Quando alguém toma a iniciativa de intervir no campo social, sozinho ou em grupo, procura identificar os grupos mais desprotegidos e necessitados: desempregados, famílias com baixos rendimentos e endividadas, afectados pela perda repentina de trabalho e respectivo salário, doentes crónicos e outros para quem as oportunidades são sempre poucas ou nenhumas. No sentido de procurar respostas, socorre-se de dados estatísticos e sociológicos que caracterizem os destinatários e até é capaz de fazer belos textos e discursos de apoio em defesa dos mais pobres e necessitados; coloca-se do lado da gente que quer fazer bem, programa diversas acções de formação para ajudar os pobres a sair do seu estado mas, se calhar, não vai aos lugares e ao encontro das pessoas para as conhecer e perceber o mundo em que os pobres procuram sobreviver.
Um dos grupos mais vulneráveis e mais necessitados nos tempos bíblicos, tanto do Antigo como do Novo Testamento, era o das viúvas. Por isso, não surpreende que hoje elas sejam referidas na 1ª leitura, no Salmo e no Evangelho. O estatuto económico, social e religioso dependia exclusivamente do seu marido e, quando este morria, perdiam toda a protecção que a família lhes proporcionava.

  1. O olhar de Jesus

– Em Israel, a viúva representava a maior pobreza, precisamente porque não lhe eram reconhecidos quaisquer direitos, nem tinha acesso a meios para refazer a sua vida, a maior parte das vezes sozinha e com os filhos ainda crianças…
– O olhar dos outros podia ser de alguma clemência mas, raramente lhe era dada importância…
– Ora, Jesus vê as pessoas e as situações de maneira diferente. Não se apoia nos estudos ou nas análises da situação, mas olha para a pessoa em si mesma. O Evangelho narra, em diversos lugares, que Jesus vê as pessoas, as situações, as coisas, não para satisfazer a sua curiosidade, mas para ir ao encontro das suas necessidades e problemas…
– O texto do Evangelho de hoje coloca em evidência o espectáculo dos que se exibem e deitam quantias avultadas no tesouro do templo, para serem vistos, e o que Jesus vê, diferente de todos os outros: a oferta de uma pobre viúva que dá tudo o que tem…

  1. Exibição ou generosidade?

– Jesus está em Jerusalém, onde se encontra a classe dirigente do País, os chefes religiosos (escribas, fariseus, doutores da Lei), a elite social e religiosa, onde o comércio é mais florescente (muito dele à volta do templo) e os desequilíbrios sociais e económicos são mais acentuados…
– A atitude da viúva do Evangelho contrasta com a dos que se exibem ao fazer a sua oferta. A questão não tem tanto a ver com o facto de as pessoas serem importantes ou ricas, mas sim com o facto de o querer ser e de se fazer passar por tais: procuram a fotografia, a imagem, o primeiro plano; gostam de ser aplaudidas e que os outros as reconheçam… Até são capazes de promover alguns gestos de solidariedade, mas nunca prescindem da “sua abundância”…
– No Domingo passado recordava-se o amor a Deus sobre todas as coisas, com todo o coração e com toda a alma, e ao próximo como a nós mesmos. Pois bem: hoje apresenta-se um caso concreto: os ricos dão porque fica bem, porque o mandamento o exige, porque tem de ser… A viúva pobre dá tudo, sem calculadora, sem números,…
– As duas viúvas de que nos falam as leituras de hoje são o exemplo das pessoas desprotegidas, que não têm assegurada qualquer pensão social, mas que partilham tudo o que têm porque a única coisa que não perderam foi a fé e a confiança em Deus…
– Elas são pessoas livres, que dão tudo o que têm, sem estarem preocupadas com o que que diz o primeiro ou o décimo mandamento… São diferentes porque confiam em Deus…

  1. As contas da generosidade

– Jesus surpreende porque as suas contas são diferentes das que nós fazemos: “aquela viúva deu mais do que todos os outros, porque enquanto eles davam do que lhes sobrava, ela deu tudo o que possuía para viver”…
– Os pobres, aqueles que pouco têm, são capazes de maiores gestos de partilha do que os ricos porque estes, se dão, é do que não lhes faz falta, ao passo que o pouco, para os pobres, sempre lhe faz falta… Se o partilham pode multiplicar-se muito mais do que as sobras dos ricos (1ª leitura)…
– O problema das ofertas, “do ajudar e dar aos pobres, aos que precisam”, é que, no geral, se situa em termos de negócio: participo para que os outros saibam que eu colaboro, dou isto ou aquilo para ter estas ou aquelas coisas de retorno (nem que seja a “tranquilidade da minha consciência” ou a visibilidade do meu gesto!), porque agora foi lançada uma campanha para isto e amanhã será para outra coisa… E a nossa dádiva parece estar sempre programada com a nossa liberdade a perder espaço… A viúva do Evangelho parece ser a pessoa mais livre de todos os que deitavam as suas ofertas…
– Mas, se o exemplo das viúvas é elucidativo, maior testemunho é o de Jesus em quem nós acreditamos como Senhor e Mestre (2ª leitura): “Ele ofereceu-se uma só vez” morrendo por todos… A sua oferta é total e realizada de uma vez por todas, porque foi a entrega da sua própria vida… “era rico e fez-se pobre para nos tornar a todos ricos”…