Porque ficais sem fazer nada
Há uma vinha onde cada um pode chagar à hora que entender e começar a trabalhar. É uma vinha onde todos têm lugar. Uma vinha onde todos têm trabalho e salário. Uma vinha onde todos são bem-vindos.
Há uma vinha que precisa de braços para trabalhar. O proprietário desta vinha chama cada um pelo seu nome e paga generosamente.
Há uma vinha onde eu posso entrar e trabalhar porque o proprietário é generoso.
LEITURA I Is 55, 6-9
Procurai o Senhor, enquanto se pode encontrar, invocai-O, enquanto está perto. Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem perverso os seus pensamentos. Converta-se ao Senhor, que terá compaixão dele, ao nosso Deus, que é generoso em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos, nem os vossos caminhos são os meus – oráculo do Senhor –. Tanto quanto o céu está acima da terra, assim os meus caminhos estão acima dos vossos, e acima dos vossos estão os meus pensamentos. Palavra do Senhor.
Isaías desafia o seu povo a converter o coração à generosidade de Deus, à sua compaixão e capacidade de perdoar, para que despertem em nós os mesmos pensamentos de Deus e se firmem os nossos passos nos seus caminhos de libertação.
SALMO RESPONSORIAL Sl 144 (145), 2-3.8-9.17-18
Deus é grande, compassivo e cheio de bondade. A sua justiça leva-o a aproximar-se dos homens que o invocam de todo o coração.
LEITURA II Flp 1, 20c-24.27a
Irmãos: Cristo será glorificado no meu corpo, quer eu viva quer eu morra. Porque, para mim, viver é Cristo e morrer é lucro. Mas, se viver neste corpo mortal me permite um trabalho útil, não sei o que escolher. Sinto-me constrangido por este dilema: desejaria partir e estar com Cristo, que seria muito melhor; mas é mais necessário para vós que eu permaneça neste corpo mortal. Procurai somente viver de maneira digna do Evangelho de Cristo.
O anúncio do evangelho tem prioridade sobre todas as realidades da vida do cristão. Paulo está preso e deseja libertar-se das cadeias que esta vida lhe impõe por causa do evangelho. Mas ele vive de Cristo e, por isso, mais importante do que a sua libertação é que o evangelho continue a ser anunciado.
EVANGELHO Mt 20, 1-16a
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se a um proprietário, que saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a sua vinha. Saiu a meia-manhã, viu outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha, e dar-vos-ei o que for justo’. E eles foram. Voltou a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde, e fez o mesmo. Saindo ao cair da tarde, encontrou ainda outros que estavam parados e disse-lhes: ‘Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?’. Eles responderam-lhe: ‘Ninguém nos contratou’. Ele disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha’. Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz: «Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, a começar pelos últimos e a acabar nos primeiros’. Vieram os do entardecer e receberam um denário cada um. Quando vieram os primeiros, julgaram que iam receber mais, mas receberam também um denário cada um. Depois de o terem recebido, começaram a murmurar contra o proprietário, dizendo: ‘Estes últimos trabalharam só uma hora, e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o peso do dia e o calor’. Mas o proprietário respondeu a um deles: ‘Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’. Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos».
Para Jesus, Deus é como um proprietário que sai continuamente para contratar trabalhadores para a vinha. Contrata todos os que encontra, independentemente da hora e da situação de cada um. Contrata até os que ninguém quer e a todos dá o mesmo salário, a sua graça, a sua misericórdia, o seu amor, que são tudo o que cada homem precisa para viver cada dia.
Reflexão da Palavra
No final do segundo livro de Isaías, no contexto do eminente regresso a Jerusalém, o profeta recorda a promessa de Deus, feita por Jeremias quando o povo foi levado para Babilónia, por causa dos seus pecados. De facto, Jeremias, após a saída de Jerusalém enviou uma carta aos anciãos, sacerdotes e profetas, cativos em Babilónia, na qual Deus afirma: “Quando se cumprirem os setenta anos na Babilónia, Eu vos visitarei, a fim de realizar a promessa que fiz de vos trazer de novo a este lugar. (…) Invocar-me-eis e vireis suplicar-me, e Eu vos atenderei. Buscar-me-eis e me encontrareis, se me procurardes de todo o coração. Deixar-me-ei encontrar por vós – oráculo do SENHOR – farei regressar os cativos e irei buscar-vos a todas as nações e a todos os lugares por onde vos dispersei, a fim de vos fazer voltar ao lugar donde vos desterrei”.
Isaías recorda ao seu povo que chegou o tempo de procurar e invocar o Senhor que se deixa encontrar. Assim como a necessidade de inverter o caminho que os levou a Babilónia, pelo arrependimento e conversão, pois a compaixão de Deus e a sua generosidade abrem um caminho novo para o regresso à pátria.
Acreditar nesta possibilidade e no tempo presente como tempo de Deus, requer uma nova mentalidade, pois os homens estão longe de Deus, os seus caminhos e os seus pensamentos não coincidem com os de Deus.
O salmo 144, um hino de louvor construído em ordem alfabética, já nos apareceu outras vezes na liturgia dominical. Aqui, surgem alguns versículos que enaltecem o Senhor pela sua bondade e misericórdia, pela sua grandeza e paciência, mas sobretudo pela sua justiça. O Senhor é um Deus próximo, mesmo que os caminhos dos homens sejam distantes dos caminhos de Deus, o Senhor não está longe, “está perto de quantos O invocam”.
Na Carta aos filipenses, Paulo coloca a prioridade do evangelho em relação a todas as situações pelas quais o apóstolo ou qualquer cristão tenha que passar. Paulo está preso e percebe que pode mesmo ser condenado à morte. Nesta situação experimenta sentimentos contraditórios a partir de uma certeza. No sofrimento que ele experimenta no corpo, por estar encarcerado, Cristo é glorificado e, portanto, não importa se morre ou se vive. Paulo já chegou à consciência de que “viver é Cristo e morrer é lucro”.
Neste sentido, os sentimentos atropelam-se. Por um lado, quer morrer para viver definitivamente em Cristo, por outro é necessário que ele continue a anunciar o evangelho.
O evangelho deste XXV domingo do tempo comum é todo ele ocupado com uma parábola de Jesus. Trata-se de uma parábola para explicar o que é o Reino de Deus “o reino dos céus pode comparar-se…” e onde se revela a distância entre os pensamentos de Deus e os dos homens.
Apresentado o objetivo da parábola, Jesus começa a contar, descrevendo uma situação perfeitamente comum naquele tempo e, em muitas situações, também hoje. Chegara o tempo das vindimas e os proprietários precisam de mão de obra para apanhar as uvas. Do mesmo modo, os trabalhadores precisam de ganhar o sustento para as suas famílias.
Estar na praça pública significa estar disponível para trabalhar. O salário é ajustado de acordo com o tempo de trabalho que resta até ao fim do dia. Por isso, Jesus, não se esquece de dizer, que ao contratar os primeiros trabalhadores, o proprietário ajustou com eles um denário.
A parábola conta que o proprietário sai várias vezes à praça pública para contratar trabalhadores. Os primeiros são contratados na primeira hora, os segundos a meio da manhã, os terceiros ao meio-dia, e às três horas da tarde ainda há homens que esperam ser contratados. No final do dia, o proprietário ainda contratou um grupo de homens. Com esta sequência Jesus quer dizer que o proprietário precisa de muitos trabalhadores, aliás ele próprio o diz claramente aos discípulos em outra parte do evangelho “a messe é grande mas os trabalhadores são poucos”. Significa que há trabalho para todos no Reino dos céus e que o proprietário não se cansa de sair à praça pública para contratar trabalhadores. Ninguém se pode queixar de não ter sido contratado porque o proprietário contrata todos os que encontra, mesmo aqueles que ninguém quis contratar.
Se os primeiros trabalhadores sabem que vão receber um denário, o suficiente para viver um dia, os outros não sabem o que vão receber, sabem apenas que será justo, de acordo com o trabalho realizado.
No final da parábola, não esqueçamos que Jesus tem como objetivo explicar o que é o Reino dos céus, o proprietário manda pagar o mesmo a todos os trabalhadores, um denário, como ajustou com os da primeira hora.
De acordo com a economia real, quem mais horas trabalha mais deve ganhar. No entanto, aqui, todos ganham o mesmo, um denário. Está em jogo uma nova economia que assenta, não no trabalho, mas na dignidade do trabalhador que merece o salário para viver um dia e na generosidade do proprietário. Ao ouvir a reclamação dos que trabalharam o dia inteiro, o proprietário objetou que fora um denário o que ajustou com eles, portanto, não há injustiça. E conclui “não me é permitido fazer o que quero do que é meu?”, isto é, não posso ser generoso com quem eu quero? Para questionar “ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?”.
Meditação da Palavra
A partir da experiência dos israelitas no desterro de Babilónia, Isaías dá-nos os elementos para fazermos a experiência de um Deus que cuida e não se esquece do seu povo. O Senhor tinha anunciado pelo profeta Jeremias que, no tempo certo, viria reunir o seu povo para o levar de volta à sua terra. As palavras de Jeremias são recuperadas por Isaías “Procurai o Senhor, enquanto se pode encontrar, invocai-O, enquanto está perto”. Com estas palavras, o profeta, anuncia que chegou o “tempo favorável”, o “dia da salvação”. Deus, “rico de compaixão” e “generoso em perdoar”, está disponível para acolher todos os que o invocam, como diz o salmo 145. O Senhor está perto e aguarda que “o ímpio deixe o seu caminho e o homem perverso os seus pensamentos” para iniciar o caminho novo de regresso. Todos podem vir, porque “O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas”.
É importante salientar este “todos”, porque aqui se revela o novo horizonte, Deus. Os caminhos do Senhor e os seus pensamentos não são como os dos homens. Muito acima dos interesses dos homens está Deus que vê de outro modo e, por isso, a sua generosidade destina-se a todos.
É esta a visão que Jesus dá no evangelho. Na parábola, por ele contada, podemos perceber que há um proprietário que é Deus, um capataz que se identifica com Jesus, os trabalhadores que são todos os homens, uma vinha que tanto pode ser o mundo como a Igreja e o salário, um denário, é a generosidade de Deus, a sua graça, dizemos nós.
O proprietário está preocupado porque não tem trabalhadores suficientes para a sua vinha e há homens de braços cruzados sem fazerem nada. Ele é incansável. Sai a todas as horas do dia para contratar trabalhadores e encontra sempre alguém a quem contratar. Contrata os da primeira hora, os do meio da manhã, do meio dia, das três da tarde e os que ninguém quis contratar, os da última hora. Contrata os que garantem êxito, eficácia, competência, dedicação e contrata os que não dão garantias, mas precisam de um salário para sobreviverem, eles e as suas famílias.
Jesus fala do reino dos céus. Diz que “é semelhante a um proprietário”. Na sua vinha há lugar para todos. Ele não exclui ninguém. Todos podem entrar porque têm garantido o salário mínimo que é a sua generosidade, a sua graça. O proprietário não está centrado na competência e capacidade de produção dos trabalhadores, na quantidade de uva recolhida, mas na sua generosidade e no homem beneficiário da sua gratuidade.
Na vinha deste proprietário, que é Deus, há trabalho para todos e há salário para todos. Nesta vinha não há primeiros nem últimos, todos são iguais e todos recebem igual porque a vinha não lhes pertence, trabalhar não é um direito mas um dom, o salário não é o pagamento justo pelo trabalho realizado mas fruto da generosidade do Senhor que dá o que é seu a quem quer e quando quer.
A mensagem parece clara. Deus tem trabalho para todos na sua vinha. Ele não faz distinção de pessoas. Todos podem entrar no reino dos céus. Cada um entra para trabalhar independentemente da hora. Ele, o Senhor, o justo proprietário, dá a sua graça a todos, mas dá segundo os seus critérios, de acordo com a sua generosidade e conforme a necessidade de cada um e não de acordo com os critérios dos homens.
O mundo é a vinha do Senhor. Nele há lugar para todos, há trabalho para todos. Todos chamados pelo nome para colaborar com o Senhor na obra da criação.
A Igreja é a vinha do Senhor. Nela há lugar para todos, há trabalho para todos. Todos são chamados a colaborar na obra da salvação.
O Senhor conta com trabalhadores incansáveis que não pensam em si mesmos nem procuram garantir para si um salário chorudo, se possível superior ao dos demais. Os trabalhadores aprendem a generosidade do coração do Senhor, aprendem a ter um olhar bom. Paulo é um bom exemplo de trabalhador que entrou na vinha, numa determinada hora do dia, e se dedicou percebendo que o fruto a recolher é o evangelho anunciado a todos, incansavelmente. E toda a sua vida vale, na medida em que serve o evangelho. Ainda que o seu desejo seja ir ao encontro de Cristo libertando-se das limitações do corpo, a verdade é que o evangelho é mais importante que o seu bem-estar pessoal. Compreender isto é compreender o coração de Deus.
Rezar a Palavra
É fácil, Senhor, deixar-se estar comodamente na situação de exilado e não querer levantar-se para regressar à casa do Pai. É fácil ficar na praça pública de braços cruzados sabendo que há trabalho na vinha. É fácil procurar o bem pessoal em vez de lutar para que o evangelho chegue ao coração de todos. É fácil reclamar um salário mais elevado do que o dos outros do que entender a economia da generosidade que favorece os mais necessitados. Convidas-me a converter o coração para deixar que a tua graça chegue em abundância a todos de modo que todos conheçam os teus pensamentos e sigam pelos teus caminhos.
Compromisso semanal
Como é o meu olhar? De que modo sirvo o Senhor? Que reclamações tenho guardadas dentro de mim?