Na liturgia de cada Domingo, o texto do Evangelho está quase sempre ligado à primeira leitura (normalmente do AT). É o que acontece hoje: centenas de anos antes do Evangelho de Mateus já o profeta Ezequiel dizia que “Deus nunca rejeita aqueles que cumprem a sua vontade, aqueles que se arrependem do seu mau caminho e deixam o seu passado de pecadores”.
Para Deus, não há gente predestinada nem direitos conquistados! É curioso que nós observamos hoje muita gente a apelar para os chamados “direitos adquiridos”, reivindicando o seu estatuto, e impedindo assim quaisquer mudanças porque põem em causa o seu lugar e o nível alcançado!… Ora, para Deus, ninguém tem um estatuto intocável nem qualquer lugar garantido…
A parábola do Evangelho de hoje é dirigida aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, precisamente aqueles que se julgavam cumpridores da lei, com um estatuto superior e que não precisavam de mudar nada; os que cultivavam as aparências e para quem o importante era o que se via…
- Não é questão de currículo
Hoje, dá-se muita importância ao currículo: para qualquer concurso, qualquer emprego, é preciso apresentar o currículo redigido de acordo com as normas… E há muitos currículos de encher o olho!… Depois, na prática, fica-se sempre à espera que prestem atenção a tudo o que se escreveu, às elevadas competências e qualificações, e que haja alguém, com influência, que dê uma mãozinha porque mesmo o currículo, por mais completo que seja, ainda não é suficiente…
– Também diante de Deus alguns têm comportamentos idênticos: apelam para o seu passado, fazem questão de apresentar as suas altas qualificações e as suas boas obras do passado… Só que, para Deus, não conta tanto o passado nem o palavreado ou a boa apresentação do momento: não importa o que se diz que fez, o que parece, mas sim o que se faz no presente…
- Obediente/desobediente – desobediente/obediente
O filho que diz que vai trabalhar para a vinha e depois não vai é o que faz a figura de obediente mas que acaba por não cumprir (desobediente)… O que diz que não vai e depois acaba por ir é o que faz a figura do rebelde e refractário, mas, na prática, até acaba por cumprir… Comportamentos destes existem nas famílias e em muitos grupos… É o problema da distância entre a imagem e a realidade, o dizer e o fazer…
– Jesus diz expressamente que “no Reino dos Céus, os publicanos e as mulheres de má vida, irão adiante dos chamados fiéis e cumpridores”… Eles reconheceram que João Baptista apontava o caminho da justiça, isto é, da vontade de Deus, enquanto os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo não acreditaram nele…
– A situação histórica era esta mas, a atitude das pessoas mantém-se a mesma: há, sobretudo, uma certa piedade religiosa que cultiva a superioridade, que pretende obter certos trunfos para enriquecer o currículo… Se alguém pensa que, com isto, tem o prémio garantido, está enganado… Há justos que se afastam da justiça e praticam o mal… E há pecadores que se afastam do mal e salvam a sua vida (1ª leit)… Custa-nos a admitir isto porque gostamos mais de falar no direito do que na misericórdia; apelamos mais para a justiça e a verdade, e não somos capazes de reconhecer o que vai no coração do homem, de olhar para o lado e perceber o outro, as suas debilidades e as suas capacidades…
- As supostas seguranças são obstáculos
– Jesus não é nenhum inquisidor dos pecadores à maneira dos fariseus e dos doutores da Lei… Mas perturba as consciências dos que se têm por tranquilos…
– Ao seu convite para trabalhar na vinha é extraordinário ouvir primeiro um “não quero” e depois saber que foi trabalhar… Não haverá também nas nossas comunidades gente assim? E nós que aqui estamos, a que grupo pertenceremos? Poderemos ser dos que dizem “sim” com toda a facilidade mas ficar só nas palavras, nas boas intenções, nas aparências ou no sentimentalismo, e pensar que não temos que mudar de vida… Muitas vezes, o problema de dizer sempre “sim”, é que é um bom pretexto para não fazer nada e impedir que outros se insiram com o seu dinamismo neste trabalho da “vinha do Senhor”…
