No final da caminhada, Jesus chega a Jerusalém e é confrontado com uma série de perguntas feitas pelos escribas e fariseus sobre os mais variados temas. A situação das pessoas naquela cidade fazia sobressair um certo nervosismo porque ali se juntava muita gente, sobretudo à volta do templo, e era lá que estavam representados os diferentes sectores da sociedade com as suas autoridades, tanto civis como religiosas. Eram evidentes alguns sinais de crise e confusão, algo semelhantes com os que nós vivemos também hoje neste período de muitas incertezas quanto ao futuro: a pandemia está controlada ou vamos ter novos surtos? A crise política é passageira ou vai durar?… Parece que estamos longe de atingir aquele grau de segurança e de tranquilidade por que tanto ansiamos!…
No entanto, o escriba que se aproxima de Jesus para saber qual é o primeiro e o mais importante mandamento da lei parece fazê-lo com boas intenções e com alguma serenidade, ao ponto de Jesus apreciar a sua procura sincera da verdade. Ele vivia enredado num sem número de preceitos e discussões legais e queria ter uma orientação clara e precisa para decidir bem na vida evitando as discussões inúteis e estéreis.

  1. “Amarás o Senhor, teu Deus”

– O escriba conhece os mandamentos deixados por Moisés ao seu povo e o texto do Deuteronómio, lido na primeira leitura, que constituía o essencial da sua oração diária: “Escuta, Israel, o Senhor nosso Deus é único…”
– Também Jesus, na resposta que lhe dá sobre o que é prioritário, remete para essas palavras que todo o fiel israelita proclama e que definem a sua mensagem fundamental de amar só a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças…
– Só que os ensinamentos dos mestres foram acrescentando sempre novas normas, ao ponto de se chegar a mais de seiscentos preceitos que foram desviando do fundamental. Alguns sábios iam sintetizando todos os preceitos em expressões como estas: “Aquilo de que não gostas não o faças ao teu próximo”; ou: “o que não queres para ti, não o queiras para os outros”… Mas o que estava em primeiro lugar era sempre “amar a Deus sobre todas as coisas”…
– A novidade de Jesus, com a qual aquele escriba, que era especialista na Lei de Moisés, também vem a concordar, reside na associação que faz deste primeiro mandamento com o segundo, “amar ao próximo como a si mesmo”, deixando claro que um não faz sentido sem o outro pois diz que não há mandamento maior do que estes… São como que as duas faces da mesma moeda…

  1. “E ao teu próximo”

– O contexto da resposta de Jesus tem a ver com toda a casuística desenvolvida por escribas, fariseus e doutores da Lei… Todos sabiam que o amor a Deus era o primeiro mandamento… Só que, depois, enredavam-se em explicações desviando a atenção para o cumprimento de pequenas leis e preceitos que encobriam o amor ao próximo… A novidade de Jesus está nisto: o amor é o principal… O amor a Deus é inclusivo: vê-se no amor ao próximo…
– Este mandamento já estava presente na Lei: ver Lv 19,18… Amar o outro como a si mesmo é um princípio de igualdade, uma medida de justiça: o que queremos para nós façamo-lo aos outros… Só que esta perspectiva, apesar de apontar para um princípio válido e positivo, não aponta meios objectivos… Jesus irá depois mais longe e dirá com clareza: “como Eu vos amei”, quer dizer, mais do que a vós mesmos…
– A medida do amor deixa de ser cada um para ser Cristo… Então, os outros acabam por ser os mais importantes ao ponto de se poder dizer que o único mandamento é o outro…

  1. “Vale mais que os sacrifícios”

– A vida religiosa é caracterizada, no geral, pelo culto e pelos actos de piedade… Também era assim ao tempo de Jesus: o culto no templo de Jerusalém, com os holocaustos e os sacrifícios de animais, as peregrinações e as ofertas, as orações diárias e os grandes dias de festa preenchiam grande parte da actividade das pessoas da cidade e dos que a ela acorriam para aí celebrarem os grandes acontecimentos da sua vida pessoal e comunitária…
– Certamente que o escriba do Evangelho de hoje, não sendo propriamente um ministro do culto, praticava muitos destes ritos e defendia-os porque estavam prescritos na Lei que ele estudava. Mas, concorda totalmente com a resposta de Jesus ao ponto de relativizar todas estas práticas no confronto com o que ele também considera essencial: o cuidado do próximo vale mais que os sacrifícios, as peregrinações ou as ofertas… A importância da religião deve avaliar-se mais pela ajuda ao outro do que por todos os outros actos ditos “religiosos”. Para Jesus, o que está em primeiro lugar é o amor.