Mistagogia da Palavra
A fé é a grande sabedoria do alto, o grande tesouro pelo qual vale a pena sacrificar tudo. Porque com a fé vêem-se as coisas, a vida e as pessoas com outros critérios, os de Deus e não os do homem terreno. Precisamos da fé para captar a presença de Deus na história de cada um, e sobretudo na Pessoa de Jesus, o grande sinal do Pai e sacramento do encontro do homem com Deus. Caso contrário, os acontecimentos de cada dia não passarão de meros sucessos fortuitos, quando não absurdos, simples resultados de circunstâncias aleatórias; e não, como de facto são, história em que Deus nos ama e nos salva, presença do Senhor nos sinais dos tempos, oportunidade de discernimento evangélico dos valores morais, dos problemas do progresso humano, da vida e da morte, assim como um apelo contínuo à conversão a Deus.
A lª leitura é do Livro de Jeremias. Depois de um convite para louvar o Senhor e entoar cânticos em seu nome, o Profeta imagina o grupo dos que regressam do cativeiro, grupo onde há cegos, coxos e mulheres grávidas e parturientes. Com gente assim só Deus pode levar a bom termo uma viagem destas. Mas Deus não é como os homens. Não Se esquece dos mais fracos e indefesos e não deixa ninguém para trás. Estes exilados representam todos os que Deus chama da escuridão do pecado para uma vida nova.
A 2ª leitura é da Epístola aos Hebreus. A primeira parte enumera as condições para ser sacerdote do Antigo Testamento: ser de origem humana; ser intermediário entre Deus e os homens, oferecendo sacrifícios para expiar o pecado e ter vocação, isto é, ser chamado por Deus. Ora Cristo tem todos estes requisitos, mas só Ele ofereceu ao Pai um sacrifício único e irrepetível. Por isso, Ele é o único sacerdote da Nova Aliança. Os que se dizem sacerdotes não o são por si mesmos, mas porque participam do único sacerdócio de Cristo e destinados a tomar presente no altar o único sacrifício de Cristo. Em realidade, quem absolve, consagra e abençoa é Jesus Cristo.
O Evangelho é segundo São Marcos. É a cura do cego Bartimeu, que chama por Jesus, reconhecendo-O como Messias. Logo que Jesus o chama, corre para Ele, contra tudo e contra todos, e obtém a vista devido à sua fé. Só na fé é possível ver claramente e seguir a Jesus no caminho que leva a salvar a vida, perdendo-a.
A Palavra do Evangelho
Evangelho Mc 10, 46-52
Naquele tempo, quando Jesus ia a sair de Jericó com os discípulos e uma grande multidão, estava um cego, chamado Bartimeu, filho de Timeu, a pedir esmola à beira do caminho. Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava, começou a gritar: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Muitos repreendiam-no para que se calasse. Mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem piedade de mim». Jesus parou e disse: «Chamai-o». Chamaram então o cego e disseram-lhe: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te». O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus. Jesus perguntou-lhe: «Que queres que Eu te faça?». O cego respondeu-Lhe: «Mestre, que eu veja». Jesus disse-lhe: «Vai: a tua fé te salvou». Logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.
Caros amigos e amigas, o evangelho de hoje narra um milagre dinâmico, cheio de movimento, força e luz. O cego Bartimeu é parábola de cada homem, pois todos somos mendigos de luz e de compaixão.
Interpelações da Palavra
Jesus, Filho de David, tem piedade de mim
Bartimeu levanta a sua voz e grita o seu desespero. Apesar da cegueira dos olhos e do muro de rejeição dos que estão junto dele, a sua atenção alerta consegue perceber os passos peregrinos de Jesus e intuir a piedade que o move. Então não fica indiferente, grita, grita insistentemente. O mais pequeno grito humano é digno de consideração e acolhimento. Tantas vezes o mundo convida a calar, a não perturbar a ordem, a resignar-se e religiosamente a não importunar Deus com os próprios lamentos. E, no entanto, é Deus que nunca se resigna, não se cansa de passar perto do sofrimento, de escutar a humanidade, não desiste de cada um dos seus filhos.
Na verdade, todos somos cegos: ou porque não vemos a humanidade que grita piedade nas margens da nossa vida; ou porque não reconhecemos o pisar de Jesus que ainda hoje passa pertinho das nossas trevas.
Coragem! Levanta-te! Ele chama-te!
Eis um triplo ministério confiado por Jesus para acolher o cego. Bem poderíamos nós próprios assumi-lo junto dos nossos irmãos! Encorajar, dar esperança e força àqueles que gritam a sua dor. Levantar, pôr em pé, ajudar a caminhar, sem deitar por terra ninguém, acompanhando os passos. E nomear Cristo, anunciar que é Ele que chama, que é Ele que escuta o grito e pronuncia o nome, que traz a compaixão de Deus e dá a sua luz.
Diante deste convite, o cego deixa tudo, precipita-se, mesmo sem ver, rumo àquela voz que o chama. Num instante tudo parece excessivo e exagerado: o cego não só despe a capa mas atira-a; não só se levanta, mas dá um salto como que dançando ao som da voz que o apela. Não apenas agradece a Jesus, mas O segue. A fé é sempre um excesso de energia, um mais que alarga o coração, um dinamismo novo que multiplica a vida. A fé, ainda que ilógica, é bela poesia, é excesso de vida dentro da vida.
Que queres que eu te faça?
Estranha pergunta divina diante de cada um de nós. Até parece que Ele não sabe do que precisamos! Mas nós é que temos necessidade de reflectir sobre o que nos faz falta fortuna, dinheiro, afectos, carreira… Talvez, mas em primeiro lugar, escutar! Sim, escutar e oferecer as nossas feridas, as esperanças, os anseios que trazemos dentro, para experimentar a clarividência da sua Luz, pois o pior que nos pode acontecer é encantar-se da própria cegueira e acomodarmo-se às trevas. Bartimeu que conhecia às apalpadelas as paredes das casas e as árvores, que ouvia a voz dos familiares e amigos mas sem o prazer de olhá-los nos olhos, que sentia o perfume das flores mas desconhecia o arco-íris das cores dos campos, logo que recupera a vista põe-se a seguir Jesus. Que terá desencadeado tal sedução? Creio que viu, mais do que com os olhos, também com o coração, o rosto amoroso de Deus, a beleza da luz, a aurora do amor que nada nem ninguém poderão jamais apagar. Jesus é, caros amigos e amigas, a fonte de toda a beleza, o rosto luminoso do Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor Jesus, peregrino do Pai, permite que a minha atenção te ouça os passos,
para me fazer à peregrinaçao contigo!
Jesus misericórdia infinita, infunde nos meus lábios a coragem de te chamar,
para que nunca me possa separar de ti.
Quero tirar a capa das minhas seguranças para que sejas o meu único abrigo,
para que nada me possa eclispar a tua luz.
Sim, sê a minha luz, ó Luz do mundo, abre os meus olhos à suave meta do teu amor.
Viver a Palavra
Preciso de estar ciente que a minha cegueira precisa de ser curada pela oftalmologia do Evangelho.