O texto do Evangelho segue imediatamente o do Domingo passado: há oito dias, Pedro fazia a mais bela confissão de fé em Jesus Cristo; hoje, comporta-se como alguém que quer impor as coisas à sua maneira e leva a mais dura reprimenda de Jesus. Em causa está o modo como Jesus dará testemunho da sua messianidade e a compreensão dos discípulos. Estes, de facto, têm dificuldade em entender e precisam que Jesus lhe dê instruções muito concretas.

1. Carregar a cruz

– Jesus previne os discípulos sobre o seu caminho para Jerusalém e o que por lá vai acontecer: é o primeiro anúncio da paixão, morte e ressurreição… Face à incompreensão dos discípulos, Jesus fala-lhes da necessidade de carregar a cruz para o seguir…

– Numa sociedade que promove a cultura da satisfação pessoal, quando aparece a dor, ninguém sabe o que há-de fazer e fica logo tudo atarantado… Quem é que é capaz de integrar o sofrimento a partir da fé em Jesus Cristo?…

– A aspiração dos discípulos é a afirmação de um messianismo de poder e glória… Por isso, a cruz paralisa-os… O Evangelho retomará isso, depois da ressurreição, quando Jesus recorda aos discípulos desiludidos: “Era necessário que o Messias sofresse…” E a decepção dos discípulos de Emaús confirma as dificuldades: “Nós esperávamos que fosse Ele a libertar Israel!…” Mas, esperar o quê? Que sinais é que Jesus tinha dado? Como eles, também nós andamos, por vezes, muito enganados!…

2. Salvar a vida…

– A reacção de Pedro às palavras de Jesus é a reacção do homem comum, daquele que se conforma com o ‘normal’… Só que, tantas vezes, este chamado ‘normal’ prega-nos partidas e lá se vão os nossos projectos assentes nos critérios humanos e não nos de Deus… É preciso assumir a vida como Jeremias (1ª leit): foi agarrado pela Palavra e, ainda que isso lhe trouxesse muitos dissabores na relação com os outros, não podia desistir…

– Quando Jesus convida a ‘carregar a cruz e a segui-Lo’ não é só a suposta cruz de cada um mas também a dos outros porque seguir Cristo é partilhar a condição de vida da humanidade (lá está, mais uma vez, Jeremias)… Ninguém pode salvar a sua vida pensando só em si… Perde-se para a salvar ao serviço dos outros…

– Seguir Jesus é morrer para viver, amar dando a vida… Não é preciso chegar ao chamado ‘martírio’… É viver o quotidiano de um modo perseverante, é estar atento às necessidades do dia-a-dia, é o serviço gratuito e o perdão a quem nos ofende…

– As palavras de Jesus sobre “o salvar a vida e perdê-la, perder a vida para a encontrar” mexem connosco e põem o dedo na ferida dos nossos critérios de felicidade e realização pessoal…

​- É preciso negar-se a si mesmo para dar mais atenção aos outros…

​- Renunciar às riquezas e conformar-se com o necessário…

​- Recusar a comodidade e assumir o esforço que conduz à mudança…

​- Relativizar o que nos dizem que é importante e propor a simplicidade…

​- Ultrapassar o comum (‘normal’) para pôr em marcha o que parece impossível.

– A cruz que Jesus nos oferece no é impossível porque até está feita à medida de cada um. Agora, também é verdade: Deus deu-nos capacidades para fazer mais do que aquilo que pensamos, bastante mais para podermos contrapor a esta sociedade consumista e inimiga do sacrifício que faz da publicidade de uma vida fácil e cómoda a sua principal bandeira.