Há duas expressões que são frequentemente repetidas pelo Papa Francisco e que caracterizam o seu Pontificado: uma “Igreja em saída” e uma Igreja “de portas abertas”. Esta concepção da Igreja mostra que ela não é nenhuma fortaleza, onde apenas alguns se recolhem para se sentirem seguros e se considerarem os únicos beneficiários dos dons trazidos por Jesus Cristo, e que a mensagem de Jesus deve chegar a todos.
O Papa proclama uma Igreja aberta, capaz de integrar a todos sem fazer acepção de pessoas. Contudo, esta visão não pode confundir-se com a anarquia ou com a ausência de quaisquer normas ou orientações que levaria a uma actuação indiscriminada na vida pastoral. O Papa também vai recordando que é preciso fazer o discernimento das diferentes situações da vida das pessoas, numa actuação continuada, procurando sempre as melhores soluções. Ora, isto dá trabalho e compromete: é verdade que são muitos os chamados e a mensagem é universal mas, Jesus recorda que a porta é estreita, e esta porta é o próprio Jesus por onde todos devem entrar.
1. A pergunta do Evangelho
— No caminho para Jerusalém, Jesus vai ensinando por todos os lugares e é confrontado com uma pergunta: “são poucos os que se salvam?” As motivações de quem interroga Jesus podem ser variadas: curiosidade, medo de ficar de fora e ser condenado, auto convicção de que se faz parte do grupo dos salvos considerando que os outros já estão condenados…
— Mas a resposta que depois Jesus dá leva a supor que quem faz a pergunta parece indicar que se situa no grupo dos salvos e que exclui muitos outros… O contexto do Evangelho sugere que os judeus se consideravam o grupo privilegiado, o que se salva, enquanto os outros estão fora: eles eram o povo escolhido… Embora conhecessem as palavras dos profetas, como Isaías, que proclamavam a vinda de todos os povos e a sua integração nas promessas de Deus, não as consideravam tão importantes como outras palavras da Escritura que se referiam à eleição do povo de Israel…
— Muitos cristãos também pensam que são eles que fazem parte do grupo dos eleitos e esquecem que a salvação é dom gratuito de Deus, fruto da sua bondade e da sua misericórdia…
2. A salvação é inclusiva
— O vocabulário é um dos elementos que caracteriza as épocas e os momentos em que se vive. Pois bem: fala-se hoje em sociedade inclusiva, que acolhe a todos, sem fazer distinções…
— É o que diz o profeta Isaías no texto da primeira leitura: “Eu venho reunir todos os povos e gentes de todas as línguas”… Para esta tarefa é preciso anunciadores, gente disposta a encontrar-se com gente desconhecida (enumeram-se povos de longe…) e não simplesmente gente que esteja à espera para depois procurar saber o que deve fazer…
— O anúncio é universal, um apelo a sair da rotina e a ir ao encontro do que é diferente, do que está longe, do que pertence a outra cultura… Ao longo da história foi isto que a Igreja sempre procurou fazer e tem, nesta matéria, uma experiência maior do que todas as outras instituições, mesmo que tenha havido alguns erros à mistura…
— O profeta sublinha o encontro de todos como sendo um encontro fraterno, onde todos trazem as suas ofertas e as partilham, no monte santo em Jerusalém… São comunidades plurais, abertas e dinâmicas, indo ao encontro uns dos outros para construir a fraternidade…
3. Haverá últimos que são dos primeiros…
— No Evangelho, Jesus toca num ponto importante acerca do modo como as pessoas se congregam e procuram assegurar a salvação: “muitos tentarão entrar…” Quer dizer: pode ser atractivo mas não é para todos; alguns ficarão à porta e o dono dirá que não os conhece… As imagens usadas (“comemos e bebemos…”) mostram que não são os gestos ou o clientelismo, nem mesmo a proximidade física (“nas nossas praças”) que determinam a inclusão no grupo…
— As exigências apresentadas na primeira parte do Evangelho (“a porta estreita”…) contrastam com o alargamento no final da passagem do Evangelho: “Hão-de vir do Nascente e do Poente, do Norte e do Sul e sentar-se-ão à mesa do reino de Deus” com os patriarcas e os profetas… E depois remata: “Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos”… Como interpretar esta aparente contradição?
— A resposta parece estar no apelo a uma abertura maior: deixar-se interpelar pela novidade, admitir que há caminhos diferentes… As comunidades inclusivas são sempre uma surpresa e não há esquemas pré-definidos… É preciso correr o risco de deixar as falsas seguranças e os medos, de confiar também nos momentos de instabilidade e reconhecer que “a fidelidade do Senhor permanece para sempre” (Salmo)…
— Em todas as circunstâncias, porém, não se pode esquecer que as palavras de Jesus são exigentes porque o amor autêntico é sempre exigente… Jesus não diz que se salvarão todos nem suavizou as suas palavras, mas afirma com clareza que é preciso esforço, luta, carregar a cruz…
— Apesar de ser estreita, a porta dá entrada a muita gente e conduz ao lugar do banquete… Há que ter esperança e confiar no amor e na misericórdia do dono da casa… É preciso reconhecer a gratuidade da salvação e tomar a sério o seguimento de Jesus, caminhando pela via do amor, da justiça, do perdão… É a isto que Jesus chama “entrar pela porta estreita”…