o seu projeto e virou as costas ao homem, mas isso não é verdade.

As notícias que nos chegam diariamente, de perto e de longe, mostram a escuridão que cobre os povos, a cegueira que impede os olhos de ver mais além do horizonte e o desespero diante da realidade concreta que muitos são obrigados a viver. Estas notícias podem-nos fazer crer que não é possível a esperança, que não é possível um mundo diferente, um homem novo. O conhecimento do ódio que o homem é capaz de experimentar ao ponto de infligir ao seu semelhante o sofrimento da guerra que destrói vidas, famílias, futuros e produz milhares de mortos, de órfãos, solidão e desespero, pode fazer-nos desacreditar da humanidade.
O Senhor, porém, não abandonou o seu povo, pelo contrário, ele é o Deus connosco e mostra-se aos nossos olhos em Jesus, nascido em Belém, Palavra eterna do Pai, Palavra feita carne em Maria. Ele é a razão de toda a esperança. À sua chegada as sentinelas levantam a voz, as ruínas de Jerusalém gritam de alegria, porque nele, é o Senhor quem mostra o seu “santo braço”, recriando tudo com a sua luz.

A Palavra é, agora, Deus feito homem, palavra definitiva que vem salvar pela “purificação dos pecados”, Palavra que ecoa aos nossos ouvidos para que, escutando, acreditemos nele e recebamos o poder de nos tornarmos Filhos de Deus.

Nestes que são também os últimos dias, é a nós que esta Palavra se dirige, é para nós o Verbo encarnado, é para a nós a luz que vem de Belém. Se outrora Deus falou de muitos modos e nos últimos dias falou por seu Filho, hoje, o Filho fala através de nós os que recebemos “da sua plenitude, graça sobre graça”.

Se o Verbo que no “princípio” deu origem a uma humanidade que não o quis receber quando ele, por Maria, veio habitar entre nós, hoje, somos nós, homens novos, nascidos da Palavra que se tornou batismo, quem, em nome de todos os homens, somos chamados a recebê-lo e a torná-lo presente no meio do mundo para que a sua glória brilhe diante dos homens.

Se “a Deus, nunca ninguém o viu” e só “o Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que o dá a conhecer”, hoje, nós que pela fé nos tornámos também filhos de Deus, somos chamados, como Maria, a percorrer os caminhos da história para levar a todos o verdadeiro rosto de Deus, o rosto de Jesus nascido em Belém, para que o adorem todos os povos da terra.

Oração
No dia em que celebramos a vitória da luz, do amor e da verdade sobre a noite escura dos homens fechados no egoísmo que provoca as guerras e multiplica o vazio e a solidão, faz de nós, Senhor, arautos, sentinelas vigilantes que anunciam a aurora de novos tempos, porque nos fizeste teus filhos e porque podemos ver o teu verdadeiro rosto no Emanuel, o Deus connosco, o Filho de Maria nascido em Belém.

Compromisso para a semana
Iluminados por Cristo queremos recebê-lo em nossa casa, recebendo os irmãos que vivem na solidão e no abandono porque não têm família com quem partilhar o Natal e porque são rosto de Deus para nós.