Mistagogia da Palavra
Liturgia deste domingo fala-nos da humildade. É difícil para nós admitir que a humildade é a atitude própria do homem perante Deus, atitude que não o diminui, mas que o coloca no seu lugar. É, além disso, o estilo mais social e que melhor possibilita a relação do ser humano com os seus semelhantes. Para entender isto, para ser humilde e andar na verdade da nossa própria condição, precisamos de ser pobres de espírito diante de Deus, ou seja, vazios de nós mesmos, para poder ser chamados por Ele, sabendo que tudo na nossa vida é graça e dom, efeito da misericórdia e do amor que Deus nos tem.
A 1ª leitura é do Livro de Ben-Sirá. Basta uma rápida verificação, para nos darmos conta de que tudo aquilo que somos é um presente de Deus. D’Ele provém a vida, a beleza, a força, a inteligência, as qualidades que temos. Nada é nosso, de nada nos podemos vangloriar. É ridículo quem exibe os dons de Deus como se fossem seus. É insensato quem ostenta as qualidades que recebeu para se confrontar e para se impor às outras pessoas. Os dons de Deus foram-nos dados para que deles façamos dom aos irmãos.
A 2ª leitura é da Epístola aos Hebreus. Os Hebreus que se tinham convertido ao cristianismo continuavam a ter uma certa nostalgia da religião de seus pais. O autor da Carta procura iluminá-los, fazendo um confronto entre a religião antiga, representada pelo monte Sinai, e a religião cristã, que tem como símbolo a nova Jerusalém. Hoje os cristãos sabem que podem dirigir-se directamente ao Pai, sem nenhuma reserva e sem medo. O único mediador é Cristo, que não procura servos, mas amigos.
No Evangelho, segundo S. Lucas, o Reino de Deus aparece insinuado, uma vez mais, num banquete em que Cristo participa pessoalmente. Jesus propõe duas atitudes para aceder ao reino: a humildade e o amor desinteressado ao próximo, em especial ao mais desamparado. O episódio evangélico tem dois momentos: a) Parábola dos lugares na mesa. Trata-se de uma atitude religiosa que tem a ver com o lugar no banquete do Reino de Deus. Na escala dos lugares que Jesus estabelece na comunidade cristã, o primeiro é o último, aquele que serve. b) A escolha dos convidados. Tem de evitar o cálculo interesseiro, diz o Senhor; porque a lei do Reino, que é dom gratuito de Deus ao homem, é o amor sem factura, o dar a fundo perdido.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, infunde no íntimo do nosso coração o desejo do que é humilde e verdadeiro em Deus.
Evangelho segundo S. Lucas 14,1.7-14
Naquele tempo, Jesus entrou, num sábado, em casa de um dos principais fariseus para tomar uma refeição. Todos O observavam. Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares, Jesus disse-lhes esta parábola: «Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado». Jesus disse ainda a quem O tinha convidado: «Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.
Caros amigos e amigas, o Evangelho de hoje convida a ser uma casa pobre, lugar de Verdade e o Amor Eterno.
Interpelações da Palavra
Ao notar como os convidados escolhiam os seus lugares, Jesus disse-lhes…
A humildade de me deter diante dos lugares, das pessoas, dos costumes…sem julgar. Deter-me para permitir o tempo de “notar”, de contemplar o Deus que se revela, antes de julgar e, sobretudo, antes de falar. Tenho-me permitido esse tempo para “notar”, ou sou rápido a sacar e disparar a arma do meu juízo e dos meus julgamentos? Deus é sempre um Deus escondido. Só um olhar atento, paciente e compassivo o encontrará. Em todos os lugares, sobretudo nos lugares mais inesperados, do mundo em que vivemos e do meu próprio mundo interior, um coração atento encontrará um rosto deste Deus, sempre surpreendente.
”Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar.”
A humildade de aceitar não ser o melhor, o maior … Os lugares de Deus são diferentes dos lugares do mundo. Em Deus cada um de nós tem um lugar, que é o seu, único, insubstituível e intransmissível. Um lugar que mais ninguém pode ocupar e onde sou a chamado a ser o que mais ninguém pode ser por mim…ser eu próprio. Em Deus não há primeiros nem segundos, só há lugares e são todos sagrados. Que eu não me ache “o que mais” seja o que for -o que mais pensa, sabe, faz…-, porque o que mais importa é a verdade na entrega de amor que impregna aquilo em que me dou. O amor não tem medida, nunca é demais e “jamais acabará” 1 Cor 14,8a.
“Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres aleijados, os coxos e os cegos”
A humildade de amar quem mais precisa e não quem eu acho que merece. O Amor de Deus é diferente do amor do mundo. É um Amor humilde que brota de um coração misericordioso: que não espera recompensa, reconhecimento ou gratidão; não tem preço nem está à venda; “ tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13, 7). Quem menos merece, aos meus olhos, pode ser precisamente quem mais precisa de amor aos olhos de Deus. Os pobres, aleijados, coxos e cegos da minha realidade concreta, podem ser aqueles que por um “passo mal dado” me são tão difíceis de amar. Mas foi precisamente esse o caminho libertador de compaixão e perdão que Jesus nos deixou, para que cada um o faça passos concretos dos seus dias. Cada um de nós encerra uma história ferida, onde os “passos mal dados” têm as suas raízes e que só o amor pode sarar.
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, procuro a humildade. Procuro a verdade aos Teus olhos.
Só a humildade prepara o íntimo do coração, para nele poder acolher e guardar a Tua palavra e permitir que aí lance as Suas raízes e dê fruto.
Queria deixar aqui aos Teus pés,
As velhas roupas, apertadas e gastas,
para abraçar a coragem do despojamento
e me lançar na alegria e liberdade dos pobres filhos de Deus.
Senhor, faz-me muito pobre em Ti.
Viver a Palavra
Esta semana, na minha realidade concreta, detenho-me diante de uma situação ou de uma pessoa que me é difícil. Procuro despojar-me de certezas, sentimentos, julgamentos, talvez eu não saiba tudo… Peço a Deus a graça de um olhar novo e mais humilde, menos meu e mais de Deus.