Mistagogia da Palavra

Em toda a sociedade, o serviço desinteressado não desperta nunca muito entusiasmo. Trata-se, pois, de uma função da qual o sacerdote (o pastor) não está facilmente privado. Conserva, conforme as suas possibilidades, algo do desprendimento e da liberdade absoluta do Senhor. Tornou-se livre para estar mais ligado ao povo de Deus, sem preocupações pessoais, para carregar o peso das preocupações da Igreja. O sentido do celibato é o de uma disponibilidade mais plena ao serviço dos irmãos. Mas os Pastores e os fiéis estão ligados entre si por um intercâmbio necessário. Que os Pastores da Igreja, a exemplo de Cristo, se sirvam entre si e sirvam os outros fiéis, e estes, por sua vez, prestem a sua colaboração aos Pastores de boa vontade. Assim, na diversidade, todos dão testemunho da admirável unidade do Corpo de Cristo. Não esqueçamos de pedir ao Senhor muitos e santos Pastores.
A 1ª leitura é do Livro de Jeremias. O Profeta condena com dureza os chefes políticos do seu tempo por levarem à ruína o rebanho que lhes fora confiado. Depois promete que um dia o Senhor suscitará na família de David um rei sábio e justo, que será para o povo um verdadeiro pastor. Todos sabemos que essa promessa se realizou em Nosso Senhor Jesus Cristo.
A 2ª leitura é da Epístola de São Paulo aos Efésios. Jesus abateu todas as barreiras que separavam os homens e reuniu-os num único povo. Como é que isso aconteceu? Anulando a lei que prescrevia esta divisão entre Israelitas e Pagãos
e reconciliando os dois povos com Deus e entre si, bem como anunciando a paz, quer aos que estavam longe quer aos que estavam perto.
A 3ª leitura, o Evangelho, é segundo São Marcos. Começa com a narração do regresso dos Doze, que voltam da primeira missão apostólica. Jesus procura para eles um lugar tranquilo nas margens do lago de Tiberíades, para descansarem um pouco. Mas as pessoas sabem da sua partida de barco e antecipam-se por terra. Então Jesus, ao ver a multidão, “compadeceu-Se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor e começou a ensinar-lhes muitas coisas”.


A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem Espírito Santo, aquieta o meu coração na paz de Deus, que nunca deixa dormir a sua atenção.

Evangelho    Mc 6, 30-34
Naquele tempo, os Apóstolos voltaram para junto de Jesus e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado. Então Jesus disse-lhes: «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer. Partiram, então, de barco para um lugar isolado, sem mais ninguém. Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam; e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar e chegaram lá primeiro que eles. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-Se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas.

Caros amigos e amigas, esta cena em que o destino dos discípulos e o de Jesus é o descanso, acaba por nos fazer descansar no Deus que nunca descansa até ver a justiça e a paz implantadas entre o seu povo amado.

Interpelações da Palavra

Contaram-lhe tudo

Marcos encanta-nos ao revelar-nos um Jesus tão humano, que pode ter os sentimentos que nós temos, as reações que tantas vezes nos acodem. A humanidade de Jesus, a sua sensibilidade espontânea, a sua atenção e delicadeza, ressaltam aqui de forma tão bela! Jesus não é apenas o homem dos milagres estrondosos. Ele é sobretudo o homem que ajuda a desenterrar o milagre do dia a dia, na vida de cada um. Ele revela uma ternura maternal com os discípulos: primeiro confia neles, depois acolhe as suas partilhas entusiasmadas, por fim vela pelo seu cansaço. Imagino a alegria deles, depois da azáfama missionária, por encontrarem um ambiente assim para partilhar alegrias e dores, cansaços e êxitos! É muito mais do que um prestar contas… Apetece-me entrar aqui, no grupo dos discípulos, e contar também a Jesus como foram as minhas expedições apostólicas, como venci os meus medos e geri as minhas decepções. Rir com Ele das peripécias, regozijar-me com os sucessos! Sinto que Ele me compreende, que não me repreende como um patrão arrogante, mas me educa como pedagogo brilhante. Ainda hoje… sei que Ele confia em mim e me incita sempre a continuar, mesmo depois de tantos fracassos! Preciso da oração, de me sentir com o coração da Igreja, haurindo da força comum, partilhando a vida, trazendo os segredos do mundo, perscrutando a trajectória do olhar do Mestre…

Chegaram antes deles

Que mel teria este Mestre da simplicidade para ter sempre tanta gente à sua procura? Seria possível que a multidão chegasse ao mesmo tempo que eles, rodeando o lago a pé, por caminhos inóspitos, pejados de obstáculos, competindo com o deslizar de um barco na superfície das águas? Isto só nos mostra como é veloz a esperança e como são vazios de esperança os poderes deste mundo. Marcos retrata-nos um povo em novo êxodo, saindo do povoado, onde residiam as suas seguranças materiais e humanas, e escolhendo novamente o deserto. O povo vê esperança em Jesus que, como ele, não tem onde reclinar a cabeça, mas lhe mostra o verdadeiro sentido para a vida, não apenas em palavras, mas em gestos concretos de carinho e solicitude, de atenção, de socorro. Não são as palavras grandiloquentes de poderosos que confortam os famintos, mas as bagagens vazias dos que repartem tudo o que têm.

Jesus viu e compadeceu-se

Imagino a surpresa de Jesus, ainda mais a dos discípulos ao desembarcar. Marcos menciona dois preciosos verbos que descrevem o segredo de Jesus para dar esperança a um povo: viu e compadeceu-se.
Jesus ia para repousar, mas o repouso de Deus acontece pelo olhar. Como o artista que, embebido no labor da sua obra, nem se lembra de comer, nem de descansar, também Jesus deixa que a multidão desorientada entre pelo seu olhar e faça acontecer o milagre da sua compaixão. Ele não dará esmolas provisórias, mas o palpite para encontrar a verdadeira riqueza; ele não fará curas temporárias, mas dará o bálsamo que supera todo o sofrimento. Só então o Deus que “ama a obra das suas mãos” poderá repousar, quando a sua obra alcançar aquela plenitude de beleza. Os discípulos aprenderão com Jesus que o seu cansaço nunca será tão grave como as tribulações de uma multidão sem pastor. Ainda hoje, os discípulos de Jesus são os que dão de graça o que de graça receberam: o tesouro do Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, chego com os “ontens” de afazeres, conquistas e fracassos, sementes lançadas pelo e no reino…
Chego ao barco, ao Teu regaço que me espera sempre, acalenta e acalma,
protege da vanglória e convida ao descanso nos teus braços.
Senhor, tenho saudades deste encontro, de me deixar embalar pelo som
das Tuas palavras e pela brisa do Teu Espírito reconfortante e santificador.
Senhor, deixa-me dormir na Tua paz, mesmo sabendo que em breve
o barco há-de desembarcar na fome de uma multidão sem pastor
e, de novo, sairei para partilhar o pão e os peixes.

Viver a Palavra

Vou ter sempre tempo e espaço para um gesto de caridade, que não tem férias.