Não deve ser assim entre vós

Na Igreja entra-se pela porta do serviço
O batismo vem depois de aprender a servir, depois de reconhecer que todos são irmãos, iguais em dignidade, iguais em deveres e direitos, depois de reconhecer que só há um Deus, um Senhor, um Mestre e um doutor.
Na Igreja entra-se como irmão e não como Pai. Como servo e não como Senhor. Como discípulo e não como Mestre. Na Igreja não se entra como sábio mas como aprendiz.

LEITURA I Mal 1, 14b – 2, 2b.8-10

Eu sou um grande Rei, diz o Senhor do Universo, e o meu nome é temível entre as nações. Agora, este aviso é para vós, sacerdotes: Se não Me ouvirdes, se não vos empenhardes em dar glória ao meu nome, diz o Senhor do Universo, mandarei sobre vós a maldição. Vós desviastes-vos do caminho, fizestes tropeçar muitos na lei e destruístes a aliança de Levi, diz o Senhor do Universo. Por isso, como não seguis os meus caminhos e fazeis aceção de pessoas perante a lei, também Eu vos tornarei desprezíveis e abjetos aos olhos de todo o povo. Não temos todos nós um só Pai? Não foi o mesmo Deus que nos criou? Então porque somos desleais uns para com os outros, profanando a aliança dos nossos pais?

A perda de consciência por parte dos sacerdotes, empenhados mais em cuidar das suas vidas e dos seus interesses, conduziu muitos para uma vida sem Deus. A degradação humana e religiosa faz com que Deus intervenha denunciando os sacerdotes e avisando-os de que, a continuar por aquele caminho em vez da bênção receberão a maldição.

Salmo responsorial Sl 130 (131),1.2.3
O homem que escuta a voz de Deus vive na sinceridade e não tem medo de se apresentar como é diante dele. É essa transparência que o salmista revela quando afirma viver diante de Deus como uma criança ao colo da mãe. O seu coração, o seu olhar e os seus pés respondem ao ritmo do coração, dos olhos e dos pés de Deus.

LEITURA II 1Ts 2, 7b-9.13

Irmãos: Fizemo-nos pequenos no meio de vós. Como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar, assim nós também, pela viva afeição que vos dedicamos, desejaríamos partilhar convosco, não só o Evangelho de Deus, mas ainda a própria vida, tão caros vos tínheis tornado para nós. Bem vos lembrais, irmãos, dos nossos trabalhos e canseiras. Foi a trabalhar noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós, que vos pregámos o Evangelho de Deus. Por isso, também nós damos graças a Deus sem cessar, porque, depois de terdes ouvido a palavra de Deus por nós pregada, vós a acolhestes, não como palavra humana, mas como ela é realmente, palavra de Deus, que permanece ativa em vós, os crentes.

Servir a comunidade com o anúncio do evangelho não pode significar viver à custa dos seus membros, mas implica a liberdade de quem se entrega e dá a vida para não ser pesado a ninguém. Paulo recorda esta sua atitude aos tessalonicenses e elogia a forma como eles receberam, guardaram e permitem que a palavra de Deus atue neles.

EVANGELHO Mt 23, 1-12

Naquele tempo, Jesus falou à multidão e aos discípulos, dizendo: «Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus. Fazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem. Atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens, mas eles nem com o dedo os querem mover. Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens: alargam os filactérios e ampliam as borlas; gostam do primeiro lugar nos banquetes e dos primeiros assentos nas sinagogas, das saudações nas praças públicas e que os tratem por ‘Mestres’. Vós, porém, não vos deixeis tratar por ‘Mestres’, porque um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos. Na terra não chameis a ninguém vosso ‘Pai’, porque um só é o vosso pai, o Pai celeste. Nem vos deixeis tratar por ‘Doutores’, porque um só é o vosso doutor, o Messias. Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».

Mateus desafia os crentes, que hoje somos nós, a não ser como os fariseus que dizem uma coisa e fazem outra. As suas atitudes criticadas pelos homens, merecem também a crítica de Jesus que foi, por diversas vezes, incomodado pela sua hipocrisia e impertinência, armados que estavam da sua importância. Jesus acautela os cristãos para não serem assim. Entre eles, quem quiser ser o primeiro seja o servo de todos.

Reflexão da Palavra

Chamamos Malaquias a um autor que permanece desconhecido. Trata-se de um ‘mensageiro’, palavra que se diz em hebraico malakey o que levou a chamar-lhe Malaquias. O autor é, portanto, um mensageiro de Deus. Alguns autores acreditam que poderia ser Esdras ou um dos seus discípulos, mas não se sabe. É o último livro do Antigo Testamento e é um “oráculo, palavra do Senhor dirigida a Israel”.

Deus revela-se como “Senhor do universo”, que é Pai de Israel “não temos todos nós um só Pai?”, cujo “nome é terrível entre as nações”. O oráculo que é apresentado na primeira leitura dirige-se aos sacerdotes e é continuação do oráculo anterior, em que o Senhor se queixa da falta de respeito para com ele, porque desprezam o seu nome ao oferecer no altar alimentos impuros, defeituosos e roubados. Por isso, diz o Senhor, “nenhuma oferta das vossas mãos me é agradável”.

Neste oráculo, o Senhor avisa os sacerdotes, para que o escutem e se empenhem “em dar glória ao meu nome”, pois caso contrário, aquela bênção que lhes foi dada será transformada em maldição e deixarão de ter o apoio do povo “eu vos tornarei desprezíveis e abjetos aos olhos de todo o povo”.

A irritação de Deus deve-se ao facto de os sacerdotes se terem desviado do caminho e terem com essa atitude escandalizado a muitos, fazendo-os tropeçar, em vez de os converter. Fazem distinção de pessoas, o que denuncia uma atitude de corrupção.
Estas atitudes são contrárias àquela relação que brota da paternidade divina. Deus é pai de todos e todos são irmãos. Desrespeitar o Pai com estas atitudes é querer nega-lo, apagando-o do horizonte da vida e simultaneamente terminar com a fraternidade, pois onde não há pai também não há irmãos.

Ao contrário do soberbo, do orgulhoso, que se basta a si mesmo, o salmista examina-se diante de Deus. Ele sabe que, diante de Deus, não vale a pena esconder nada, e, por isso, examina-se a si mesmo com verdade, com sinceridade. Examina-se desde o coração, “o meu coração não é orgulhoso”, desde dentro, do mais profundo de si mesmo, passando pelo olhar, “nem os meus olhos são altivos”, lugar de encontro com o mundo que o rodeia e de expressão dos afetos, para culminar nos pés, “não corro atrás de grandezas”, que revela as ações e a finalidade do trabalho diário. No seu exame, o salmista identifica-se com uma criança. Esta atitude faz pensar nas palavras de Jesus, “se não voltardes a ser como crianças, não podereis entrar no Reino de Deus”, atitude contrária à que Deus censura nos sacerdotes da primeira leitura.

Paulo recorda aos tessalonicenses a forma afetuosa e materna com que lhes anunciaram o evangelho e partilharam com eles a própria vida. Agiram entre eles como uma mãe faz com os seus filhos, trabalhando para não os sobrecarregar e dispostos a dar a vida por eles. Mais tarde Paulo vai referir-se também a este trabalho entre os coríntios, quando com Priscila e Áquila fabrica tendas para se sustentar.

A comunidade de Tessalónica recebeu a palavra, o evangelho, acolheu-a como palavra de Deus e vive-a de modo que ela atua no meio deles realizando o que eles acreditam pela fé. Paulo, fazendo esta referência recorda que o importante é a palavra e não ele que a anunciou, porque a palavra não é dele “não é palavra de homens”, mas de Deus.

A comunidade cristã refletida no evangelho de Mateus vive no final do século primeiro, num tempo e ambiente marcado pela presença dos fariseus que, como estudiosos da lei, se entendem com autoridade para interpretar a lei porque sucederam a Moisés na sua cadeira.

Mateus apresenta Jesus a falar à multidão e aos discípulos depois de diversos debates com as autoridades do templo, sacerdotes, saduceus, fariseus e anciãos. As palavras de Jesus aparecem como resposta à atitude dos fariseus e demais autoridades e como aviso para os crentes.

Neste capítulo 23, que pode dividir-se em três partes, Mateus procura ensinar aos membros da comunidade cristã, o modo de agir perante o facto de conviverem judeus cristãos, com judeus escribas e fariseus, num contexto sócio religioso tão plural. Os crentes precisam entender a sua identidade e saber o que os motiva na hora de agir.

Na primeira parte, 23,1-12, que se lê neste XXXI domingo, Mateus explica quais as atitudes que Jesus espera dos seus discípulos. Começa por distinguir entre o que dizem e o que fazem os escribas e os fariseus, para concluir “fazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras”. Desta forma reconhece que os escribas e fariseus têm autoridade doutrinal, porque a eles pertence a cadeira de Moisés. O que eles ensinam deve ser cumprido. No entanto, as suas atitudes deixam muito a desejar e, por isso, não devem ser imitadas “eles dizem e não fazem”.

Mateus apresenta três exemplos: o primeiro é a interpretação que fazem da lei; ela é tão pesada que eles não a cumprem, mas impõem-na aos outros. Com Jesus não é assim, a sua carga é leve e o seu jugo é suave. O segundo é que eles “tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens”. Para Jesus, não deve ser assim, porque “já têm a sua recompensa”. Devem os seus discípulos fazer tudo no segredo e o “Pai que vê no segredo, dará a recompensa”.

Os escribas e fariseus tinham, na sociedade de então, um prestígio que lhes era reconhecido e lhes dava direito a um lugar especial em muitas circunstâncias. A crítica que lhes é feita tem mais a ver com o seu gosto pelos primeiros lugares do que com o facto de lhes ser devido pela sua posição social. Jesus recorda que os seus discípulos devem ocupar o último lugar e aquele “que te convidou, há de dizer-te: ‘Amigo, vem mais para cima’”.

A preocupação de Mateus é que a comunidade de Jesus não se torne como os fariseus e adverte para os títulos que cada um acumula para se evidenciar. Mestres, doutores, Pai, são títulos que pertencem apenas a Deus pois diante de Deus todos são iguais e não pode haver distinção entre os discípulos do mesmo mestre, nem entre os filhos do mesmo pai.

Diante de Deus há apenas lugar no último posto que é para aqueles que estão dispostos, como Jesus, a servir, pois os discípulos como o mestre, não estão em nenhum lugar para “serem servidos, mas para servir e dar a vida”. A palavra de Jesus é sempre “não deve ser assim entre vós”

Meditação da Palavra

A situação em que viveram os cristãos do final do século primeiro, como a situação que vivem os cristãos de hoje, é tão plural nas propostas religiosas, ideológicas e espirituais que se torna necessário repensar em cada momento qual a identidade do cristão, quais os valores pelos quais orientar a própria vida e de entre tudo o que se oferece, o que é que é válido e pode ser assumido por um discípulo de Cristo.

Mateus, através do discurso de Jesus no capítulo 23 do evangelho, alerta os crentes para a possibilidade de se tornarem como os fariseus que, sendo conhecedores da lei, não são, porém, modelo para os cristãos por que “dizem e não fazem”. Então, “Fazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras”.

O que fazem eles? Sobrecarregam os outros com exigências, procuram os primeiros lugares em todas as sessões públicas e gostam de ser vistos pelos homens. Mateus já tinha alertado a comunidade crente, no capítulo 5 do evangelho, no sermão da montanha, para não cometerem estes erros.

Seguir os fariseus é viver sobrecarregado, seguir Jesus é encontrar “uma carga leve e um jugo suave” porque quem suporta a carga é o próprio Jesus, que acolhe sobre si os pecados da humanidade e carrega a cruz até ao calvário.

Procurar o primeiro lugar é exaltar-se a si mesmo e esta atitude pode terminar em humilhação, pois “quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”.

Fazer tudo para ser visto pelos homens e acumular títulos honoríficas na busca do prestígio, é querer a recompensa dos homens e ficar de mãos vazias diante de Deus,

O salmo responsorial ajuda a compreender a verdadeira atitude do cristão diante de Deus, quando diz “não ambiciono riquezas, nem coisas superiores a mim”, pelo contrário “fico sossegado e tranquilo,
como criança ao colo da mãe”.

Atitude reclamada por Paulo na carta aos tessalonicenses, lembrando como ele e os companheiros foram para eles como uma mãe que acalenta os filhos ao colo, cheios de afeto por eles e partilhando com eles a própria vida sem os sobrecarregar com a sua presença porque se reconhecem irmãos. Foi assim que lhes anunciaram o evangelho que é palavra de Deus e não dissertações dos homens.

Contrasta esta atitude de Paulo com a dos sacerdotes do Antigo Testamento, referidos na primeira leitura. Preocupados com as suas coisas, como os fariseus do evangelho, esquecem-se que a sua missão é ser bênção para o povo e não explorar o povo para satisfazer os seus interesses. Por este caminho não se alcança a bênção prometida por Deus para o seu povo, mas a maldição. Porque esta atitude revela desprezo pelos irmãos, filhos do mesmo Pai, o que é insuportável aos olhos do Senhor.

A acusação contra os fariseus serve também para nós hoje. Também nós temos que redescobrir a identidade cristã no meio da pluralidade deste mundo, descobrir a alegria do último lugar, encontrar a felicidade no serviço aos outros, particularmente no anúncio da palavra que, por ser de Deus, a todos enriquece, reconhecendo sempre que todos somos irmãos, filhos do mesmo Pai. Parece ser este o caminho proposto aos sacerdotes do tempo de Malaquias, aos fariseus do tempo de Jesus e a todos nós, neste que é o nosso tempo.

Rezar a Palavra

Tu, Senhor, conheces o íntimo do meu ser. Sabes que não sou como o salmista mas também não desejo coisas superiores a mim. Contento-me com o que me pertence e reconheço que todos somos irmãos. Sabes que nem sempre vivo a tua palavra com toda a dedicação, mas acolho-a no meu coração reconhecendo que ela é palavra de vida eterna. Experimento em mim a fragilidade que me revela a pobreza do meu ser, mas confio em ti como criança ao colo da mãe. Dedico-me a tudo o que faço e procuro servir os irmãos, ainda que nem sempre com a mesma generosidade que tens para comigo. Se me concederes a tua bênção serei o teu servo, aprenderei a escolher sempre o último lugar e darei a vida para que o teu evangelho seja conhecido.

Compromisso semanal

Quero ser aprendiz de servo seguindo o único Senhor e Mestre, Jesus.