Que eu seja ternura
À hora da Missa da noite de Natal, ainda há quem corra à procura de um lugar onde aquecer o coração e refazer a vida. Ainda há quem espere a possibilidade de renovar a história, tão cheia de realidades que estão sempre presentes. Ainda há quem crê que é possível encontrar, no meio da noite, a luz que indica um novo caminho, uma nova esperança, uma outra possibilidade.
É noite, mas noite onde resplandece a ternura, esse milagre que transforma as horas, os dias, as vidas. Noite em que se aprende a força que vem da fraqueza e se encontra o tesouro da pobreza transformado em vida.
Esta noite apaga o nome dos poderosos, esmaga a força dos fortes, envergonha a abundância dos ricos e entristece os corações indiferentes. Esta noite está cheia de ternura porque “um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado”.
LEITURA I Is 9, 1-6
O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar. Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento. Rejubilam na vossa presença, como os que se alegram no tempo da colheita, como exultam os que repartem despojos. Vós quebrastes, como no dia de Madiã, o jugo que pesava sobre o povo, o madeiro que ele tinha sobre os ombros e o bastão do opressor. Todo o calçado ruidoso da guerra e toda a veste manchada de sangue serão lançados ao fogo e tornar-se-ão pasto das chamas. Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Tem o poder sobre os ombros e será chamado «Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz». O seu poder será engrandecido numa paz sem fim, sobre o trono de David e sobre o seu reino, para o estabelecer e consolidar por meio do direito e da justiça, agora e para sempre. Assim o fará o Senhor do Universo.
Isaías fala da revolução provocada por um menino acabado de nascer. Ele é a luz que resplandece na noite e traz a salvação. À sua chegada este menino abrasa no fogo os sinais da guerra, calca aos pés os instrumentos de opressão e transforma a noite em alegria. Este menino tem o poder de transformar o mundo na paz.
Salmo responsorial Sl 95 (96), 1-2a.2b-3.11-12.13 (R. Lc 2, 11)
O menino de que fala Isaías é o Senhor que vem julgar a terra com justiça. A sua chegada é motivo de alegria para todas as forças da natureza, porque ele é o salvador, é Cristo Senhor.
LEITURA II Tt 2, 11-14
Caríssimo: Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. Ela nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos, para vivermos, no tempo presente, com temperança, justiça e piedade, aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo, que Se entregou por nós, para nos resgatar de toda a iniquidade e preparar para Si mesmo um povo purificado, zeloso das boas obras.
Esta noite revela aquele que se entregou por todos como “a graça de Deus” que se manifesta a cada um de nós e nos chama a passar da impiedade e dos desejos mundanos para a temperança, a justiça e a piedade. Paulo na carta a Tito recorda a urgência de nos tornarmos um “povo purificado e zeloso das boas obras”.
EVANGELHO Lc 2, 1-14
Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efetuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade. José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe. Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz, e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles, e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados». Palavra da salvação.
Os sinais são simples “um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura”. Através de uma realidade comum, o nascimento de uma criança, e no contexto da banal história dos homens, Deus faz acontecer o inesperado: vem ao mundo o salvador. Só os simples conseguem ver, só eles se podem dar conta do mistério que se esconde num recém-nascido. Maria guarda este tesouro divino numa manjedoura e os pastores recebem do céu a grande notícia. O mundo continua a sua marcha como se nada tivesse acontecido, apesar do ruído das asas dos anjos.
Reflexão da Palavra
A palavra desta celebração de Natal coloca a noite, a escuridão, as trevas, a morte, frente à luz, à graça, á vida e à alegria. Isaías fala de um “povo que andava nas trevas”, daqueles que “habitavam nas sombras da morte”, do calçado de guerra, da veste manchada de sangue, em oposição à luz, à alegria e ao menino que nasce.
Paulo contrapõe a “graça de Deus”, à impiedade, aos desejos mundanos e à iniquidade em que vivemos, chamando-nos a viver na temperança, justiça e piedade.
O evangelho apresenta os pastores mergulhados na noite em oposição à luz dos anjos que descem do céu e em relação com a luz que resplandece no menino que nasceu.
A trágica história de Israel é uma experiência de noite escura, de trevas densas. Isaías é desta desgraça um espetador atento. Ele percebe a devastação provocada pelos Assírios em Damasco e na Samaria, mas o seu olhar vai mais longe, vai até ao menino, o filho que nasceu e nos foi dado, que traz a paz. Ele “tem o poder sobre os ombros e será chamado «Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz»”.
Lucas, no evangelho, concentra-se na pobreza do estábulo onde o menino, anunciado por Isaías, nasceu, para nos revelar que este menino é mesmo o amigo dos pobres, dos pecadores, dos perdidos e dos que estão mergulhados na noite. Para estes brilha a luz de Belém, porque este menino, filho de Deus e filho de Maria, Deus e homem, transforma a pobreza dos homens em lugar de encontro com Deus.
Os pastores foram as primeiras testemunhas destes factos porque os anjos lho revelaram. Mas também, porque eles próprios foram verificar e puderam contemplar com os seus olhos o menino que Maria deu à luz, envolveu em panos e deitou na manjedoura.
A luz que vem de Belém é a “Graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” porque o menino que ali nasceu é o mesmo que se “entregou por nós, para nos resgatar de toda a iniquidade”. Paulo recorda a Tito que, apesar de ainda estarem a viver a experiência do mundo marcado pela iniquidade, já foram resgatados por aquele que, tendo nascido em Belém, se manifestou como graça de Deus na cruz.
Meditação da Palavra
Esta noite revela que o grande acontecimento, esperado pelo povo há tantos séculos, torna-se inesperado, dadas as circunstâncias do tempo e do lugar em que o menino, o ungido do Senhor, se manifesta. O acontecimento é também inesperado para aqueles a quem o anúncio é feito em primeira mão, os pastores. E pode sê-lo também para quantos celebram, hoje, este mistério. De repente, no meio da noite escura e fria, damos conta que, “um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado”.
O anúncio feito por Isaías, fazia crer que o menino havia de nascer de forma mais espetacular, mas na realidade, acontece no meio das circunstâncias do tempo e da história dos homens. Maria e José não tinham programado o nascimento de Jesus daquela forma, mas a obediência a uma lei do imperador, altera os seus planos e tudo termina no cumprimento do plano de Deus, pois o menino devia nascer em Belém. É deste inesperado, dos acontecimentos de cada dia, que havemos de discernir, para encontrar aí, como Maria, José e os pastores, “o Salvador, que é Cristo Senhor”.
Aquele que tem o poder de quebrar “o jugo que pesava sobre o povo, o bastão do opressor” nasce no escondimento de um estábulo. Aquele que vence o ruído da guerra e apaga os seus sinais para impor a paz, surge na pobreza de um recém-nascido. Aquele que tem o poder para “estabelecer e consolidar” o reino de David, nasce na pobreza. Aquele que provoca a alegria e o júbilo da terra e do céu, dos campos e das florestas e faz ressoar o mar e tudo o que ele contém, é visitado pelos mais simples da terra, os pastores. Aquele que tem o poder “para nos resgatar de toda a iniquidade e preparar para Si mesmo um povo purificado”, não tem lugar na hospedaria. Esse é o mesmo que nos visita nesta noite santa de Natal.
Esta noite está cheia de perguntas, mas todas as perguntas que podemos fazer nesta noite de Natal, têm a mesma resposta: “um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado”. A razão da alegria, a fonte da paz, o princípio de um mundo novo, o despertar de um novo dia, tem a sua origem no menino que Maria “envolveu em panos e deitou numa manjedoura”.
Ele é o cumprimento das promessas feitas por Deus outrora, por meio dos profetas, entre os quais se encontra Isaías. Ele é a manifestação da graça de Deus que resgata o homem da sua iniquidade e o prepara para viver na temperança, na justiça e na piedade. Ele é Jesus, o Filho de Maria, aquela que atravessou as trevas da dúvida para chegar à luz do “faça-se em mim”. É o filho que José gerou no seu coração naquela longa noite que o levou até ao amor incondicional. Ele é Jesus, o filho de Deus, que salva, o Emanuel que está connosco todos os dias até ao fim dos tempos. Ele o Messias prometido que, ungido pelo Espírito, “traz a boa nova aos pobres, a liberdade aos cativos, dá vista aos cegos, manda em liberdade os oprimidos e anuncia a todos um tempo de graça”.
Ele é o amigo dos pecadores, a força dos fracos, o poder dos esquecidos, a luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo. Ele é o filho de Deus salvador.
Oração
Cada criança que vem a este mundo, fruto da tua graça, Senhor, é sempre uma luz que nos desperta para a necessidade de recuperar esse mundo novo que tu iniciaste em Belém. A fragilidade de uma criança revela toda a força que depositaste em nós pelo Batismo. Cada criança na sua beleza revela a riqueza com que nos revestiste ao derramar em nós a graça de Deus. Menino Jesus nascido em Belém, quero contemplar-te com os olhos simples dos pastores a quem anunciaste a tua chegada.
Desafio para a semana
Na escuridão de tantos homens e mulheres, crianças jovens ou idosos, quero fazer brilhar a luz da esperança que nos revelaste em Belém.