O amor não distingue, abraça

Distinguir para classificar entre o que se ama e o que se despreza, é uma grande tentação que atravessa a história. Distingue-se entre homens e mulheres, bons e maus, ricos e pobres, amigos e inimigos, numa lista que não termina, carregada de efeitos secundários.
O amor não distingue. O amor não tem efeitos secundários. O amor abraça e aproxima. Conhecido pelo amor nada é estranho, ninguém é diferente, todos são amáveis. Aproximar no amor para abraçar e transformar em amigos os que se têm por inimigos.
O milagre do amor a Deus transforma em amáveis todos e tudo o que pertence a Deus.

LEITURA I Ex 22, 20-26

Eis o que diz o Senhor: «Não prejudicarás o estrangeiro, nem o oprimirás, porque vós próprios fostes estrangeiros na terra do Egito. Não maltratarás a viúva nem o órfão. Se lhes fizeres algum mal e eles clamarem por Mim, escutarei o seu clamor; inflamar-se-á a minha indignação e matar-vos-ei ao fio da espada. As vossas mulheres ficarão viúvas, e órfãos os vossos filhos. Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, ao pobre que vive junto de ti, não procederás com ele como um usurário, sobrecarregando-o com juros. Se receberes como penhor a capa do teu próximo, terás de lha devolver até ao pôr do sol, pois é tudo o que ele tem para se cobrir, é o vestuário com que cobre o seu corpo. Com que dormiria ele? Se ele Me invocar, escutá-lo-ei, porque sou misericordioso».

Prejudicar o estrangeiro, maltratar a viúva e o órfão e tirar partido da necessidade dos mais desprotegidos, significa atrair para si a ira de Deus que, por ser misericordioso, se coloca sempre do lado dos mais fracos.

Salmo responsorial Sl 17 (18), 2-3.7.47.51ab (R. 2)
O rei louva o Senhor reconhecendo que ele é a sua força, a sua fortaleza e refúgio. O Senhor é o seu auxílio e protetor em todas as circunstâncias. Por isso, pode invocar o Senhor nas suas aflições porque Deus escuta. Com o auxílio do Senhor a vitória do rei pode ser cantada.

LEITURA II 1Ts 1, 5c-10

Irmãos: Vós sabeis como procedemos no meio de vós, para vosso bem. Tornastes-vos imitadores nossos e do Senhor, recebendo a palavra no meio de muitas tribulações, com a alegria do Espírito Santo; e assim vos tornastes exemplo para todos os crentes da Macedónia e da Acaia. Porque, partindo de vós, a palavra de Deus ressoou não só na Macedónia e na Acaia, mas em toda a parte se divulgou a vossa fé em Deus, de modo que não precisamos de falar sobre ela. De facto, são eles próprios que relatam o acolhimento que tivemos junto de vós e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro e esperar dos Céus o seu Filho, a quem ressuscitou dos mortos: Jesus, que nos livrará da ira que há de vir.

O exemplo dos tessalonicenses espalhou-se por toda a parte. O seu exemplo consiste em acolher a palavra com alegria e permanecer nela apesar de viverem momentos de tribulação. Agora todos falam da forma como eles se converteram e servem o Senhor.

EVANGELHO Mt 22, 34-40

Naquele tempo, os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus, reuniram-se em grupo, e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?». Jesus respondeu: «‘Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas».

Jesus dedica-se a ensinar a partir das armadilhas em que saduceus e fariseus o querem apanhar. Hoje a questão é sobre o maior mandamento. Para Jesus, amar a Deus significa amar-se a si mesmo e amar na mesma medida de dignidade a todos, sem distinção de pessoas.

Reflexão da Palavra

No contexto da Aliança do Sinai, Moisés recebe de Deus os dez mandamentos, acontecimento que o livro do êxodo apresenta no capítulo 19 e início do capítulo 20. A partir do versículo 22 do capítulo 20, tem início o chamado Código da Aliança que se prolonga até ao capítulo 25, onde inicia o Código Sacerdotal. Do Código da Aliança fazem parte uma série de leis que regulam o culto, a propriedade, as relações entre os israelitas e com outras pessoas não israelitas, como podem ser os escravos e os estrangeiros.
O texto da primeira leitura faz parte deste Código da Aliança e diz respeito às relações sociais. Em concreto, trata-se de proteger três classes de pessoas: os estrangeiros, as viúvas e os órfãos, considerados os menos privilegiados de todos e incentivar a hospitalidade no povo de Deus. Para isso, serve-se de vários argumentos: no primeiro, relativamente aos estrangeiros, refugiados, fugitivos de conflitos e guerras, ou da fome, o argumento é este “vós próprios fostes estrangeiros na terra do Egito”; no segundo, relativo às viúvas e aos órfãos, o argumento usado diz “se lhes fizeres algum mal… inflamar-se-á a minha indignação”; e no terceiro, a favor dos desprotegidos e contra o aproveitamento dos mais favorecidos, exige-se não cobrar juros pelo dinheiro emprestado nem guardar como caução aquilo que lhe é necessário para sobreviver, como pode ser a capa com que se protege do frio durante a noite, porque “se ele Me invocar, escutá-lo-ei, porque sou misericordioso”.

O salmo 18, tal como aparece no texto desta liturgia, reúne os versículos da introdução ao salmo (v. 2 e 3), o versículo 7 que faz parte da descrição do primeiro quadro onde o autor revela os perigos de que está rodeado, sendo neste o versículo que se revela também a sua atitude diante de Deus que o atende, e no final surgem os versículos 47 e 51, precisamente o início e o fim da doxologia com que o autor termina o salmo.

Deus é força, fortaleza, auxílio, protetor, defesa e salvador para todo aquele que se encontra em aflição. Ele é um Deus que escuta o pobre, o fraco, o que é maltratado pela sorte ou pelos inimigos. Perante o auxílio recebido, o homem, neste caso o rei, exalta e bendiz o Senhor pela vitória obtida.

Depois de uma pequena saudação de introdução, Paulo, na carta que escreve aos cristãos de Tessalónica, continua a elogiar aquela comunidade pela fé demonstrada e conhecida por todos.

Paulo elogia em primeiro lugar a forma como eles acolheram a palavra. Foi com alegria, uma alegria que vem do Espírito e que permanece neles, apesar de terem recebido o evangelho no meio de tribulações. Foi essa também a experiência de Paulo, Silvano e Timóteo e de todos os que acolheram e anunciam o evangelho, dos quais eles se tornaram imitadores.

A forma como receberam e vivem o evangelho tornou-os missionários e fez deles exemplo “para todos”, de modo que a palavra, “partindo de vós”, “ressoou… em toda a parte” e, agora, já não precisam de falar da sua fé, porque todos falam de como os tessalonicenses se converteram. Uma conversão que se revela no serviço “ao Deus vivo e verdadeiro” e na esperança, pois esperam “Jesus, que nos livrará da ira que há de vir”.

No evangelho, Mateus, coloca Jesus perante os fariseus. O evangelho salta 10 versículos em relação ao escutado no domingo anterior. Nestes versículos, 22,23-33, os Saduceus que não acreditam na ressurreição, questionam Jesus sobre a vida depois da morte. Na sua resposta Jesus calou os saduceus. Por isso o evangelho deste domingo começa por fazer referência à passagem anterior.

É interessante perceber que os fariseus, juntamente com os príncipes dos sacerdotes e os anciãos não conseguiram calar Jesus, depois enviaram os seus discípulos com os herodianos e também não conseguiram apanhá-lo em falso, vieram os saduceus que ficaram sem resposta e, agora, os fariseus voltam de novo, mas trazem um escriba, conhecedor da lei, para debater com ele sobre os mandamentos.

A questão apresentada é simples: “qual é o maior mandamento da Lei?”. Não há mandamentos mais importantes que outros, e não há mandamentos que possam não ser cumpridos. No evangelho de Mateus já tinha ficado claro que Jesus não veio mudar a lei mas fazer com que se cumpra toda a lei (Mt 5,17-19). O escriba questiona sobre qual é o maior, quer dizer, o mandamento central, aquele que não pode ficar por cumprir.

A resposta de Jesus faz parte integrante do Shema (escuta Israel), “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’”. Um amor com estas dimensões significa um amor que compreende a totalidade da pessoa, o afeto orientado para o amado, uma comunhão íntima com o amado, e o desejo de conhecer o amado.

Um amor nunca está só, por isso, Jesus acrescenta, não um segundo mandamento, mas o conteúdo do primeiro que pode ficar esquecido. Aquele que ama, ama o amado, ama-se a si no amado e ama todos aqueles que são amados pelo amado. Amar a Deus implica amar-se e amar do mesmo modo os que Deus ama, ou seja, o próximo, todos os homens, mesmo os estrangeiros e os inimigos.

Meditação da Palavra

Quando os discípulos dos fariseus chegaram junto de Jesus, disseram “sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes aceção de pessoas”. Está nesta afirmação a concentração do que define o amor: a sinceridade, a verdade, a retidão e a abertura a todos. Jesus é esta transparência no amor, tanto em palavras como em obras. Ninguém fica de fora e ninguém tem poder de o influenciar ao ponto de retirar a proximidade necessária ao amor.

Quando confrontado com a questão sobre qual é o maior mandamento, Jesus responde com a mesma frontalidade e liberdade de sempre. A frontalidade e liberdade que lhe vem da segurança do amor. Compreende os segredos dos mandamentos, dos preceitos, das normas e das leis, aquele que ama e não aquele que as estuda, porque percebe a origem e a função de todos os mandamentos, o amor.

Sem amor a lei é letra morta e torna-se veneno de consequências incalculáveis. Os efeitos secundários da lei sem amor são irreversíveis. Gera distinção de pessoas, permitem a falsidade, a mentira, a corrupção e a desconfiança. Produz distância entre as pessoas e classifica-as de acordo com o aspeto exterior e segundo a caraterística das circunstâncias. Aparecem os estrangeiros, as viúvas, os órfãos, os pagãos, os adversários, os inimigos, porque aparecem também os interesses pessoais, os critérios de grupo, as caraterísticas da classe social, as ideologias dominadoras e os poderes instituídos.

O amor não permite esta distinção porque abraça, não separa. O amor não tem efeitos secundários. O único efeito do amor é o próprio amor multiplicado.

A resposta de Jesus compreende o que está dito por Isaías na primeira leitura, Deus, o Amor, escuta o estrangeiro, a viúva, o órfão e o pobre e não permite situações de injustiça, de exclusão, ou de aproveitamento dos fracos.

O mandamento afirmado por Jesus como o maior “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito” abarca todas as realidades existenciais. Amar a Deus com todo o ser, não é amar um ser etéreo que não se vê e está longe e inacessível, mas é amar tudo o que pertence a Deus, todas as suas coisas e toda a sua família.

Jesus podia não ter afirmado a existência de um segundo mandamento, pois o primeiro já implica o segundo que fala do amor a si mesmo e do amor ao próximo. Quem ama a Deus com toda a verdade da sua alma, do seu coração, da sua inteligência, não pode não amar tudo o que Deus criou, particularmente a si mesmo e aos outros.

Pelo contrário, aquele que ama a Deus com todas as forças ama-se a si mesmo e ama todos os homens, pois todos são amados por Deus. Este amor ao próximo abraça todos os homens independentemente das suas condições, situação de vida, opções e critérios existenciais. Quem ama a Deus não faz distinção de pessoas, ama simplesmente, mesmo aquele que não é amável, porque ele é amado por Deus.

No primeiro mandamento está, pois, contido o segundo, como um só mandamento. A distinção que Jesus faz, previne a possibilidade inversa de amar o próximo sem amar a Deus. De facto, o amor a Deus inclui o amor ao próximo, mas o amor ao próximo pode excluir o amor a Deus.

O amor a Deus contém o amor ao próximo e o amor a si mesmo. Amar-se no amor de Deus e amar os outros no mesmo amor é não amar nada nem ninguém fora do amor a Deus, é a proposta de Jesus. Não se deixar enganar pela possibilidade estéril de amar sem o Amor.

Como podem amar, então, os descrentes? No mesmo amor de Deus que se manifesta e atua até naqueles que não creem. E o amor verdadeiro e sincero pode levar o descrente a um autêntico encontro com Deus através dos irmãos a quem ama sem distinções.

Amar a Deus significa estabelecer com ele um vínculo pessoal e emocional e cuidar desse vínculo assumindo a relação numa intimidade cada vez mais profunda. Amar o próximo é um desafio de reconhecer o outro como alguém igual a mim, com a mesma dignidade, os mesmos direitos e deveres, sem escolher quem pode ou não ser o meu próximo. O amor não pode ser uma imposição, mas uma atitude que brota do mais profundo do ser, da raiz da liberdade de estar ao dispor do outro para lhe proporcionar o que ele necessita e que sem o meu amor não consegue alcançar.

Foi assim que os tessalonicenses acolheram a palavra de Deus, como quem se abre a um amor maior e foi assim que acolheram Paulo, tendo em conta o que este diz na segunda leitura.

Rezar a Palavra

Antes de todas as coisas tu, Senhor, és o Amor criador. E assim te apresentas aos homens em cada aliança. Os teus mandamentos, os preceitos e leis brotam do teu coração como guia para os nossos caminhos. Perante os nossos passos mal andados não te afirmas castigando, mas falando ao coração. E a tua palavra transforma a nossa fraqueza em força, ilumina a nossa escuridão e dá sentido aos gestos com que cuidamos uns dos outros. Ensina-nos o verdadeiro amor, aquele no qual amamos em ti e nos sabemos infinitamente amados em cada entrega.

Compromisso semanal

Procuro o amor de Deus naqueles que não sabem amar, naqueles que não são amáveis e naqueles que não se deixam amar.

Rezo hoje com mais atenção e vigio sobre as minhas atitudes para não me perder.