Mistagogia da Palavra
Este é o último domingo do ano litúrgico. É também chamado o Domingo de Cristo Rei. A ideia que primitivamente pesou na denominação deste domingo foi de ordem temporal. Da parte da Igreja havia a esperança de que os Estados civis reconhecessem Cristo como Rei. Os condicionalismos sociais e históricos modificaram-se por completo e foi então possível a celebração da festa de Cristo Rei no seu verdadeiro contexto litúrgico e teológico. Cristo é, efectivamente Rei, mas numa ordem diferente da temporal, como Ele mesmo afirmou. A Igreja liberta-se de compromissos terrenos, a maior parte das vezes contrários à sua missão específica de evangelizadora e defensora dos fracos. A realeza de Cristo reflecte-se na Igreja, não no seu esplendor e poderio social, mas na vivência da justiça e da caridade.
A 1ª leitura é da Profecia de Daniel. O “Filho do homem” de que fala o profeta é a maneira de falar que Jesus depois adoptou, aplicando-a a Si mesmo. Este “Filho do homem”, que recebe de Deus um reino eterno, é Jesus que, pela oblação de Si mesmo ao Pai na Cruz, mereceu a glória da ressurreição, e assim Se tornou o “Primogénito de entre os mortos”, Cabeça de toda a humanidade por Ele remida, Senhor de todo o Universo, sentado à direita do Pai.
A 2ª leitura é do Apocalipse. O Apocalipse de São João, escrito em tempo de perseguição, proclama, para além da opressão e da morte infligida à Igreja, o triunfo pascal de Jesus, o Crucificado, mas agora Ressuscitado. Ele é Rei e Sacerdote diante de Deus. E os membros do seu povo, que é o seu Corpo místico, são com Ele e n’Ele, reis e sacerdotes; são um povo real e sacerdotal; assim os fez o Baptismo.»
O Evangelho é segundo São João. No tribunal judaico do Sinédrio, Jesus tinha aplicado a Si o título de “Filho do homem”, referido pelo profeta Daniel na primeira leitura. Agora, no tribunal romano diante de Pilatos, confirma o título de Rei, que os seus inimigos citam contra Ele como motivo de condenação. Mas, só os que são da verdade podem compreender o que diz a sua voz.
(Os comentários deste domingo foram tirados textualmente do “MISSAL POPULAR DOMINICAL”, do Secretariado Nacional de Liturgia)
A Palavra do Evangelho
Evangelho Jo 18, 33b-37
Naquele tempo, disse Pilatos a Jesus: «Tu és o Rei dos judeus?». Jesus respondeu-lhe: «É por ti que o dizes, ou foram outros que to disseram de Mim?». Disse-Lhe Pilatos: «Porventura eu sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim. Que fizeste?». Jesus respondeu: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui». Disse-Lhe Pilatos: «Então, Tu és Rei?». Jesus respondeu-lhe: «É como dizes: sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz».
Caros amigos e amigas, um homem condenado à morte é apresentado como o Rei do Universo e o seu testemunho da verdade permanece como a última palavra do ano litúrgico. No calvário está em génese um mundo e um reino novo.
Interpelações da Palavra
Um rei sem trono
Um homem só, meio nu, indefeso diante do representante do Império Romano, é julgado. Inicialmente, Pilatos feito juiz deve ter rido e ficado tranquilo por constatar a fragilidade daquele desgraçado que lhe fora apresentado como Rei dos judeus. Na verdade, Jesus não comandava exércitos, não salivava de raiva, não tinha delírios de omnipotência. Afinal, não era rei e, muito menos, um Deus! Às perguntas do inquisidor, o simples carpinteiro de Nazaré responde com palavras que interpelam e falam de um mundo novo, da verdade de uma voz que não se submete à força nem condena ninguém, de um rei que não se impõe mas deixa que sejam os outros que o identifiquem.
Um reino que não é daqui
Pilatos não deve ter compreendido aquelas respostas, mas nós também não compreendemos. Porque é um reino que não é deste mundo, que não é fabricado pelos nossos engenhos estratégicos, que não é controlado pelas nossas leis mesquinhas e tendenciosas, que não é comandado pela força de um poder bélico, mas é um mundo novo, um reino bem ao contrário do que estamos habituados. Um reino que não combate ninguém, mas dá luta ao mal, à raiz do mal. Um reino que não derrama sangue, mas se compromete até à última gota de sangue a dar a vida. Um reino que não sacrifica ninguém, mas onde o rei se sacrifica pelos seus servos amados. É um reino em que o rei escolhe estar da parte dos vencidos, dos esquecidos, dos humilhados. Um rei apenas evidente na glória da cruz. Trata-se de um rei ferido por amor, que faz da sua entrega de amor a única medida, a única razão, a única esperança.
O triunfo da fragilidade
Jesus não conquista o mundo com a espada, mas com o madeiro da cruz. A manjedoura de Belém e o calvário de Jerusalém são os tronos da sua infinita humildade. Quando ajoelha aos pés dos amigos e coloca a toalha à cintura manifesta a verdadeira pose e a veste real do esposo, que adorna e beija a esposa. O seu reino, ainda que não seja deste mundo, está neste mundo! Sim, o reino de Deus veio ao mundo para, por amor, salvar o mundo, para o educar, para o levar à plenitude. Desde aí a nossa terra traz em si o joio misturado com o trigo, o barro amassado com a luz, a condenação resgatada pela salvação.
Realeza tão humana e concreta a de Jesus que, como Rei, se fez nosso servo! Reino tão novo que são os pequenos e pobres que comandam o seu coração compassivo. Reino tão frágil diante da violência, mas tão belo como um sonho, tão intenso como uma voz, tão verdadeiro como uma pessoa: Jesus! Por Jesus, com Jesus e em Jesus podemos pedir: Venha a nós o vosso reino que faz florescer em nós a liberdade de filhos e viver o mundo de irmãos. Assim, amigos e amigas, triunfa o Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, entre tantas formas de dominação prepotente e de um orgulho empedernido,
infunde em mim a grandeza da humildade e a dignidade real da pequenez!
Perante tantas traições, entre a facilidade de ofender e o risco de perdoar,
mantêm em mim a inocência de acreditar que, no teu Reino, o mundo se renova no bem.
Entre tanta mentira, de quando a arbitrariedade se alimenta das leis do egoísmo,
dá-me a consciência do teu amor inabalável, inspira em mim uma entrega por amor…
Senhor, entre as pregas da inveja, os dardos da competição, e as evidências do mal,
dá-me um coração manso como o teu, um olhar de esperança, umas mãos servas
Viver a Palavra
Vou procurar estratégias na minha vida para reinar ao jeito de Jesus, na humildade e na verdade.