Mistagogia da Palavra

A Igreja é essencialmente missionária, tem de anunciar o Evangelho. E esta missão compete a todos os cristãos, conforme a vocação e o ministério de cada um. Mas quem anuncia o Evangelho não deve ter nada que pese, mas estar livre de interesses humanos, de ideologias a defender, de compromissos com as potências deste mundo. Essas coisas não lhe permitem estar livre, condicionam-no, embaraçam-lhe o trabalho, enfraquecem-lhe o zelo, impedem-no de merecer crédito. O que se requer do missionário é despojar-se de si mesmo, não confiar nas próprias capacidades nem em seu espírito de iniciativa, para se tornar “mensagem”, que é proposta dum plano de que só Deus tem a iniciativa. E os meios humanos? Evidentemente que são necessários, mas sempre subsidiários e só na medida em que sirvam o plano de Deus.
A 1ª leitura é da Profecia de Amós. Amós, que é um simples pastor e modesto agricultor, é enviado por Deus como profeta ao reino de Israel, onde, ao lado de grande prosperidade material, reina a injustiça e a opressão. É interceptado por Amasias, sacerdote oficial da corte, o qual intima o profeta a ir-se embora e não continuar a sua missão. Amós responde que não é profeta por profissão, muito menos por dinheiro, mas foi Deus que o encarregou dessa missão, que tem de cumprir até ao fim.
A 2ª leitura é a introdução da Epístola de São Paulo aos Efésios. Sob a forma de hino e oração, é síntese doutrinal de toda a Carta. Deus escolheu-nos e predestinou-nos desde toda a eternidade para a filiação, para a santidade e o amor. Depois explica os nossos privilégios de cristãos e conclui declarando que esses privilégios são de todos, uma vez que todos recebemos o dom do Espírito como penhor da herança.
O Evangelho é de São Marcos. Jesus envia os Apóstolos em missão. As instruções aos discípulos são: apresentar-se pobremente; contentar-se com a hospedagem que lhes é dada; não impor o seu ensinamento, mas anunciá-lo, embora haja responsabilidade da recusa. Eles desempenham a missão no estilo de Jesus.


A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem Espírito Santo, fortalece o meu coração para superar os embates da vida e encorajar-me no testemunho.

Evangelho    Mc 6, 7-13
Naquele tempo, Jesus chamou os doze Apóstolos e começou a enviá-los dois a dois. Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, a não ser o bastão: nem pão, nem alforge, nem dinheiro; que fossem calçados com sandálias, e não levassem duas túnicas. Disse-lhes também: «Quando entrardes em alguma casa, ficai nela até partirdes dali. E se não fordes recebidos em alguma localidade, se os habitantes não vos ouvirem, ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés como testemunho contra eles». Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento, expulsaram muitos demónios, ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.

Caros amigos e amigas, o Evangelho apresenta-nos a primeira missão dos discípulos enviados na alegria de Jesus: trata-se de uma experiência de vida que anuncia que Deus está perto, num amor que cura a própria vida.

Interpelações da Palavra

A Igreja nasce…

Talvez, naquele dia, o Mestre se tivesse recordado da tarde à beira mar em que O tinham seguido para serem “pescadores de homens”. Agora, olha para eles, sorri e envia-os numa nova aventura que conduz ao mar de cada homem. Envia gente pobre, voluntariamente pobre, sem artifícios ou aparências, vulneráveis diante do outro: apenas um bastão, um amigo, umas sandálias, um bater à porta, um risco de ser ou não ser acolhido… Contudo, fortes de uma palavra e da verdadeira riqueza das mãos vazias de quem sabe que não se anuncia a si mesmo.
A Igreja que nasce está em caminho, sensível às lágrimas e dores dos outros, toca a vida onde ela brota e morre quotidianamente, não fica fechada na sacristia do cenáculo ou paralisada com medo do alvor do sol! Vai à periferia arriscando-se, expondo-se, vibrando, vivendo! Ainda hoje a Igreja é um organismo vivo, que respira o ar do mundo, que tropeça e se levanta… A comunidade de Jesus tem sandálias nos pés e o coração do irmão a curar e a partilhar! Está sempre em êxodo, a caminho do outro que é a verdadeira terra prometida! Todos somos nómadas, peregrinos em viagem, rumo ao outro, bela terra onde “brota leite e mel”!

…dois a dois…

A Igreja nasce humaníssima, carregada de rostos, comprometida da fragilidade humana e da potência divina, tecida de graça e de pecado. Deus não tem outras palavras do que a palavra dos homens, nem outra vida a mostrar que uma vida de homem. A Igreja nasce pobre em coisas, mas não sem amigos. Aos pares é que baterá às portas do mundo. Porque “valem mais dois juntos do que um sozinho… Se caírem, um ajuda a levantar o outro… Num ataque dois juntos conseguem resistir, pois o fio dobrado não se quebra com facilidade” (Eclesiastes). Dois a dois, à semelhança de Adão e Eva, é começar um mundo novo. Como os discípulos de Emaús, é descobrir a presença e o amor de Deus nos caminhos do homem.
O primeiro anúncio dos discípulos é a própria vida, um evento de amizade, uma semente de comunidade, a vitória sobre a solidão (Ronchi). Se uma pessoa caminha sozinha até pode duvidar de si mesma. Mas o Evangelho não é uma doutrina nova, mas uma vida nova, uma semente de amor capaz de milagres, nas mãos frágeis de irmãos.

…na casa da vida

Ser Igreja é ser casa! É ser família! Os discípulos são acolhidos não porque trazem coisas, mas porque trazem Cristo. O amor oferece-se às pequenas Igrejas domésticas que nascem pelo caminho. A Igreja encontra a humanidade na partilha da sua existência, ali na casa e na família onde se joga o sorriso e as lágrimas, ali onde a esperança e os dramas se cruzam, ali onde a vida nasce, vive de amor e a solidão se converte em comunhão. Deus é tão simples, tão simples… mas, às vezes, vivemos a fé à procura de milagres fora do catálogo dos nossos acontecimentos diários…
E caso não haja acolhimento, não desanimemos, pois há sempre outra casa a seguir, outra cidade, outro coração a percorrer…. Em cada curva da estrada, amigos e amigas, germina o Infinito e o Evangelho se faz vida, encontro e liberdade!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor Jesus, enviado do Pai, modelo da missão, caminho, verdade e vida…
Tu, alimento, proteção, minha riqueza e refúgio…vem comigo no caminho!
Na mão levo o bastão da paz e da alegria, meu Bom Pastor.
“Revestido de Cristo”, a minha túnica será sinal da Palavra que conduz ao irmão.
Nas sandálias do serviço e da renúncia carrego a certeza de que o Teu colo sempre me acolhe
E serei discípulo-missionário do encontro e da ternura!

Viver a Palavra

Vou rever várias coisas que poderia dispensar na minha vida, para viver mais sóbria e evangelicamente.