Depois de, nos Domingos anteriores, termos escutado vários textos sobre as exigências do seguimento de Jesus, eis que hoje se verifica que são os publicanos e os pecadores, os ilegítimos, os transeuntes, os que não têm morada fixa, os marginais, os punidos por pequenos delitos que não tiveram possibilidade de se defender como outros, que se aproximam de Jesus. Este facto levou os fariseus e os escribas, os que se consideravam cumpridores, que pertenciam a grupos e comunidades bem estabelecidas, os que estudavam e frequentavam cursos e centros de prestígio, a murmurar contra os que andavam com Jesus. É este contexto que leva Jesus a falar do amor misericordioso de Deus. O Evangelho de hoje não se refere tanto aos seguidores de Jesus mas sublinha quem é Deus, Aquele que nós queremos seguir. As parábolas que Jesus conta, sobretudo a conhecida parábola do “filho pródigo” que é melhor identificada como parábola do “Pai bom e misericordioso”, resumem-se nisto: Deus é um pai bom. O verdadeiro protagonista é o pai, que actua como Deus faz connosco: perdoa e dá nova vida, primeiro faz a festa do perdão e da reconciliação e depois dá tempo para alterar e corrigir.

  1. A construção dos ídolos

– A passagem do livro do êxodo (1ª leitura) narra a grande rebeldia e negação do povo no deserto depois de ter sido tirado do Egipto pela força libertadora de Deus… Quando lemos este texto perguntamos como é que aquele grupo, que foi tirado da escravidão do Egipto, se esqueceu tão depressa das obras maravilhosas de Deus e se volta para o ídolo…
– Mas esse ídolo é, curiosamente, o “bezerro de ouro”, aquele que é feito do “vil metal”, que também nos seduz a nós em todos os tempos, e particularmente nas últimas décadas: é ele que substitui, tantas vezes, o Deus da vida, do amor e da justiça… Todos nós nos vamos curvando diante do ídolo de uma economia que crescia, e agora parece estagnar ou caminhar para a recessão face às crises provocadas pela guerra… Parece que este ídolo se constrói sem se saber bem como nem à custa de quem… Adorámos este ídolo da produção, do comércio e do possuir… “Se todos assim fizeram porque é que nós não havíamos de ter feito? Temos os nossos direitos!… Quem não gasta, ou desperdiça, parece que não existe!…”
– Este ídolo tem sido adorado por todos nós… E, por isso, todos somos responsáveis pela situação a que chegámos. Com certeza que a responsabilidade não pode ser imputada a todos por igual: há os senhores da guerra, as alterações climáticas, as secas que ocorrem com frequência… Mas temos lá a nossa quota-parte… E assim sendo, também todos temos que mudar assumindo a nossa parte do sacrifício… Podemos ter sido enganados, mas nós também permitimos tudo para que nos enganassem…
– Parece que vivemos em crises sucessivas, e elas são, em grande parte, fruto da injustiça entre os humanos… Facilmente falhamos, caímos, deixamo-nos arrastar por propostas e ambições enganadoras, e não sabemos como podemos dar a volta à situação… Só quando descobrirmos que a disposição de Deus para perdoar é absoluta e contínua é que vemos alguma saída… “No amor e no perdão só Deus é único”…

  1. As parábolas e a magnanimidade de Deus

– As parábolas que hoje ouvimos no Evangelho mostram como Deus é sempre misericordioso e bom: como também é dito no livro do Êxodo, apesar da ameaça, Deus não castiga, desiste da punição e usa de misericórdia…
– Em comum, as três parábolas do Evangelho desenvolvem a reacção de alguém perante uma perda: a ovelha, a dracma e o filho… Na última, trata-se de perder uma pessoa e, quando nós dizemos que alguém “está perdido” queremos afirmar que a sua perversão chegou a tal ponto que “já não tem remédio”… Mas é o mesmo Evangelho de São Lucas que diz que “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (19,10); portanto, para Deus, todos têm recuperação…
– Depois, as parábolas falam do ir à procura do que estava perdido… Arrisca-se tudo para ver se se encontra: deixam-se as outras ovelhas, revolve-se a casa, o pai sai de casa, corre, abraça, cobre de beijos, não admite sequer ouvir falar em termos de acordo, volta a sair de casa para falar com o outro irmão, conversa sem recorrer à sua autoridade…
– Finalmente, dá-se o encontro e descreve-se o resultado: partilha-se a alegria de ter encontrado a ovelha perdida, chamam-se as vizinhas para comunicar a novidade, organiza-se um banquete para fazer a festa… Parece tudo um pouco exagerado mas, é assim a lógica de Deus, que supera, em muito, a nossa, aquilo que nós consideramos admissível… Porque os nossos comportamentos são, no geral, calculistas. Fazemos as coisas por equivalências: perdoo a quem me perdoa, se o outro vier ter comigo, está bem, até podemos conversar, mas ele que venha primeiro…
– Ora, Deus não é assim porque Ele não cobra nada… O seu amor é magnânimo, gratuito… Bem o experimentou S. Paulo: “eu, que era pecador, alcancei misericórdia; a graça de Nosso Senhor superabundou em mim” (2ª leitura)…
– Há quem diga que este reconhecimento do perdão absoluto de Deus pode banalizar o próprio Deus e tornar-nos, a nós, insensíveis e inclinados a cometer repetidas transgressões… De facto, isto pode acontecer, porque o perdão é sempre oferecido… Mas nunca podemos esquecer que há uma condição essencial para a reconciliação: é preciso “sentir necessidade do perdão”, predispor-se “a voltar a casa” como “a ovelha perdida”, como o filho que está completamente abandonado… É nestas circunstâncias que se descobre que “Deus não é um amor acumulado e guardado para si (uma santidade estática, como professam algumas religiões), mas amor oferecido por quem está à espera do nosso regresso a casa”. É a fé num Deus que é amor partilhado que permite compreender o que é dito na parábola: “este teu irmão estava morto e voltou à vida”…