Mistagogia da Palavra

Toda a intervenção de Cristo na história do mundo, como nas vicissitudes pessoais de cada homem, exige uma resposta decidida e precisa, um sim ou um não. E isto não vale só para a hora que está acima de todas as outras horas (a do aparecimento final diante de Cristo), mas é válido também para cada acção do homem enquanto procede de um juízo interno que diz sim, ou não àquela “Luz que ilumina todo o homem, que vem a este mundo. A Eucaristia põe os fiéis diante de Cristo e interpela-os e impele-os a uma opção decisiva. A palavra proclamada na Missa é luz, e o pão oferecido a todo o cristão é força e alimento para uma resposta positiva aos apelos de Cristo.
A 1ª leitura é do Livro de Josué. O sucessor de Moisés no governo do povo de Israel, Josué, convocou todas as tribos de Israel para uma assembleia geral em Siquém e propôs-lhes como única opção válida a que ele e sua família tinham tomado: servir o Senhor Deus de Israel. Para tanto tinham de renunciar aos falsos deuses dos antepassados e aos deuses da terra que agora habitam. O povo respondeu a uma só voz: “O Senhor é o nosso Deus”.
A 2ª leitura é da Epístola de São Paulo aos Efésios. “O matrimónio cristão reveste-se de uma significação nova. A união do homem e da mulher no matrimónio é apresentada como imagem do mistério da união de Cristo e da Igreja: Cristo amou a Igreja, deu a vida por ela, purificou-a no seu Sangue. Assim, neste amor de Cristo pelo seu povo terão também os esposos o modelo de amor com que hão-de amar-se um ao outro e constituir a sua família” (Do Missal Popular Dominical)
O Evangelho é segundo São João. O trecho lido neste domingo conclui o capítulo VI de São João, que temos lido desde o Domingo XVII. No texto de hoje descrevem-se duas reacções contrapostas ao discurso de Jesus sobre o pão da vida que é a sua propria carne, ou seja, Ele mesmo; reacção negativa, uma, e positiva outra. A pergunta final de Cristo, sobre a decisão a favor ou contra Ele, é a opção entre a fé e a descrença. Pela fé optaram, os Doze, pela boca do apóstolo Pedro; pela descrença a maioria do povo e dos discípulos. Nas opções de cada dia e sobretudo na Eucaristia, podemos repetir com verdade as palavras de Pedro. “Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!?.

A Palavra do Evangelho

Evangelho    Jo 6, 60-69
Naquele tempo, muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram: «Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?». Jesus, conhecendo interiormente que os discípulos murmuravam por causa disso, perguntou-lhes: «Isto escandaliza-vos? E se virdes o Filho do homem subir para onde estava anteriormente? O espírito é que dá vida, a carne não serve de nada. As palavras que Eu vos disse são espírito e vida. Mas, entre vós, há alguns que não acreditam». Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início, quais eram os que não acreditavam e quem era aquele que O havia de entregar. E acrescentou: «Por isso é que vos disse: Ninguém pode vir a Mim, se não lhe for concedido por meu Pai». A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele. Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?». Respondeu-Lhe Simão Pedro: «Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus».

Caros amigos e amigas, depois da longa catequese destes últimos Domingos, agora Jesus deixa-nos “entre a espada e a parede”, há que tomar uma opção! Continuamos com um cristianismo “à minha maneira” que só vai até onde o egoísmo deixar, ou ousamos acompanhar Jesus naquela entrega “até dar a vida?”

Interpelações da Palavra

O murmúrio continua

Perante as palavras exigentes de Jesus, eles tinham que inventar um pretexto para, de qualquer maneira, se esquivarem a um compromisso. Primeiro era a multidão que murmurava, agora são os discípulos. Aquela linguagem de “ser carne para se dar a comer”, ou seja de sair da concha do meu egoísmo para prestar atenção aos outros, não correspondia nem aos seus sonhos de bem estar temporal, nem muito menos às suas ambições de grandeza humana. Como condescender com aquela ideia louca de “me dar aos outros”? Primeiro murmuraram, depois acusaram Jesus de ser demasiado duro. No entanto, Ele maravilha-nos quando não deixa perturbar a sua serenidade nem pelo êxito, nem pelo fracasso. Jesus não está interessado em “segurar” os ouvintes, nem busca o aplauso, por isso não amolda as palavras aos seus gostos. A sua palavra é a verdade. E, como Mestre da verdade, Ele continua a tentar revelar-nos o segredo do amor de Deus… e a incentivar-nos a apostar nas coisas do espírito, porque “a carne não serve de nada”.

Jesus sabia

Sim, Ele sabia. Não como adivinho sagaz, que coloca a intuição ao serviço de si mesmo, mas como quem está apto a orientar. Aquele que nos conhece, melhor nos pode conduzir pelos meandros dos nossos comportamentos até deixar exposta a nossa incoerência e fragilidade. Neste texto comove-nos uma evidência que envergonha os nossos juízos apressados e tendenciosos: Ele sabia até “quem era aquele que o iria entregar”. E, no entanto, até ao cenáculo, a delicadeza do Mestre permanece inalterável para com todos. Se eu estivesse no lugar de Jesus, não procuraria arredar o opositor da minha vida? Mas Jesus nunca desiste de alguém! Sabemos bem como mantém “aquele que O iria entregar” junto de Si e não o faz por ingenuidade, nem usa da coação para com ele. Continua a alimenta-lo da Palavra e da Eucaristia, ama-o até ao fim, dá-lhe o dom da sua confiança, tal como ao volúvel Pedro, como aos outros frágeis dez. Faz o mesmo connosco: mantém-nos com Ele… sempre. Procura-nos, acolhe-nos. Sabe que havemos de O negar, que O vendemos por pouca coisa e no entanto… ama-nos… sempre! Como podemos ser indiferentes a tal amor?

Quereis ir embora?

Depois das multidões e dos discípulos, por fim o crivo é aplicado aos Apóstolos! Esta pergunta não é tanto para obter uma informação –  porque Ele sabia –  mas para permitir aos próprios Apóstolos a consciência da sua adesão. Jesus tinha de pôr as coisas claras. Não estranhemos se também às vezes nos põe à prova! Não é tanto para “ver” se somos fiéis, mas para nos dar a conhecer a nossa fragilidade e finitude e aquela incoerência que, encoberta, não nos deixará avançar. O admirável Mestre não vive dependente dos nossos “sins” ou “nãos”. Ele quer que nos deixemos conduzir por Ele, mas isso é tão livre, tão livre que Ele deixa todas as portas abertas. Quem estiver com Ele terá de estar de uma forma totalmente livre! E nós, amigos e amigas, não queremos ir embora. Como afastar-nos do doce Evangelho?

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, a clareza da tua mensagem, a eloquência dos teus gestos atingem-me vitalmente.
Hoje, com Pedro, oro: já não posso ir para mais nenhum lado. O meu olhar é a ti que procura.
Não poderei deixar de te seguir se quiser investir no máximo de mim… e quero, Senhor!
Tu tens palavras de vida: a tua Palavra fala-me por dentro, é ela que me move,
Tu és o meu Mestre, o centro do meu viver, a fonte da minha vida, a tua vida me vivifica,
é na tua vida que renasço e quanto mais de ti me encho tanto mais me posso tornar fonte.
Tu és a estrada e a meta. Não deixes que nunca me possa afastar de ti. Aceito, quero seguir-te!

Viver a Palavra

Vou procurar, na minha verdade, quais as motivações que me levam a seguir Jesus.