Mistagogia da Palavra

A liturgia deste domingo diz-nos das condições para sermos aceites por Deus. E elas resumem-se no reconhecer a nossa pobreza e miséria diante d’Ele e confiar totalmente na sua misericórdia. As chamadas nossas boas obras são o fruto e não a causa da nossa confiança. Pergunta S. Paulo: “Que tens tu que não hajas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias como se o não tivesses recebido?” (1 Cor 4,7)
A 1ª leitura é do Livro de Ben-Sirá. Deus não faz acepção de pessoas. A única condição que “mexe” com Ele é a pobreza, a necessidade da pessoa. Quando perante Deus se apresenta quem não tem méritos para mostrar, alguém que só pode contar com as próprias misérias, então Ele comove-Se e pronuncia sempre uma sentença de salvação.
A 2ª leitura é de S. Paulo a Timóteo, da segunda Epístola. O Apóstolo está já velho e cansado, encontra-se numa prisão de Roma. Vê aproximar-se o dia em que deverá deixar este mundo, pelo martírio, faz o balanço da sua vida e lança um olhar ao futuro. Não fala de méritos acumulados com esforço e fadiga, mas na certeza de ter confiado na pessoa certa, no Senhor Jesus, que não desapontará a ele nem àqueles que tiverem esperado com amor a sua santa vinda. A sua fidelidade a Cristo será confirmada com o maior dos gestos de amor: o dom da vida. 
A leitura do evangelho, de S. Lucas, conta-nos a parábola de Jesus: a oração do fariseu e do publicano. O fariseu não pede a Deus para ser justificado. De Deus pretende apenas que declare, que reconheça a justiça que ele soube construir com as suas mãos. Não entende que as suas boas obras, postas todas juntas, não lhe dão nenhum direito à salvação. Não são as boas obras que justificam., Elas são o sinal de que o Senhor nos tornou justos. Perante Deus, o homem está sempre de mãos vazias. Não pode exibir nada de seu, não tem nada que o torne digno da complacência divina. O publicano não é modelo de vida virtuosa. É o pobre que sabe poder oferecer a Deus apenas o seu coração “arrependido e humilde”, que o Senhor não despreza. É o faminto que é cumulado de bens, enquanto o rico é mandado embora de mãos vazias (Lc 1,53). Na nossa vida de cristãos, com qual dos dois nos parecemos nós?

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, vem orar em nós em espírito, verdade e justiça.


Evangelho    Lc 18, 9-14
Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».

Queridas irmãs e queridos irmãos, subamos também nós à presença de Deus para escutarmos a sua Palavra que interpela o nosso coração e a nossa oração.

Interpelações da Palavra
«Dois homens subiram ao templo para orar…»
É sugestivo que sejam estes dois homens a subir ao templo para orar. Ambos, apesar de diferentes, sobem à presença de Deus para rezarem.
Todos têm lugar no templo, sem excepção. Como diz Ben-Sirá, «o Senhor é um juiz que não faz acepção de pessoas». É bom que recordemos isto: as nossas Igrejas são espaços que devem acolher a todos. Todos têm lugar na Igreja, como tantas vezes tem repetido o Papa Francisco.

«Um era fariseu e o outro publicano»
Descemos um pouco mais no nosso texto evangélico. Jesus conta uma parábola «para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros». É interessante que Jesus tenha de relembrar que quem é justificado por Deus não possa abandonar nem desprezar do seu coração os demais.
Um fariseu e um publicano sobem ao tempo para orar. Contudo, Jesus diz-nos que apenas um saiu justificado: o publicano. É no mínimo estranho que o “pecador” tenha encontrado junto de Deus aceitação da sua oração, ao contrário do piedoso fariseu. Atentemos nas palavras do fariseu. Os verbos que largamente usa na sua “oração” estão todos na primeira pessoa: eu jejuo, eu pago… O fariseu não foi orar ao templo, mas sim entrar num monólogo autorreferencial, sem possibilidade de abertura para Deus entrar e transformar o seu coração. O fariseu estava cego pelo egoísmo e não desceu justificado do templo. Ao publicano bastaram parcas palavras para encontrar a misericórdia e a justiça de Deus. Reconhece-se pecador e necessitado da compaixão divina.
Interessante são as posições físicas de ambos: o fariseu orava de pé, enquanto que o publicano orou à distância, sem olhar para o alto e batia no peito. A humildade do publicano permitiu que a sua oração fosse atendida por Deus pois «a oração do humilde atravessa as nuvens e não descansa enquanto não chega ao seu destino.»

«Todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado»
A humildade é o caminho e a meta do cristão pois Jesus é o supremo modelo da humildade. N’Ele encontramos o exemplo perfeito do exercício desta virtude que comove o coração de Deus. O publicano foi exaltado e justificado porque foi humilde ao ponto de se reconhecer como pecador. O facto de sermos pecadores não é um impeditivo, mas uma verdadeira porta de entrada para Deus e para a sua graça.

Rezar a Palavra
Tenho o peito gasto, Senhor, 
Da minha miséria e do meu pecado.
Desce Tu à minha presença e transforma o meu interior.
Renova o meu coração para que saia eu justificado
E ame cada vez mais a ti e aos meus irmãos.
  
Viver a Palavra
Ao longo desta semana irei dedicar momentos fortes à oração,
voltando-me para o Senhor com humildade e confiança.