Mistagogia da Palavra

A Liturgia deste domingo traz-nos uma mensagem de esperança. Deus, que sofre connosco num acto supremo de amor, ama o mundo. Não permite o mal tranquilamente, como que cruelmente. O mal não vem d’Ele; pelo contrário, Ele o combate. Deus apresenta-Se a nós como Salvador, numa das penas de morte mais cruéis que a humanidade conhece: uma estaca vertical,uma trave horizontal e aí, suspenso, um homem que é Deus. Aquela cruz prolonga-se em todas as gerações como um homem de braços estendidos, indica o insondável mistério de Deus, o centro do mistério. Na cruz Deus abriu o seu coração, revelou o seu mais profundo segredo: um Deus solidário com todos os homens.
A lª leitura é do Livro de Isaías. Fala-se do “Servo do Senhor”. Trata-se de um homem ultrajado, humilhado, insultado, derrotado, que Deus todavia não abandonou nas mãos dos inimigos, mas glorificou, fazendo da sua obra um sucesso e mostrando a todos que ele era um homem justo. Todas as gerações cristãs viram neste homem a imagem do seu Mestre Jesus, rejeitado pelos contemporâneos, mas reconhecido por Deus, através da ressurreição, como o verdadeiro vencedor.
A 2ª leitura é da Epístola de São Tiago. O Apóstolo diz-nos que a fé que não leve a fazer obras é morta. Mas que obras? Ele já tinha dito que a religião “pura e sem mácula” consiste em ajudar os órfãos e dar assistência às viúvas, em suas tribulações. Hoje volta ao tema, com um exemplo muito claro e concreto: Se um irmão tem fome ou não tem que vestir, é inútil consolá-lo com palavras apenas, mas é preciso dar-lhe ajuda concreta, sob pena de não se poder dizer que tem fé.
O Evangelho é segundo São Marcos. Jesus interroga os discípulos sobre a sua pessoa. Ouve o que dizem d’Ele os outros e por fim quer saber o que eles próprios pensam. Pedro afirma que Ele é o Messias esperado. Jesus aproveita a ocasião para corrigir a ideia corrente sobre o Messias: salvará o mundo pelo sofrimento e pela morte e não pelo triunfalismo deste mundo. Pedro reage, mas é repreendido severamente. Por fim Jesus indica o verdadeiro caminho de quem O quiser seguir: renegar-se a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir pelos passos que Ele seguiu.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, prepara o meu coração para o desafio de se semear no coração dos outros.

Evangelho    Mc 8, 27-35
Naquele tempo, Jesus partiu com os seus discípulos para as povoações de Cesareia de Filipe. No caminho, fez-lhes esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?». Eles responderam: «Uns dizem João Baptista; outros, Elias; e outros, um dos profetas». Jesus então perguntou-lhes: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Pedro tomou a palavra e respondeu: «Tu és o Messias». Ordenou-lhes então severamente que não falassem d’Ele a ninguém. Depois, começou a ensinar-lhes que o Filho do homem tinha de sofrer muito, de ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto e ressuscitar três dias depois. E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas. Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-l’O. Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens». E, chamando a multidão com os seus discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».

Caros amigos e amigas, neste Domingo, somos provocados com um inquérito. Hoje a Palavra é uma pergunta, porque só procura respostas quem se deixa perguntar. Na aventura do seguimento Jesus será sempre o guia e o caminho, a interrogação e a certeza…

Interpelações da Palavra

Tempo para sondagens
O caminho com Jesus é uma escola. É neste caminho, com os seus discípulos, que o Senhor provoca e desinstala, educa e se dá a conhecer. Na proximidade, perfumada com o movimento da peregrinação, Jesus desencadeia um tempo para sondagens. Não é certamente um processo de candidatura eleitoral, nem um instrumento de satisfação pessoal sobre o resultado da sua missão: “quem dizem os homens que Eu sou?” Os discípulos parecem ficar eufóricos. É entusiasmante capturar opiniões, dar corda ao “diz-que-diz”! Sim, Jesus, dizemos-te tudo o que ouvimos sobre ti! Dizem que és… Ainda hoje há tantas “versões de Jesus” que absorvemos de fora, que nos servem para ter que dizer, que nos dão jeito para opinar, que usamos para forjar reflexões históricas, antropológicas e até teológicas. Mas Jesus continua a descer dentro, mais dentro e sonda os corações: “E vós quem dizeis que eu sou?” até chegar ao pronome perturbante: “E tu?” e então Ele me abala e percebo que há uma resposta que não posso encontrar em enciclopédias, nem destilar de qualquer opinião… porque, mais do que Ele me pedir para O definir, Ele pede-me que me defina.

Sofrer e ser morto…

Estamos no centro do Evangelho de Marcos onde a pergunta sobre a identidade de Jesus recebe e irradia luz. Este centro catalisador de várias perguntas que se foram sucedendo desemboca na espontaneidade de Pedro: “Tu és o Messias!”. E este Pedro, logo a seguir, sem o perceber, com o seu espírito ainda pejado de egoísmo, provoca outra pergunta, mais desconcertante que lança os leitores numa peregrinação ainda mais arrojada sobre que tipo de Messias é este… sofrer e ser morto… Parece que Pedro não ouviu a última parte, que estas duas palavras ofuscaram a última. Pedro, e nós ainda hoje, perguntamo-nos sobre o sentido do sofrimento e da morte, a lógica de um Deus Todo Poderoso que permite a morte do Seu Filho Amado, dos filhos amados de hoje. É a pedagogia de Marcos no seu melhor. A repreensão de Jesus a Pedro é a mesma dada ao tentador. Ainda não entendemos Jesus, mas Ele também não nos responde logo. Temos de O acompanhar até ao fim para perceber… qual é a última palavra.

A última palavra é a Vida

Voltado para a multidão, hoje para nós que escutamos e comungamos a Palavra, Jesus apresenta a bandeira do seu “partido”: a cruz e o “programa” que o move: o amor. Ele fala em perder a vida, é verdade, mas não é uma perda no vazio. Apesar de queremos frutos imediatos, Jesus anuncia-nos a um investimento da vida que a fará rentabilizar ao máximo. O segredo não está na cruz. Jesus não nos diz para cada um procurar uma cruz, não fomos criados para morrer debaixo de uma cruz! O segredo está no seguimento da nossa vida até à Vida d’Ele. Ele diz-nos que cada um tome a cruz que tem, a assuma, a leve com(o) Ele até ao jardim, faça dela uma árvore, floresça e frutifique com ela. E isto é possível pelo amor! A nossa vida é um valor que rentabiliza quando depositado no coração dos outros, é semente que germina quando semeada nas fomes dos irmãos, multiplica-se pela atenção, recebe incremento quando colocada ao serviço, disponibilizada como plataforma de salvação. A Vida é a última palavra do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, assaltam-me tantas perguntas que não me respondem a vida,
dia a dia confronto-me com tantas desilusões e contrariedades que me afogam a alegria…
Concede-me uma pergunta que te possa perseguir, uma pista, um caminho para te seguir!
Concede-me silêncio para que possa ouvir a Tua Palavra, porque quero peregrinar contigo.
Eu te bendigo, Senhor da Vida, porque o teu amor me vivifica, na tua Cruz encontro a redenção!

Viver a Palavra

Vou identificar todas as cruzes que, pelo egoísmo, rejeito e desperdiço.