A Luz primeira que nos faz filhos

Inquieto na existência breve da minha humanidade, desperto na noite escura à procura da luz. Meus olhos abrem-se, sem ver, na esperança de encontrar um horizonte. Meus pés rastejam no chão frio deste inverno, no desejo de chegar a algum lugar. Desperto os meus ouvidos no silêncio e oiço gritos de alegria: “Eis que vem! O Senhor vem ao nosso encontro!”.

LEITURA I Is 52, 7-10

Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que proclama a salvação e diz a Sião: «O teu Deus é Rei». Eis o grito das tuas sentinelas que levantam a voz. Todas juntas soltam brados de alegria, porque vêem com os próprios olhos o Senhor que volta para Sião. Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém, porque o Senhor consola o seu povo, resgata Jerusalém. O Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as nações e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.

Aos exilados em Babilónia chega o anúncio da vinda do Senhor. Ele mesmo vai a frente do povo e já regressa a Sião. Nas muralhas da cidade as sentinelas já vêm com os seus próprios olhos a libertação. Tudo canta de alegria e o povo, caído na ruína, recupera a esperança.

Salmo 97 (98), 1.2-3ab.3cd-4.5-6 (R. 3c)

Na sequência da primeira leitura, o salmo, convida a cantar com alegria um cântico novo, porque o Senhor alcançou a vitória para o seu povo.  

LEITURA II Hebr 1, 1-6

Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo. Sendo o Filho esplendor da sua glória e imagem da sua substância, tudo sustenta com a sua palavra poderosa. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, sentou-Se à direita da Majestade no alto dos Céus e ficou tanto acima dos Anjos quanto mais sublime que o deles é o nome que recebeu em herança. A qual dos Anjos, com efeito, disse Deus alguma vez: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei»? E ainda: «Eu serei para Ele um Pai e Ele será para Mim um Filho»? E de novo, quando introduziu no mundo o seu Primogénito, disse: «Adorem-n’O todos os Anjos de Deus».

Em Jesus está condensada toda a Palavra de Deus. Nele se manifesta o próprio Deus, a sua glória e a sua imagem. Ele é o Filho, o herdeiro, o primogénito. Nele alcançamos a purificação dos nossos pecados.

EVANGELHO – Forma longa Jo 1, 1-18

No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, Ele estava com Deus. Tudo se fez por meio d’Ele e sem Ele nada foi feito. N’Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam. Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. O Verbo era a luz verdadeira, que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem. Estava no mundo e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu. Veio para o que era seu e os seus não O receberam. Mas àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade. João dá testemunho d’Ele, exclamando: «É deste que eu dizia: ‘O que vem depois de mim passou à minha frente, porque existia antes de mim’». Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos graça sobre graça. Porque, se a Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer.

João revela que Jesus é o Verbo que está em Deus, é Deus. Ele é também a Luz que ilumina todo o homem. Ele estava com Deus quando tudo foi feito e por ele nos tornamos filhos de Deus. Nele podemos conhecer a Deus e contemplar a sua Glória.

Reflexão da Palavra

Isaías no terceiro cântico do segundo livro, a propósito do êxodo de Babilónia, convida à alegria com este hino. A razão da alegria é o Senhor, rei e Deus de Israel. Ele mostrou o poder do seu braço diante das nações revelando-se vencedor. Esta notícia corre de monte em monte levada pelo mensageiro que “anuncia a paz”, traz a boa nova” e “proclama a salvação”.

As sentinelas, de olhar fixo no mesmo sentido, escutam, gritam e veem o Senhor que vem à frente do seu povo, ele que se “manifesta olhos nos olhos”, como diz Moisés em Nm 14,14. Ao ver o Senhor as sentinelas, e com elas as ruínas de Jerusalém, ou seja, o resto de Israel caído na morte, também se enchem de alegria. O Senhor recria o seu povo.

O salmo 98 canta a realeza universal do Senhor. O salmista convida a cantar um cântico novo porque o Senhor fez maravilhas, obteve vitória, deu a conhecer a salvação, revelou a justiça e recordou-se da sua bondade e fidelidade. Pelas suas características o salmo parafrasia o texto de Isaías lido anteriormente. Deus vence em Babilónia e toma possa da sua terra devolvendo-a ao seu povo, perante o olhar de todos os povos. Por isso, todos cantam de alegria.

A carta aos hebreus recorda que Deus desde sempre se aproximou do homem, assumindo a linguagem humana e servindo-se de muitos meios e muitos intermediários. Mas, o mesmo Deus, agora fala através de uma única pessoa, com uma única palavra e num único acontecimento. Fala através daquele que é filho, o seu filho, com a única palavra poderosa que tudo sustenta e no acontecimento da cruz que purifica de todos os pecados. Este filho é o mesmo que esteve presente na criação, é o herdeiro, o esplendor da glória e imagem do Pai.

O prólogo do evangelho de João coloca o leitor imediatamente diante do mistério de Deus, atraindo a sua atenção para a Palavra (o Verbo) e a sua relação com Deus. Percebe-se que há Deus e há a Palavra (o Verbo) e estão na presença um do outro desde o princípio. Nesta relação/presença mútua está a origem, o princípio de tudo. Deus é isto, Palavra e presença em relação.

Nele “chegam a ser” (têm início) todas as coisas de acordo com um plano. Sem ele nada “chega a ser”. O que “chega a ser” é a vida, a vida é a Luz e a Luz brilha nas trevas, mas as trevas não a recebem. Trata-se de uma Luz que tem origem em Deus.

Do mesmo modo que a Luz, também alguém, chamado João, “chegou a ser” homem, distinto da Luz, porque ele não chegou a ser a luz, apenas testemunha da Luz e da chegada da Luz ao mundo. A Luz que ilumina o mundo é o Verbo, a Palavra.

O Verbo, como Palavra de Deus, veio como Luz ao mundo, veio feito alguém do mundo, já está presente no mundo mas a ignorância não permite conhecê-la, por isso é rejeitada até pelos “seus”. Mas àqueles que o acolheram, um pequeno grupo entre os “seus”, foi-lhes dada a capacidade de “chegarem a ser” filhos de Deus. Dá-se uma relação entre a Luz que chega ao mundo, a possibilidade de conhecer esta Luz como a Luz que vem de Deus e pertencer ao grupo dos “seus” pela fé. Trata-se de crer que a Luz procede de Deus e é Deus.

A Palavra que é a Luz, “fez-se carne”, fez-se homem e “habitou entre nós”. A Luz que iluminou no princípio de tudo, no primeiro dia da criação, é o Verbo que ilumina todo o homem que vem a este mundo e tornou-se homem, Palavra tornada carne, diante de quem tudo se torna visível. É a visibilidade de Deus presente na Palavra feita carne, que veio habitar no meio de nós, montou a sua tenda, fez morada, para permanecer no meio do seu povo. Por isso podemos contemplar Deus naquele que é homem e tem o nome de Jesus. Quem acredita já vê.

A garantia é dada pelo testemunho de João. Este, que o olhar humano pode contemplar como glória de Deus, é o mesmo que era antes e vem depois de João e é maior que Moisés porque nos dá a graça e porque nos dá a conhecer a Deus que ninguém viu.

Meditação da Palavra

O olhar da humanidade está fixo no horizonte de Deus. A espera pela libertação é um desejo de Israel exilado em Babilónia e é um desejo de todos os povos que, de muitos modos experimentam a opressão, e é também o desejo de todos os homens que vivem em si mesmos as limitações da sua humanidade. O horizonte para onde olham as sentinelas, a que faz referência Isaías na primeira leitura, é o próprio Deus. Como as sentinelas também nós, hoje, aguardamos a chegada daquele que nos vem libertar de todas as cadeias, de toda a opressão, de tudo o que nos diminui enquanto pessoas.

Há gritos e sinais de esperança e de alegria e há já manifestações do poder de Deus a agir, a fim de que a salvação chegue até aos confins da terra. A sua ação é como uma nova criação que dá vida a tudo o que acabou na ruína, como as muralhas da velha Jerusalém. Os nossos olhos já podem contemplar esta novidade porque Deus, o Senhor, anunciado pelo mensageiro, já está no meio do seu povo.

É essa novidade que nos é apresentada por João no prólogo enigmático do seu evangelho. Aquele que era no princípio estabeleceu morada entre nós assumindo a nossa condição. Nele podemos contemplar a glória de Deus, porque ele é Deus. Com palavras de João podemos dizer que, aquele que é o Verbo e que estava em Deus porque é Deus, é também a Luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo. O mundo é o lugar das trevas, as trevas são a ignorância, a ignorância é a incapacidade de ver a Luz e de reconhecer nela o Verbo, a Palavra. A Palavra fez-se carne, habitou no meio dos seus mas a ignorância não lhes permitiu reconhecer o próprio Deus que vem ao meio do seu povo.

João deu testemunho dele, foi o primeiro a reconhecer que ele não é apenas um homem, mas a luz, a Palavra, que existe desde o princípio e que estava presente no momento da criação. João foi o primeiro a reconhecer que este homem é Deus, que existia antes dele, que é maior do que ele e do que Moisés porque nele se pode contemplar a glória de Deus e dele se pode receber graça sobre graça.

Com João, outros, um pequeno número, venceu as trevas e acolheu a Luz, formando o grupo dos que se tornaram Filhos de Deus.

Deus feito homem, é Jesus, por quem Deus fala aos homens nestes tempos que são os últimos. Depois de ter falado a partir de muitos acontecimentos e através de muitos homens, também pelos profetas, fala agora, dando-se a conhecer, através do seu filho Jesus Cristo, por quem manifesta a sua glória e por quem sustenta todas as coisas.

Este Jesus, Luz que brilha nas trevas, Palavra de Deus feita carne, é o filho que Maria deu à luz e deitou na manjedoura envolto em panos, anunciado pelos anjos, visitado pelos pastores e pelos Magos.

É em Jesus, nascido de Maria, que os nossos olhos podem contemplar o próprio Deus, nele encontramos a Palavra do Pai, nele ainda, contemplamos a sua glória, dele recebemos graça sobre graça, e acreditando nele podemos tornar-nos Filhos de Deus.

Rezar a Palavra

Brilhe a tua luz Senhor sobre nós. Que os nossos olhos vejam a tua glória que ilumina as trevas da humanidade. Que os nossos ouvidos escutem o teu sopro divino no grito original: “Faça-se a Luz” e a tua palavra desperte em nós a fé para chegarmos a ser filhos.

Compromisso semanal

Pela fé quero ser dos que veem a Luz e reconhecem nela a presença divina.