Mistagogia da Palavra

A liturgia da Palavra deste domingo trata da nossa conversão, centrada no exemplo de Zaqueu. A Conversão que Deus nos pede é conversão à justiça do seu reino, ou seja, opção pela fidelidade a Deus e aos homens. Isto só é possível pela graça do Senhor, que é todo misericórdia e amor e nos liberta e torna seus filhos pelo Espírito Santo, para também nós sermos libertadores, amando os nossos irmãos. De facto, essa transformação interior do homem tem de projectar-se exteriormente como fruto da nova justiça, numa acção fraterna e libertadora na comunidade humana em que o cristão vive.
A 1ª leitura, do Livro da Sabedoria, lembra-nos que Deus tem olhares diferentes dos nossos. Ele não conhece a violência, a represália, a punição, mas apenas o amor e a salvação. Observa com amor toda a criação, porque tudo aquilo que existe é obra sua. Não despreza nada do que fez. Não odeia ninguém, ama a todos, bons e maus, porque todos são suas criaturas, e todos, pelo facto de existirem, trazem em si algo de bom. 
A 2ª leitura é da Segunda Carta de S. Paulo aos Tessalonicensses. Estes cristãos estão a atravessar um momento difícil: na sua comunidade infiltraram-se alguns visionários que anunciam para breve o fim do mundo. O apóstolo recomenda-lhes que estejam atentos e não se deixem influenciar por esses fanáticos. Reza a Deus para os Tessolonicenses se não deixarem enganar, mas glorifiquem o Senhor pelo testemunho de amor concreto, como já fazem. 
O Evangelho, de S. Lucas, relata-nos o episódio de Zaqueu. A salvação dele não acontece de forma automática: foi oferecida gratuitamente, mas Zaqueu teve de a acolher em sua casa. Nesta altura vemos que o amor gera outro amor: amado gratuitamente, Zaqueu dá conta de que existem outras pessoas que necessitam de amor. Lembra-se dos pobres e daqueles a quem defraudou. Converteu-se quando descobriu que Deus o amava, não obstante ser uma pessoas impura. A descoberta deste amor gratuito foi a luz que dissipou as trevas que envolviam a sua vida e lhe deu a entender que apenas o amor e o dom são fonte de alegria.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vem Espírito Santo ensina-me a infância espiritual que cresce na escola do Evangelho.


Evangelho    Lc 19, 1-10
Naquele tempo, Jesus entrou em Jericó e começou a atravessar a cidade. Vivia ali um homem rico chamado Zaqueu, que era chefe de publicanos. Procurava ver quem era Jesus, mas, devido à multidão, não podia vê-l’O, porque era de pequena estatura. Então correu mais à frente e subiu a um sicómoro, para ver Jesus, que havia de passar por ali. Quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa». Ele desceu rapidamente e recebeu Jesus com alegria. Ao verem isto, todos murmuravam, dizendo: «Foi hospedar-Se em casa dum pecador». Entretanto, Zaqueu apresentou-se ao Senhor, dizendo: «Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causei qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais». Disse-lhe Jesus: «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão. Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido».

Caros amigos e amigas, no suave oásis de Jericó assistimos hoje à mudança de estatura de Zaqueu. O homem que era rico e pequeno, acolhendo a salvação, cresceu e tornou-se multiplicador da riqueza de Jesus. 

Interpelações da Palavra

A curiosidade e a simplicidade de Zaqueu 
Numa primeira leitura do texto gozamos com a quase ridícula figura de Zaqueu, um homem mesmo pequeno, tão pequeno que realiza um gesto semelhante ao das traquinices das crianças. Mas, adentrando-nos mais no episódio evangélico, reparamos que pode ser essa pequenez que permite a Zaqueu ter a curiosidade de querer ver e a simplicidade de querer voar e, por isso, sobe a uma árvore. Bem podemos dizer que a salvação lhe veio pela curiosidade e pela simplicidade. É uma curiosidade que não se contenta com um só ângulo de visão, mas que busca novas perspectivas e as confronta. É preciso ter profundidade na curiosidade, sem a deixar à mercê daquela avidez divertida de “caçar de novidades”, permitindo-lhe abrir-se para lá da mera constatação. 
Como que nos encontramos com a “infância” de Zaqueu. Não foi por acaso que Jesus nos exortou a “ser como as crianças”! Talvez fosse a simplicidade que deu a Zaqueu a ousadia de arriscar um gesto e a franquear a sua “casa”, proibida aos puritanos pelas convenções e pelos preconceitos, mas que Jesus honrou com a sua honra.

O olhar de Jesus
Tantas vezes os seres humanos se tornam pequenos ou pela mesquinhez das suas obras ou pelo olhar míope e pequeno dos seus semelhantes. No caso de Zaqueu desconfiamos que se trataria dos dois motivos, não só por causa da sua confissão no final, mas também pela reação dos seus conterrâneos murmuradores. Os olhares destes são pequenos, pois não dão a Zaqueu uma folga de confiança misericordiosa que o incite a erguer-se, prendem-no a julgamentos, querem deixa-lo cativo do seu pecado. Estes olhares redutores quase sempre deixam os outros entalados na sua pequenez, sem lhes permitir um voo, sem capacitar o seu crescimento!
Mas Zaqueu acaba por crescer aos olhos de Jesus. Porque estes olhos acolhem, seduzem, iluminam, corrigem… apontam horizontes. Zaqueu deixa-se educar por este olhar! Jesus tem o hábito de erguer o olhar, para procurar o do seu Pai do Céu, para se encher com a luz que se difunde na beleza das coisas. Jesus tem o olhar sensível para se deixar chamar por outro olhar, e a atenção de procurar e dialogar com outros olhares. 

Ícone de Jesus 
Lucas termina esta passagem entregando nas nossas mãos o testamento de Zaqueu. Jesus restituiu-lhe não apenas a dignidade de “filho de Abraão”, mas a aptidão para um crescimento que demanda a sua própria estatura de Filho Amado do Pai Celeste! E, de facto, este homem que tanto cresceu, acaba por tornar-se um ícone do mesmo Jesus que enfrenta a íngreme Jerusalém, que sobe à árvore da Cruz e se despoja de tudo para a todos “enriquecer com a sua pobreza” (cf. 2 Cor 8, 9). Também nós hoje, caros amigos e amigas, somos convidados a um crescimento assim e a permitir que o olhar de Jesus derrame no nosso aquela centelha de acolhimento que deixa todo o que está à nossa frente livre e misericordiado. Estamos perante a opção de fazer viver em nós a misericórdia do Evangelho!


Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor Jesus, que desenhas, orientas e acompanhas a minha história:
Vem à minha casa e mobila os muros com a fortaleza do Teu amor,
Vem à minha casa e perfuma os canteiros com a beleza da Tua alegria,
Vem à minha casa e ilumina os recantos com a sabedoria da Tua Palavra,
Vem à minha casa e alimenta a mesa com o Pão da Tua Vida,
Vem à minha casa e abre as portas com a criatividade da Tua Misericórdia.
Senhor Jesus, vem que eu desço para “entrar-me” contigo e dar-me-ei!

Viver a Palavra
Vou considerar alguma injustiça que tenha cometido e procurar repará-la.