A Liturgia deste Domingo volta ao tema do perdão e às contas que, neste domínio, não podem ser feitas porque no Reino de Deus as oportunidades são ilimitadas. Por natureza, somos calculistas e tendemos “a ajustar as contas” como meio para sanar os conflitos. Mas, nestas coisas da reconciliação e do perdão, os números nunca saem bem. No Reino de Deus só se conhece o zero nas dívidas e o infinito no perdão. As matemáticas, no Reino de Cristo, não funcionam, porque a tendência é para o infinito, tanto no perdão como nas virtudes que acompanham o acto de perdoar.

  1. O perdão é exigente

– É curioso notar que, a pergunta de Pedro no Evangelho de hoje, “se meu irmão me ofender, quantas vezes deverei perdoar-lhe?”, que recebe como resposta “sempre”, dá por suposta a ofensa, mas não supõe o arrependimento de quem ofendeu… No processo de reconciliação, nós costumamos colocar, no início, o acto de arrependimento. Ora, tanto o livro do Eclesiástico como o Evangelho colocam em relevo unicamente o perdão…
– Dá a impressão que, mesmo que o irmão não peça perdão, deve ser perdoado… A exigência do perdão impõe-se como um acto gratuito e não pode ser só a resposta ao arrependimento do outro… O perdão é o primeiro passo e parece que é o perdão que deve gerar o arrependimento…
– A ordem parece ser a seguinte: perdão, arrependimento com reconhecimento do erro, vontade de mudar… Significa isto que o perdão é exigente; é o acto de perdoar, numa relação fraterna, que desencadeia o processo da reconciliação…
– Mas, isto só se compreende e só tem possibilidade de concretização se, a par do sentimento de fraternidade, houver a consciência filial… É nesta perspectiva que se entende a parábola contada por Jesus e que parece contradizer a ideia da misericórdia sem limites: se Deus usa de misericórdia com cada um de nós, como poderemos nós negar o perdão ao outro? Só quem descobre que foi perdoado tem a capacidade de gerar perdão e de restabelecer relações em ordem ao futuro…
– A nossa fraternidade é baseada na filiação divina e não noutras quaisquer categorias… Só a partir da condição filial comum é que se pode construir uma comunidade de irmãos… Nesta base, a exigência de justiça que passaria pela punição do ofensor para sanar a quebra das relações, também perde sentido, porque só o perdão oferece ao outro a possibilidade de se arrepender…

  1. Só o amor liberta

– A parábola de Jesus confirma que só se pode aprender a perdoar a partir da nossa relação com Deus… À medida que crescemos nesta relação de encontro com Deus podemos fortalecer a nossa capacidade de perdoar…
– Gostamos muito de rezar a oração atribuída a S. Francisco de Assis: “Senhor, faz de mim um instrumento da tua paz: onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver ofensa, que eu leve o perdão, onde houver discórdia, que eu leve a união… Que eu procure mais consolar do que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar do que ser amado…” Pois, esta oração só se compreende a partir do amor de Deus. Como dizia São João da Cruz: “Onde não há amor, coloca o amor e colherás amor”…
– A vingança só serve para agravar a dor e perverter o sentido da justiça… Só o amor que se oferece é a resposta adequada ao sofrimento…
– A pergunta que fica, no final, é esta: como fazer compreender ao mundo de hoje este dinamismo do perdão? Primeiro que tudo, deve provar-se que se pode perdoar… E consciencializar mais profundamente o que rezamos no Pai-Nosso: “Perdoai as nossas ofensas como nós perdoamos a quem nos ofende”… Não há amor sem perdão nem perdão que não seja expressão de amor para quem nos ofende…