Depois das instruções sobre o Matrimónio e o divórcio Jesus continua a dirigir-se aos seus discípulos e a surpreendê-los com as exigências do seguimento. A advertência de hoje, contra o obstáculo das riquezas para entrar no Reino de Deus, deixa os discípulos perplexos com as suas palavras. Para eles, como para nós hoje, o dinheiro parece impor-se acima de tudo. Ainda que haja outros valores como a sabedoria e a prudência (1ª leitura), a Palavra de Deus que é viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes (2ª leitura), sempre manifestamos uma certa tendência para justificar a nossa adesão ao Evangelho de Jesus conciliando com um certo apego aos bens materiais. Entendemos que é necessário ter e, mesmo além do estritamente necessário, para levar uma vida digna. Joga-se aqui a questão do ser e do ter: será mesmo mais importante o ser que o ter? Será necessário ter para ser? Vivemos para ter ou para ser? Como se pode ser sem ter? E o ter impede ser? Pode-se ser apesar de ter? Terá de se optar sempre pelo ser em lugar do ter?… Uma coisa Jesus deixa muito claro: ser sempre, mesmo que não se tenha.

  1. A pobreza

– Nós vivemos hoje um momento em que nos voltamos a dar conta do fosso que separa os ricos e os pobres e constatamos o aumento do número de pobres… E agora já não é só no chamado “terceiro mundo”, mas bem perto de nós, com novas formas e novos problemas…
– Igual que na Palestina do tempo de Jesus parece que os muito ricos são poucos e os muito pobres são cada vez em maior número…

  1. Riqueza e seguimento de Jesus

– O homem do Evangelho que se aproxima de Jesus parece ser um homem honrado, cumpridor da Lei, mas com inquietações na sua vida ao ponto de se aproximar de Jesus a procurar o que deve fazer de diferente; ele queria fazer algo mais…
– Diz-se também que tinha muitos bens… É, portanto, alguém que pensa ter assegurado o futuro neste mundo e ao mesmo tempo quer também assegurar o futuro no outro, na vida eterna…
– Talvez nunca se tenha interrogado sobre a concentração dos seus bens pessoais numa sociedade de pobres, até porque parece que a Lei lhe dava cobertura para continuar a viver como rico no meio dos pobres: seria “um bom fariseu”, poderíamos dizer assim…
– Também a nós, cristãos, não basta que “sejamos bons” ou “cheios de vontade para fazer coisas boas”… O homem que se aproximou de Jesus e lhe fez a pergunta era muito cumpridor desde pequeno… Mas, a um cristão exige-se que siga Jesus…
– Neste seguimento coloca-se o problema do dinheiro: é mau ter dinheiro? Não… Na sociedade em que vivemos dificilmente subsistimos sem dinheiro porque precisamos de comer, de sustentar a família, de alojamento condigno, de pagar muitos serviços para ter qualidade de vida,…
– O problema, o mal, está em ser rico, em querer ter sempre mais do que o necessário… E porquê?
Porque se coloca mais confiança (segurança) no dinheiro do que em Deus…
E porque a ganância de alguns leva outros à pobreza… Os bens deste mundo são limitados e, quando alguns se apoderam deles, faltam aos outros, de maneira que o que uns têm a mais, é porque falta aos outros, que têm a menos ou não têm… Na perspectiva bíblica (e do Evangelho em particular), os bens têm um destino universal, quer dizer, devem estar ao alcance de todos e todos devem beneficiar deles…

  1. Solidariedade e partilha

– Então, se a riqueza é causa de males, poder-se-ia pensar que “para ter um tesouro no Céu”, o melhor é ser pobre!… Não! Há muitos pobres que querem ser ricos e também cometem injustiças… O que Jesus diz é: “vende o que tens e dá o dinheiro aos pobres”. Quer dizer: sê solidário, reparte com quem não tem…
– Não é questão de dar uma esmola ou um donativo para uma qualquer ONG (também há gente que é contra as esmolas, e depois faz publicidade dos donativos a algumas instituições!…). É partilhar, baixar o nível de vida, participar activamente na construção da justiça, fazendo com que as pessoas estejam no centro das atenções…

  1. Acima de tudo: o amor

– O homem do Evangelho, pelo facto de se ter aproximado de Jesus, mesmo que tenha ficado triste depois da proposta que lhe foi feita, ainda manifestou sensibilidade… Nos nossos dias, o pior de tudo é a indiferença! E esta cultura também afecta os seguidores de Jesus ao ponto de se continuar a verificar que ser cristão e rico ao mesmo tempo, não é nada fácil… A consequência é colocar o Evangelho ao nosso nível, àquilo que é o nosso estilo de vida, e isto é muito perigoso…
– A questão fundamental é a do amor… “Jesus olhou para ele com simpatia…” e continua a olhar para cada um de nós porque apesar de os discípulos se admirarem, a proposta de Jesus não é impossível. Os valores do Reino são bem mais seguros e podem ser até mais sedutores do que as riquezas… O Evangelho não é propriamente um compêndio de ética nem as palavras de Jesus fomentam o voluntarismo. O Evangelho é amor: quando alguém se deixa tocar pelo amor de Deus cresce nele o desejo de compromisso, de querer mais, embora reconheça os seus limites… Sem amor é que não há verdadeiramente fé cristã nem Evangelho…