Que eu seja um hino de louvor
Nem sempre é fácil responder às perguntas mais básicas, como pode ser “Onde estás?”. Onde realmente estou? Que lugar é este que habito ou que me habita? Que terreno tenho debaixo dos pés ou de que terra é feito o meu coração? Em que momento da vida me encontro?
Que espécie de bênção ou maldição está presente em mim? Serei fruto de um sonho divino ou o resultado de desentendimento entre as forças celestes? Encontro-me nu ou estou revestido de graça e de bondade?
LEITURA I Gn 3, 9-15.20
Depois de Adão ter comido da árvore, o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe: «Onde estás?». Ele respondeu: «Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me». Disse Deus: «Quem te deu a conhecer que estavas nu? Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?». Adão respondeu: «A mulher que me destes por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi». O Senhor Deus perguntou à mulher: «Que fizeste?» E a mulher respondeu: «A serpente enganou-me e eu comi». Disse então o Senhor Deus à serpente: «Por teres feito semelhante coisa, maldita sejas entre todos os animais domésticos e entre todos os animais selvagens. Hás de rastejar e comer do pó da terra todos os dias da tua vida. Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Esta te esmagará a cabeça e tu a atingirás no calcanhar». O homem deu à mulher o nome de ‘Eva’, porque ela foi a mãe de todos os viventes.
Genesis procura a resposta para o drama existencial do homem. Abandonado à sua sorte, o homem procura saber porque lhe calhou tão grande desgraça. Numa sociedade patriarcal, que favorece o homem acima da mulher e os humanos acima dos animais, é necessário encontrar um culpado no estrato imediatamente inferior, para sacudir a própria culpa. Que a harmonia foi quebrada, é evidente. Que o homem está nu, também é visível. A desobediência foi de todos, mas a culpa é primeiro da serpente que seduziu a mulher e depois da mulher que seduziu o homem e só no final é do homem, porque comeu do fruto proibido.
Salmo responsorial Salmo 97 (98), 1.2-3ab.3cd-4
A desgraça do homem tem remédio em Deus. Ele mesmo “deu a conhecer a salvação, revelou aos olhos das nações a sua justiça”, por isso “exultai de alegria e cantai”, diz o salmo.
LEITURA II Ef 1, 3-6.11-12
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos Céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença. Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade, a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo, para louvor da sua glória e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho. Em Cristo fomos constituídos herdeiros, por termos sido predestinados, segundo os desígnios d’Aquele que tudo realiza conforme a decisão da sua vontade, para sermos um hino de louvor da sua glória, nós que desde o começo esperámos em Cristo.
Deus não quer o homem perdido, não foi esse o sonho de Deus, acrescenta Paulo na carta aos efésios. O sonho de Deus é o homem “santo e irrepreensível, em caridade, na sua presença”. Deus quer-nos filhos, adotivos, mas filhos. Para isso, abençoou-nos “com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo” desde “antes da criação do mundo”.
EVANGELHO Lc 1, 26-38
Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, que era descendente de David. O nome da Virgem era Maria. Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela. Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim». Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?». O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível». Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
Maria recupera o sonho de Deus acolhendo no seu coração a saudação do anjo: “Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo”. Apesar de não entender, acolhe temerosa o mensageiro. Pouco a pouco percebe que não é caso para ter medo, porque “encontraste graça diante de Deus”. O sonho desfeito em Adão recupera-se e concretiza-se em Maria: “Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim”. O “como” pertence a Deus e não a Maria. Ele, o Espírito, virá e tu conceberás.
Reflexão da Palavra
Tudo começa ali onde são pronunciadas, a pergunta: “Onde estás?” e a resposta: “Tive medo”. Um Deus que não encontra o homem no lugar que lhe preparou e um homem que tem medo de Deus que o criou. Sonhou-o abençoado antes mesmo de o ter criado, dirá Paulo na carta aos efésios. Criou-o para ser “santo e irrepreensível na caridade”, para viver na sua presença. No entanto, a “mulher que tu me deste”, ela e a serpente, deram-me a comer o fruto proibido e eu comi. Foi ela, ela a mulher, ela a serpente. Tem início aqui uma nova relação do homem com o outro homem e do homem com Deus e com a natureza.
Destruída a harmonia desejada e preparada por Deus ao “escolher” e “predestinar” o homem para ser seu “filho adotivo” e herdeiro no filho Jesus Cristo, torna-se urgente um novo homem e uma nova mulher.
Uma nova mulher: “o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José. O nome da Virgem era Maria”. E um novo homem: “Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo”.
Começa uma nova história, agora no silêncio de Nazaré, porque Deus se enamorou de Maria e não desiste de a fazer mãe, pela força do Espírito Santo. E acontece que de Maria sai a resposta para a pergunta de Deus ao homem: “Onde estás”, “Eis-me aqui” disse ela. E no “faça-se” de Maria, Deus repete o faça-se inicial que fez acontecer o sonho de Deus. Agora o homem “será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo”.
Por ela, a Imaculada, podem os homens cantar “um cântico novo, porque o Senhor fez maravilhas”.
Meditação da Palavra
A história da humanidade, bem como a história de cada homem, é uma tentativa de resposta à pergunta: “Onde estás?”. A pergunta guarda simultaneamente o drama e a salvação. Só a resposta dá a possibilidade de transformar a existência numa bênção ou numa maldição. “Tive medo”, escondi-me”, “estou nu”, “enganou-me” ou “eis-me aqui”, “faça-se”. Com medo, escondidos, nus, enganados, perdidos de nós mesmos, dos outros e de Deus só apetece fugir, morrer.
Criados para viver na presença de Deus, a vida não faz sentido se temos medo, se precisamos de nos esconder, se não é possível a relação, o encontro, a presença. Criados para ser filhos e herdeiros como viveremos longe da casa do Pai? Chamados à santidade, como conseguiremos manter-nos sem contemplar o rosto de Deus? Estamos de mãos vazias.
Maria não se esconde, ela expõe-se diante da vida, diante do mundo e diante de Deus. A casa de Nazaré é um grito no silêncio. Um grito de Deus a ecoar desde toda a eternidade: “Faça-se” e um grito de Maria que é o início de uma nova humanidade que nasce do: “faça-se em mim”.
A bênção recusada em Adão é renovada em Maria, porque aquele que vai nascer “será chamado Filho de Deus”. Nela, a nova Eva, serão abençoadas todas as gerações, “com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo”. E no seu filho que vai nascer, serão todos predestinados para serem “um hino de louvor da sua glória”.
Também nós, na pobreza da nossa casa de Nazaré, somos chamados a acolher a voz do céu para nos tornarmos morada do Altíssimo. Pobres e simples, como a casa de Maria, podemos chegar a ser filhos adotivos, consagrados pelo chamamento à santidade e tornados irrepreensíveis diante de Deus e dos homens, como um hino de louvor e de glória para o nossos Deus.
Oração
Mãe do Salvador, silêncio de Deus e grito de alerta, a ti me consagro neste dia, para que na tua Imaculada Conceição receba a graça de viver purificado, e irrepreensível caminhe ao encontro do Pai.
Desafio para a semana
Contemplo Maria escutando nela o convite de Deus.