A questão dos refugiados e do acolhimento dos estrangeiros continua na ordem do dia. Dizem-nos que, em todos os tempos, as guerras provocaram movimentos migratórios e deslocaram muitas populações dos seus territórios de origem.
Mas, de facto, este fenómeno tem-se agudizado nos últimos tempos por causa da guerra na Europa e dos conflitos noutras regiões do globo. Há também a pobreza e a procura de melhores condições de vida que obrigam as pessoas a sair das suas terras e a procurar lugares mais seguros e promissores. A situação é complexa, como sabemos, mas ninguém pode fechar os olhos ou endurecer o coração face ao drama de tanta gente que é obrigada a migrar em situações muito difíceis.
As leituras bíblicas de hoje falam-nos deste encontro com gente diferente, vinda de outros lugares, e do acolhimento prestado aos estrangeiros. Aliás, este assunto está presente em muitas páginas bíblicas: umas vezes é o povo de Israel que é interpelado sobre o modo como acolhe; outras vezes é Israel que é obrigado a sair do seu território e ir habitar entre os estrangeiros. Naamã era um general sírio; portanto, estrangeiro, com outra cultura e outra religião. O samaritano era também um estrangeiro e um herege face à religião judaica tradicional. Apesar de tudo isso, não mostraram ambos uma riqueza enorme pela maneira como se comportaram relatada nos textos bíblicos que ouvimos?
- Confiança na gratuidade
– Quando somos confrontados com novos desafios, o sentimento mais generalizado é o da dúvida… Temos uma forte tendência para duvidar de tudo e de todos quando há acontecimentos novos, de que nós não estávamos à espera, que não foram programados, e quebram a nossa normalidade…
– Também temos mais dificuldade em dar as respostas adequadas quando nos falta a confiança… Por isso, precisamos de ganhar a confiança de Naamã, apesar de todos os preconceitos e de todos os obstáculos que sempre vão aparecendo no caminho.
– Aquele general sírio era um homem poderoso, tinha muitos bens e uma cultura diferente da de Israel… Apesar da sua posição e do seu prestígio, havia algumas complicações na sua vida, e a principal era ser leproso. Depois, custava-lhe admitir que, numa terra estrangeira, fosse confrontado com uma fé diferente e tivesse que cumprir uma ordem de tratamento que ele considerava pouco apropriada às suas necessidades…
– Todos nós temos contrariedades na nossa vida que parecem travar os nossos projectos… Esses obstáculos podem ser mais notados, ser públicos e comprometedores (é o caso de Naamã), ou passar quase despercebidos dada a condição social (caso do samaritano-estrangeiro de quem não se conhecia mais nada que o pudesse expor)… Para toda a gente pode haver sempre um revés que deita tudo a perder..
– No entanto, é nestas situações que compreendemos a importância dos outros e descobrimos que há gente que é capaz de fazer coisas boas a nosso favor de forma gratuita. A gratuidade, por vezes, parece-nos impossível… Mas ela existe…
- Fé e Salvação
– A nossa fé implica uma confiança radical na pessoa de Jesus: olhando para o seu estilo de vida, para a proposta que faz no seu projecto do Reino de Deus, aderimos a Ele e confiamos que Ele é capaz de nos ajudar a enfrentar as contradições e as dificuldades.
– Tudo depende do contexto em que nós nos situamos: muitas vezes pensamos que a salvação que Jesus traz consiste em nos livrar desta ou daquela situação, em termos sucesso num acontecimento pontual, ou em obtermos favores aqui ou acolá… Ora, a salvação que Jesus oferece não pode ser reduzida ao alívio de determinada situação complicada, ou ao sucesso de determinado empreendimento…
– S. Paulo esclarece bem este ponto: ele está preso como um malfeitor, sofre nessa situação, mas considera-se salvo por Jesus dizendo mesmo que a Palavra de Deus não está encadeada… Tendo-se encontrado com Cristo vivo e ressuscitado sabe que o seu destino não é a morte, mas a vida… Sabe que os sofrimentos que pode ter que suportar podem redundar em êxito no serviço ao Evangelho…
- A lição dos que estão nas periferias
– O Evangelho narra a cura dos dez leprosos, entre os quais se encontra um samaritano, que é o que volta atrás para agradecer a cura…
– Na terminologia do Papa Francisco, todos estes leprosos estavam na periferia da sociedade, marginalizados e abandonados mas, o que estava mais abandonado e a quem se daria menos atenção era ao estrangeiro. Pois, é precisamente este que sente a misericórdia, a proximidade, a compaixão e a cura…
– Jesus ouviu a súplica dos que bradavam por Ele; parou e deu-lhes indicações sobre o que deviam fazer. Todos nós precisamos de ouvir e de parar como Jesus… Depois indicar caminhos, ajudar sem esperar recompensa…
– Curiosamente, o que voltou para agradecer foi o estrangeiro, o heterodoxo… A fé, a paz e a alegria chegam-nos, tantas vezes, através de pessoas diferentes e por caminhos imprevistos… Jesus diz àquele samaritano-estrangeiro que foi “a fé que o salvou”. Nestes tempos de incerteza em que parece que as pessoas e as instituições passam por grandes crises, é preciso ter confiança porque os que parecem fora do sistema podem dar-nos grandes lições de humildade e gratidão… E a Igreja, como diz o Papa Francisco, “ou é samaritana ou não é de Jesus Cristo”, tanto na sua orientação indo ao encontro dos pobres e necessitados, como no reconhecimento que deve manifestar pelos dons que Deus concede à humanidade…