Todos são filhos
Todo são filhos. O pai dirige-se a uns e a outros com o mesmo desafio: “vai hoje trabalhar na vinha”. Todos são filhos, mas não respondem todos da mesma maneira.
“Não quero” e não vou.
“Vou sim, senhor”, mas não vou.
“Não quero”, mas arrependo-me e vou.
“Vou sim, senhor” e vou mesmo.
Bons ou maus todos são filhos, mas nem todos fazem a vontade do pai.
LEITURA I Ez 18, 25-28
Eis o que diz o Senhor: «Vós dizeis: ‘A maneira de proceder do Senhor não é justa’. Escutai, casa de Israel: Será a minha maneira de proceder que não é justa? Não será antes o vosso modo de proceder que é injusto? Quando o justo se afastar da justiça, praticar o mal e vier a morrer, morrerá por causa do mal cometido. Quando o pecador se afastar do mal que tiver realizado, praticar o direito e a justiça, salvará a sua vida. Se abrir os seus olhos e renunciar às faltas que tiver cometido, há de viver e não morrerá».
Considerando que tinham sido castigados com o exílio em Babilónia por causa dos pecados de outros, o povo revolta-se contra a ideia de um Deus que condena o justo por causa do pecador e salva o pecador graças à fidelidade do justo. Deus esclarece o povo dizendo que cada um responde pelas suas ações em cada momento e, tanto o justo como o pecador, têm oportunidade para se arrependerem do mal que praticarem.
Salmo responsorial Salmo 24 (25), 4-5.6-7.8-9
O Senhor é bom e justo, os seus caminhos são amor e verdade e o pecador pode confiar a sua vida ao Senhor porque ele tem compaixão.
LEITURA II Forma longa Flp 2, 1-11
Irmãos: Se há em Cristo alguma consolação, algum conforto na caridade, se existe alguma comunhão no Espírito, alguns sentimentos de ternura e misericórdia, então completai a minha alegria, tendo entre vós os mesmos sentimentos e a mesma caridade, numa só alma e num só coração. Não façais nada por rivalidade nem por vanglória; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros. Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus. Ele, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte, e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.
Paulo apresenta, aos cristãos de Filipos, a figura de Cristo como o modelo, no qual todos podem encontrar sentimentos de humildade, caridade, ternura e misericórdia. Também a comunidade pode encontrar em Cristo o exemplo de obediência e comunhão que é chamada a viver com Deus e uns com os outros.
EVANGELHO Mt 21, 28-32
Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo: «Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Foi ter com o primeiro e disse-lhe: ‘Filho, vai hoje trabalhar na vinha’. Mas ele respondeu-lhe: ‘Não quero’. Depois, porém, arrependeu-se e foi. O homem dirigiu-se ao segundo filho e falou-lhe do mesmo modo. Ele respondeu: ‘Eu vou, Senhor’. Mas de facto não foi. Qual dos dois fez a vontade ao pai?». Eles responderam-Lhe: «O primeiro». Jesus disse-lhes: «Em verdade vos digo: Os publicanos e as mulheres de má vida irão diante de vós para o reino de Deus. João Batista veio até vós, ensinando-vos o caminho da justiça, e não acreditastes nele; mas os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram. E vós, que bem o vistes, não vos arrependestes, acreditando nele».
Fazer a vontade do Pai consiste em escutar Jesus e acreditar nele, reconhecendo-lhe autoridade para purificar a relação do homem com Deus. De facto, Jesus vai dizendo que não é quem diz ‘Senhor! Senhor!’ que entra no reino. Aqueles que parecem mais pecadores podem ser os primeiros a entrar porque fazem a experiência do arrependimento.
Reflexão da Palavra
Os profetas estão sempre a recordar ao povo a sua responsabilidade diante de Deus. As decisões tomadas coletivamente ou decisões do rei em nome de todos, podem resultar na desgraça, como o exílio de Babilónia. Sem deixar de ter em conta esta responsabilidade comunitária, Ezequiel chama a atenção para a atitude e responsabilidade pessoal. Cada um pode decidir em relação ao seu destino e tem que responder pelas suas ações em cada momento da vida.
O profeta começa por confrontar o povo com a sua acusação contra Deus. Entendem que Deus procede injustamente condenando o justo só porque ele pecou e salva o pecador que se arrepende. A visão comunitária do seu destino dá lugar à responsabilidade individual diante de Deus.
Para esclarecer a situação, o profeta, questiona o povo “Vós dizeis: ‘A maneira de proceder do Senhor não é justa’. Escutai, casa de Israel: Será a minha maneira de proceder que não é justa? Não será antes o vosso modo de proceder que é injusto?”. No entender do povo o justo devia ser poupado porque afinal é justo. Pecou, é verdade, mas foi sempre justo e, tendo em conta o bem que fez devia ser poupado. Enquanto que o pecador, sempre praticou o mal e agora é perdoado só porque se arrependeu.
Através do profeta, Deus, explica que, para ele, conta o presente e não o passado. Como se apresenta cada um, hoje, diante de Deus? O justo fez o bem, sim, mas pecou e não se arrependeu. Por isso, morreu no seu pecado. Enquanto que o pecador, que praticou o mal durante toda a vida, se arrependeu e apresenta-se diante de Deus nessa condição. Por isso, é perdoado.
A expressão usada em relação ao justo “vier a morrer” significa que morre sem se arrepender e, por isso, “morre por causa do mal cometido”. O pecador, porém, se ele “se afastar do mal que tiver realizado” e passar a praticar “o direito e a justiça” essa mudança “salvará a sua vida”, porque Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva, como adianta o profeta uns versículos antes desta passagem.
Construído em forma alfabética, o salmo 25 apresenta-se como uma construção académica, um exercício encomendado pelo professor aos alunos. Tecnicamente bem feito, falta-lhe a alma do orante que suplica diante de Deus com a vida nas mãos. Por isso parece demasiado impessoal e distante. É como as orações previamente feitas, que se decoram e repetem mecanicamente. Ainda assim tem o seu valor como oração de súplica, que serve àqueles que não sabem que palavras usar na sua oração.
Os versículos usados nesta liturgia são o reconhecimento dos caminhos do Senhor, da sua misericórdia e uma manifestação de confiança na bondade, justiça e no amor do Senhor para com o pecador.
O texto da carta aos filipenses apresenta Cristo como o modelo do cristão e da vida comunitária. De facto, Cristo é mencionado no início do texto “se há em Cristo consolação”, no meio “tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo” e no final “e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor”.
A primeira parte do texto, apresenta Cristo como modelo do cristão. Adquirir os mesmos sentimentos que se encontram em Cristo edifica a comunidade no amor. Por isso, Paulo, pede aos filipenses que se animem em adquirir os sentimentos de humildade, desprendimento e altruísmo que encontram em Cristo. Esta recomendação é importante porque os filipenses, sendo uma comunidade viva, eram demasiado orgulhosos.
Na segunda parte do texto, a partir do versículo 6, Paulo insere um hino que circulava nas comunidades de tradição petrina, no qual exalta a humildade e obediência de Cristo que, sendo Deus, fez todo um caminho de humilhação, desde a sua condição divina até à morte de cruz. Este despojamento contínuo não conduz à desgraça, mas à glorificação. Seguindo por este caminho, os filipenses, chegarão também à glória.
Mateus coloca Jesus a ensinar no templo, em Jerusalém, um dia depois de ter expulsado dali os comerciantes de pombas e os cambistas, porque fizeram da casa de Deus “um covil de ladrões”. Interrogado pelos sacerdotes e anciãos sobre a autoridade para tomar aquela atitude, Jesus conta-lhes esta parábola.
Jesus faz três perguntas, na primeira questiona as autoridades do templo sobre o batismo de Jesus: “de onde provinha o batismo de João: do Céu ou dos homens?”. A esta pergunta eles respondem “não sabemos”. A segunda pergunta dá início à parábola, capta a atenção dos ouvintes e questiona-os, de antemão, sobre a atitude dos filhos diante do pai: “que vos parece?” e aponta para a pergunta final “qual dos dois fez a vontade do pai?”.
A parábola tem uma pequena introdução que coloca os ouvintes diante de uma cena familiar, “um homem tinha dois filhos”. Depois desenvolve a parábola mostrando a ação do pai junto dos filhos, dirigindo-se a cada um individualmente. No final, Jesus faz a atualização da parábola.
O pai dirige-se aos dois filhos da mesma maneira e com as mesmas palavras, “filho, vai hoje trabalhar na vinha”.
Perante as palavras do pai, o primeiro filho, de modo pouco cordial, responde de forma clara e sem cerimónia, “não quero”. O texto apressa-se a dizer que, apesar de uma resposta rude e determinada, este filho, “mais tarde arrependeu-se e foi”.
O segundo filho responde de forma mais solene e educada ao pedido do pai e diz “vou sim, senhor”, no entanto, não foi.
A pergunta de Jesus “qual dos dois fez a vontade do pai?” é direta e exige uma resposta que define uma tomada de posição, o que exige uma postura de compromisso. A esta pergunta, os ouvintes de Jesus, que são os responsáveis pelo templo e a multidão a quem Jesus ensinava, incluindo os discípulos, respondem “o primeiro”.
Para fazer a vontade do pai não basta dizer ‘Senhor! Senhor!’. Não são os que dizem ‘Senhor! Senhor que entram no reino, mas os que escutam a palavra de Deus e a põem em prática”. Entram no reino os publicanos e as meretrizes, porque fizeram a vontade do pai escutando e dando crédito a João Batista e escutam e creem também Jesus.
Dizer ao pai “não quero”, não é uma atitude exemplar, mas o arrependimento abre um caminho para o pai. Ao passo que as palavras amáveis, sem uma decisão positiva, de nada valem diante de Deus. É necessário estar disponível para mudar a atitude diante de Deus. Os sacerdotes e os anciãos não estão disponíveis para sair da sua oposição a João e a Jesus e, com isso, ficam fora do reino.
Meditação da Palavra
O arrependimento domina a liturgia deste XXVI domingo do tempo comum, e apresenta-o como um caminho pelo qual se chega ao coração misericordioso do Pai. De facto, a mentalidade judaica entendia a sorte e a desgraça do povo eleito na dependência da resposta comunitária a Deus, na fidelidade ou infidelidade do povo à aliança, sem assinalar a responsabilidade individual, o que não é correto. Não é esta a maneira de pensar de Deus. Os vossos pensamentos estão longe dos meus pensamentos, escutávamos no domingo passado.
Israel considerava injusto que uns praticassem o mal e todos tivessem que pagar pela infidelidade de alguns. Consideravam também injusto o proceder do Senhor que castiga com a morte o justo só porque ele pecou, e perdoa o pecador só porque ele se arrende.
Deus, através do profeta Ezequiel, vem esclarecer que, todos têm no arrependimento o caminho para a vida. No entanto, justo ou pecador, todo o que não se arrepende, permanece na morte. Não é uma decisão de Deus mas do homem. A todos Deus alerta com a palavra dos profetas para que mudem o seu modo de proceder. Por isso, todo aquele que, mesmo sendo pecador, “abrir os seus olhos e renunciar às faltas que tiver cometido, háde viver e não morrerá”.
A grande dificuldade está precisamente em escutar. No evangelho percebe-se que os sacerdotes e os anciãos tinham dificuldade em escutar e aceitar a palavra de Deus comunicada tanto por João Batista como por Jesus. Os publicanos e as meretrizes, pelo contrário, escutavam e acreditavam fazendo um caminho de conversão.
A parábola de Jesus procura ser um alerta para os seus ouvintes, entre os quais se encontram os chefes do povo, o povo simples e os discípulos, para que entendam que a relação com Deus não se consolida com palavras, por muito bonitas e cerimoniosas que sejam, mas fazendo a vontade do Pai. E a vontade do Pai é que “escutem a sua palavra e acreditem naquele que ele enviou”. As palavras cerimoniosas sem o conteúdo da adesão à vontade do Pai, não servem para nada, pois não é quem diz “Senhor! Senhor!” que entra no reino.
Não sendo, de todo, simpática a resposta do primeiro filho, a verdade é que o arrependimento o colocou no caminho da vontade do Pai. Do mesmo modo que não é agradável o comportamento de publicanos e meretrizes, mas eles entram à frente no reino pelo caminho do arrependimento.
Cristo, palavra do Pai, é o modelo de obediência total à vontade de Deus, ele que “não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio”, “humilhou-Se obedecendo até à morte, e morte de cruz”. Por isso, na comunidade cristã, diz Paulo, todos são chamados a traduzir na sua vida os mesmos sentimentos de humildade, caridade, ternura e misericórdia que encontram em Cristo, para viverem em plena comunhão uns com os outros e com Deus.
Rezar a Palavra
Ensina-me Senhor, a escutar a tua palavra, tão distante das minhas palavras, e a conhecer o teu coração, tão diferente do meu coração. Que a tua palavra desperte em mim os sentimentos que levam ao arrependimento, para chegar à verdadeira vida pela conversão do coração. Mostra-me os sentimentos que há em Cristo para que me deixe seduzir pelo caminho da humildade e da obediência à tua vontade.
Compromisso semanal
Na vinha do Senhor há trabalho para todos os filhos. Quero dizer ‘sim’ e trabalhar nela, hoje e sempre.