A Liturgia deste Domingo situa-nos no mundo das complexas relações da religião com a política; e os textos que nos são apresentados têm sido submetidos a interpretações variadas e, algumas vezes, incorrectas.
É verdade que a história, passada e recente, regista tanto os conflitos como a promiscuidade destes dois mundos onde a pessoa humana está inserida e onde os seus campos de acção não estão isentos de dificuldades.
Parece que a religião e a política sempre casaram mal (mas também se pode perguntar: com quem é que a política já casou bem?). No entanto, os campos de intervenção cruzam-se e, quase sempre, uma leva à outra porque, no caso concreto da religião cristã, ela não é de sacristia, mas de compromisso; e, portanto, tem que se envolver nas causas económicas, sociais, culturais e políticas sem que, com isto, se queira dizer que os cristãos, ou qualquer outra religião, tenham que fazer o seu partido político: é aqui que está a questão.
- O contexto da resposta de Jesus
– Ouvimos dizer, com alguma frequência, que a frase lapidar de Jesus hoje proclamada no Ev, “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, estabelece as fronteiras entre a religião e a política e deixa claro que os cristãos não devem intervir nas questões políticas… Como assim? Então os cristãos não são cidadãos como os outros? Com que direito eles devem ficar privados de interferir na coisa pública? Não será isto que interessa, algumas vezes, aos ditos políticos para fazerem o que lhes convém?
– Pese embora o peso histórico e as consequências actuais de muitas situações onde os poderes deveriam ter sido separados e andaram juntos, com tudo o que isso acarretou de prejuízo tanto para a Igreja como para os Estados, a interpretação do texto do Evangelho não permite deduzir que os dois mundos, o da religião e o da política, estejam separados por um muro onde não pode haver comunicação…
– A resposta que Jesus dá vem a seguir à tentativa dos fariseus e dos partidários de Herodes, de lhe armar uma cilada; há uma pergunta capciosa que não é, em rigor, uma pergunta, e que pretende apanhar Jesus nalgum deslize: será Ele a favor da dominação romana (os impostos eram pagos a Roma!) ou partidário da revolta (grupos revoltosos contra Roma abundavam um pouco por todo o lado…). A intenção era de colocar Jesus “entre a espada e a parede” e não tanto recolher um ensinamento sobre as relações entre o poder secular (César) e o espiritual (Deus)… Concluir, das palavras de Jesus, que os crentes não devem influenciar politicamente, é abusivo e redutor…
- Deus, acima de tudo
– O mundo secular e o mundo espiritual não devem “ser colocados no mesmo saco”; isto sim, está certo… Porque “o César” muda com frequência, a sua imagem está hoje gravada numas moedas e deixa de estar amanhã, enquanto a imagem de Deus está gravada no coração do homem e mantém-se sempre. Deus deve estar sempre no primeiro lugar…
– Podemos centrar-nos nas palavras de S. Paulo aos Tessalonicenses. A cidade de Tessalónica, fundada três séculos a.C. pelos Macedónios, e declarada “cidade aberta” por Augusto, era uma cidade multicultural, de negócios florescentes, e onde residiam muitos estrangeiros, nomeadamente judeus…
– Paulo dirige-se à comunidade cristã desta cidade saudando-a na forma habitual e elogiando-a pela firmeza da fé, pelo esforço da caridade e pela tenacidade da esperança…
– Como estes cristãos de Tessalónica, também nós hoje vivemos numa confluência de culturas e religiões, raças e ideologias… É assim o mundo global… E, face a todas estas novas situações, sabemos da tendência de grupos, religiões e ideologias para se fechar em si próprias tentando impor um cenário de uma só cor…
– Quer queiramos quer não, este mundo é multicolor e é nele que os cristãos se inserem dando provas da actividade da sua fé, esforçando-se por actuar com caridade, cultivando uma sã independência, a ternura e o acolhimento, nunca desanimando porque sabem em quem puseram a sua esperança…
– Deus não é apenas o Senhor de uma parte do homem ou de um âmbito exclusivo das suas actividades: Deus é o Senhor do mundo e da história e abarca todos os âmbitos da vida da pessoa…
– Haver um Ciro (rei da Pérsia, vencedor da Babilónia e libertador dos judeus – 1ª leit) ou um qualquer César, é relativamente secundário contanto que “se dê a Deus o que é de Deus”…