As questões relacionadas com a ecologia e o ambiente levam-nos, por vezes, a olhar para a degradação da natureza e a reconhecer que a intervenção humana pode contribuir para agravar, ou evitar maiores males, consoante as medidas que a humanidade for capaz de tomar. Nesta questão, como em tantas outras, muita gente se pronuncia e a tendência generalizada é colocar uns, que se consideram bons, de um lado, e os maus, os prevaricadores, do outro. Há um conjunto de pessoas, de estruturas e sistemas, que são sempre os culpados; e os outros, que são sempre as vítimas e os inocentes, que não podem, ou não têm capacidade de intervir.
Esta perspectiva parte de um certo dualismo que divide o mundo em duas partes: de um lado o mundo do bem e dos bons; e do outro o mal, os maus ou os que estão condenados a suportar sempre as arbitrariedades do outro lado. Esta visão contraria, em certa medida, a nossa fé em Cristo, naquele que reconciliou com Deus todas as coisas, reunindo nele o que há no céu e na terra (Ef 1,10; Cl 1,20); e o que hoje é recordado no livro da Sabedoria (1ª leitura): Deus ama tudo o que existe e não odeia nada do que fez; porque se odiasse alguma coisa, não a teria criado.
- Os olhares de Deus e de Jesus
– Deus olhou sempre para a sua criação e não abandona o mundo que criou. Na balança pesa como o grão de poeira e como a gota do orvalho matutino que desceu sobre a terra (1ª leitura). O universo é grande e, ao mesmo tempo pequeno, diante da imensidade de Deus… O Deus da Bíblia sempre olhou por todas as coisas e, principalmente, olha para baixo, desce, vê as coisas pequenas…
– Com o Evangelho de Lucas temos acompanhado Jesus no seu caminho para Jerusalém… O episódio narrado hoje situa-nos já bem perto da cidade santa, em Jericó. Passo a passo, Jesus vai caminhando e cada passo é significativo porque a caminhada “não é nenhum passeio turístico”…
– Indo Jesus a passar, alguém o quis conhecer: um homem de pequena estatura, mal visto e odiado pelos seus concidadãos; um homem que tinha enriquecido à custa dos outros… Um homem só, que vivia isolado e sobe a um sicómoro para ver Jesus de cima… Tendo sabido que Jesus passava por ali, viu que podia ter a sua oportunidade de conhecer alguém diferente, nem que fosse só vê-lo passar…
– O que ele não imaginaria é que fosse Jesus a vê-lo. O olhar de Deus, normalmente, é de cima para baixo: olha para o pecador, para o simples e para o humilde, mesmo que ele esteja escondido numa árvore…
– Certamente que os olhares de Jesus e de Zaqueu se cruzaram e, aquele momento deve ter marcado profundamente a vida de Zaqueu: não foi só ele a procurar Jesus; foi Jesus que o viu, o encontrou…
- Jesus vê e fala
– Do meio da multidão que o seguia, Jesus fixa o seu olhar em Zaqueu e fala-lhe. Aquele homem era demasiado conhecido pelos piores motivos mas, Jesus enfrenta todas as críticas que lhe poderiam fazer e corre o risco de lhe pedir hospedagem… Vai ficar em casa de um pecador, de um corrupto…
– Zaqueu desceu depressa… Esta descida foi, certamente, a oportunidade de um encontro consigo mesmo e com todos os outros…
– E foi em casa que se produziu o grande milagre, longe do olhar dos curiosos… A conversão começou no momento em que Jesus olhou para ele e depois continuou à volta da mesa…
– Zaqueu não precisou de mediadores nem de “perdões fiscais”… O encontro com Jesus fê-lo pensar nos pobres e desencadeou a sua generosidade ultrapassando o que poderiam ser “os critérios da justiça”…
- A mudança de Zaqueu
– Zaqueu era de pequena estatura e estaria perdido ou disfarçado no meio da multidão; era um homem rico porque chefiava o grupo de publicanos… Se todos eram considerados corruptos, ele seria a dobrar…
– Porém, dá-se o encontro que gera mudança de vida a partir da alegria partilhada em casa… Enquanto do lado de fora deviam chover críticas, em casa de Zaqueu fazia-se a festa: “hoje chegou a salvação a esta casa”… Jesus resume o significado do seu gesto explicando assim:
“…porque este homem também é filho de Abraão”… Muitos pensavam a sociedade dividida em duas partes: os cumpridores da Lei e os excluídos; os que se consideravam os filhos de Abraão e os outros… Jesus tira Zaqueu do grupo dos excluídos e dos maus e integra-o na sua família…
“… o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido”… Jesus devolve a Zaqueu, como a outros marginalizados, o seu lugar na comunidade e a esperança e o sentido da vida a quem o perdeu…
– E Zaqueu redescobre a sua humanidade: devolve o amor a quem o tinha negado, a ternura a quem dela necessitava, salário justo a quem tinha espoliado, um futuro digno a quem tinha roubado com o seu egoísmo e as suas ganâncias…
– Zaqueu percebe que só a generosidade, a justiça e a gratidão podiam dar outro sentido à sua vida…
– Descobriu o caminho da felicidade… O olhar e a conversa com Jesus fê-lo crescer e melhorar. É o encontro com Jesus que cura e liberta, que convida a seguir o caminho do amor desinteressado, da bondade e da misericórdia…