A questão das riquezas e da sua distribuição continua a ser o objecto do ensinamento de Jesus aos seus discípulos a caminho de Jerusalém, bem como da mensagem do profeta Amós que denuncia o estilo de vida dos ricos das cidades de Jerusalém e da Samaria, as capitais de Judá e de Israel: vivem regalados sem se importarem com a sorte dos outros; são egoístas porque só pensam em si, e não reparam na multidão dos pobres que vivem à sua volta. É este aspecto que é desenvolvido na parábola do rico avarento (que nem tem nome! Tal é a sua importância!) e do pobre Lázaro. O acento é colocado na figura que os ricos fazem quando ostentam a sua riqueza e a vida cómoda, sem se importarem com os outros.
No último Domingo de Setembro, celebra-se também a jornada mundial do migrante e refugiado e, na mensagem para este dia, intitulada Construir o futuro com os migrantes e refugiados, o Papa Francisco recorda que o Reino de Deus, a cidade futura que é a morada de Deus entre os homens (Ap 21,3), não se constrói sem incluir os habitantes das periferias existenciais, entre eles os migrantes e refugiados, deslocados e vítimas de tráfico humano. Tantas vezes o mesmo Papa tem falado da “globalização da indiferença” como um dos sintomas mais graves da decadência das nossas sociedades. Pois bem, é preciso passar desta globalização da indiferença, própria dos que estão instalados e se julgam seguros na vida, para a “globalização da caridade e da justiça”.

  1. Uma parábola cheia de contrastes

– Uma das características da parábola do rico avarento e do pobre Lázaro é jogar com os contrastes: um homem rico, vestido de púrpura, que se banqueteava todos os dias / um pobre Lázaro, coberto de chagas que se deitava ao seu portão; sobrava da mesa do rico com os seus comensais / mas a companhia de Lázaro eram os cães que lhe lambiam as chagas; na morte, Lázaro vai para o seio de Abraão / o rico é sepultado (fica no seio da terra, no sítio dos mortos); na mansão dos mortos, o rico vê Lázaro / neste mundo, nunca o tinha visto; o rico suplica para que seja Lázaro a socorrê-lo / ironia! Afinal até o conhecia, só que não lhe ligava; o rico é convidado a ver o abismo entre o lugar de Lázaro e o dele próprio / foi esse mesmo abismo que ele construiu antes de morrer, só que nunca o tinha visto…; o rico, que nunca ligou a mais ninguém, quer que a sua família seja prevenida por alguém que ressuscite dos mortos / mas sempre tiveram a palavra de Deus (Moisés e os profetas) para os orientar, embora nunca lhe tenham prestado atenção…
– A parábola não é um ensinamento sobre a vida eterna, sobre quem vai para o céu ou para o inferno… É, sim, um alerta muito enérgico sobre o uso que os possuidores de bens neste mundo, os ricos, dão à sua riqueza, e as consequências que daí advêm…
– A doutrina social da Igreja insiste, em todos os documentos publicados sobre a matéria, no destino universal dos bens: os bens deste mundo devem estar ao serviço de todos, todos devem ter acesso a eles, e não apenas alguns… Mas, quanto caminho há a percorrer neste sentido?!

  1. Ver como vivemos

– O profeta Amós anuncia as consequências dos comportamentos daqueles que fazem festas à custa dos outros: “partirão para o exílio à frente dos deportados e acabará esse bando de voluptuosos”. Assim aconteceu com a invasão Assíria…
– O papa Francisco diz que nós vivemos numa “cultura da indiferença”… Com facilidade nos colocamos do lado dos ricos (de forma real ou fictícia, porque só nos vemos a nós) e não vemos a realidade que está à nossa porta…
– A chave de interpretação do Evangelho de hoje está na compaixão, em comover-se com a situação dos outros, ser capaz de se situar no lugar dos outros, aquilo que hoje dá pelo nome de empatia mas cuja palavra mais adequada é, efectivamente, a compaixão…
– Compaixão é a capacidade de nos colocarmos na situação do outro, de sofrer, de sentir com ele, de nos imaginarmos na situação do que sofre… É tudo o contrário da indiferença e do silêncio dos que estão bem…
– Usando a linguagem da parábola pode dizer-se que o abismo que separa o seio de Abraão do lugar dos mortos não é um problema de futuro. É de agora: é o abismo que criamos entre o nosso modo de viver, indiferentes, e o modo de viver que brota da compaixão…
– Há um provérbio que diz: “Olhos que não vêem, coração que não sente”… Mas, se calhar, até é mais apropriado dizer: “Coração que não sente, olhos que não vêem”, porque é o coração que define a pessoa. Com o nosso estilo de vida, habituámo-nos a não ver; e não vemos porque não sentimos o problema dos outros…
– Pedimos ao Senhor, hoje, que nos dê sensibilidade, que nos capacite para nos colocarmos no lugar dos outros; pedimos que nos ensine a ver e a ter a noção das consequências dos nossos comportamentos neste mundo, para assim prepararmos o mundo que há-de vir…