Diante da multiplicidade de manifestações humanas, da multiculturalidade e da redução das distâncias que separam as pessoas e os povos, há a tentação de cada um se defender das influências dos outros ou dos perigos que eles representam.
Assiste-se hoje a uma tendência para cada um se fechar no seu mundo, nas suas convicções e no seu estilo de vida, e de olhar para o outro sempre com desconfiança, como um potencial inimigo e um perigo para as aspirações pessoais e para a realização dos projectos de vida individuais. Não se admite facilmente que haja outros que possam fazer coisas boas e, muitas vezes, melhor do que os que pertencem ao grupo de que nós fazemos parte.
Mesmo na Igreja, isto pode acontecer: pensamos que nós é que somos os donos da verdade e não damos espaço para os outros… Fechamo-nos no nosso grupinho, porque é o que é bom, e dispensamos os outros… Ora, o Reino de Deus não é património exclusivo nem sequer da Igreja, quanto mais de cada um, individualmente, ou do grupo a que nós pertencemos!…

  1. Um mundo plural

– Quer queiramos quer não, vivemos num mundo multicultural, multirracial e multirreligioso… E é claro que esta situação traz consigo problemas de convivência, de compreensão e aceitação mútua, mas também muitas esperanças de colaboração, de conhecimento recíproco e de enriquecimento mútuo…
– A ideia fundamental das leituras deste domingo é a que sublinha a grandeza do coração de Deus: o seu espírito não é reservado para uma pessoa ou um pequeno grupo, mas é para todos (1ª leitura e Evangelho). Aqueles que lutam contra o mal, estejam onde estiverem, fazem parte do Reino de Deus (Evangelho). Mas, o que se aproveita dos outros e acumula riquezas privando os outros do sustento a que têm direito, não (2ª leitura) …
– Podemos perguntar como é que nós, cristãos, membros da comunidade que se reúne ao Domingo, interpretamos a situação actual de relação com pessoas diferentes, vindas de outros lugares e de outras culturas: consideramo-los uma ameaça ou uma oportunidade? Somos mais tentados a fechar-nos em nós próprios ou a abrir-nos ao diálogo com todos?…

  1. Discernir a acção do Espírito

– Ninguém tem o monopólio do Espírito: em qualquer lugar e sobre quaisquer pessoas o Espírito pode actuar porque é livre (Jo 3,8)… É preciso é estar atento e reconhecê-Lo, seja em quem for, ainda que pense diferente de nós: nas pessoas justas e misericordiosas, em crentes de outras religiões, em não crentes… Dentro da Igreja a variedade também é grande: no Papa, nos bispos, no pároco, mas também nos fiéis, tanto nos mais simples como nos mais instruídos…
– Como se sabe onde está o Espírito de Deus a actuar? – Há um princípio geral indicado por Jesus: “pelos frutos os conhecereis” (Mt 7,16ss)…
– Outro critério apresentado hoje por São Tiago (2ª leitura) também deve ser considerado: a ostentação da riqueza e o desprezo dos pobres é contrária ao plano de Deus… O sistema económico neoliberal, do mercado que nos domina e que caracteriza o nosso estilo de vida, pode ser contrário ao Espírito de Deus… A economia da exclusão e da iniquidade, como diz o Papa Francisco, mata (EG 53), e é contrária ao Evangelho…

  1. Não há grupos exclusivos

– Aquele personagem do Evangelho que aparece a expulsar demónios em nome de Jesus e que não pertence ao grupo dos mais próximos, suscita a inveja de João e denuncia a sua visão sectária: “não é dos nossos”… Do nosso grupo, do nosso partido, da nossa religião…
– Frente ao sectarismo de João e dos discípulos, e de Josué na 1ª leitura, aparecem Jesus e Moisés com um espírito aberto, a mostrar que não conta tanto quem cura ou quem profetiza, mas o bem que é feito…
– As ideias, a raça ou a religião não são os únicos valores que definem o ser humano: o importante, para os cristãos, deve ser o reconhecimento de que todos são filhos de Deus e irmãos uns dos outros…
– Contrariamente ao que alguns imaginam, não é a genealogia, o prestígio ou o grupo que qualificam as obras das pessoas, mas a boa vontade e a construção do bem para todos… O que verdadeiramente conta é que o Reino de Deus cresça, com a colaboração de todos os que lutam contra o mal e procuram o bem, sejam eles quem forem…

  1. “Entrar na vida”

– A propósito da visão sectária de João e dos discípulos, Jesus convida os seus seguidores a tomar a sério o compromisso pelo Reino… As imagens do corpo, da mão, do pé, dos olhos, que podem impedir de entrar na vida, significam o apego às coisas do mundo, a tentação do domínio e da ambição… Não é para tomar à letra “o cortar a mão” ou “arrancar o olho”, mas estas expressões devem levar-nos a estar atentos aos mais pequenos, aos pobres, aos que não são do nosso grupo, a todos os outros…
– Como diz São Tiago, são as situações de injustiça que nós criamos, as que mais nos afastam de Deus e dos valores do Reino… A última palavra não é dos que acumulam riquezas, desprezam e exploram os outros… A última palavra é de Deus…