​A legislação dos Estados, ditos de Direito, evoluiu de tal forma que não existe praticamente nenhum campo de actividade que não tenha a sua legislação própria. E, uma vez consagrada, a Lei está acima de todas as outras Instituições. Diz-se mesmo que ninguém está acima da Lei. Paralelamente desenvolveram-se, de um modo mais sofisticado ainda, todas as formas de fugir à lei e de esconder as infracções porque os critérios da sua aplicação até podem variar. O resultado é, de certo modo, um emaranhado tal, que deu origem a novos crimes, que as próprias autoridades dos países não estão preparadas para combater. E as respostas que os cidadãos ouvem são quase sempre as mesmas: a lei é para se cumprir e, se há alguma coisa que não esteja regulamentada, então proceda-se quanto antes à sua regulamentação!… Assim, o mesmo cidadão comum vai-se perguntando: porquê tantas leis? Tantos códigos? Tantaburocracia e tantas directrizes? Dizem que vão simplificar processos mas as práticas continuam a ser as mesmas… O resultado é, tantas vezes, a confusão e a desconfiança… 

1. Lei e realidade

– Terá sido uma situação semelhante aquela que levou o doutor da lei do Evangelho a fazer a pergunta que ouvimos a Jesus… Trata-se de alguém que conhecia a Lei, que a ouvia, a escutava, a guardava no seu coração e a ensinava… Não era, portanto, nenhum ignorante…

— Sem dúvida que é importante conhecer os preceitos, tanto civis como religiosos, mas é necessário descer à realidade… E este é o problema de muitos legisladores e de estudiosos da lei: conhecer a realidade e dar respostas concretas…

— O povo de Israel desenvolveu vários códigos legislativos ao longo da sua história, de acordo com os tempos e as circunstâncias culturais e políticas… Mas, sempre entendeu que as suas leis tinham sido ditadas por Deus através de Moisés e, fossem quais fossem as circunstâncias, os códigos legislativos cumpriam essa vontade de Deus…

— No livro do Deuteronómio ouvimos como as leis tendem a aproximar as pessoas porque elas estão sempre presentes na boca e no coração… Com estas leis, até o céu e a terra estão unidos…

— Certo é que, ao longo dos séculos, houve quem se especializasse na interpretação das leis e o sentido originário foi-se perdendo ao ponto de, o próprio Jesus, dizer que os doutores da Lei tinham transformado a palavra de Deus em preceitos humanos…

— É este o perigo da lei: em vez de aproximar os homens uns dos outros e de Deus, vai afastando e complicando as relações… 

2. Ser próximo é colocar-se no caminho do outro

— Foi este o problema do doutor da Lei que fez a pergunta escutada no Evangelho… Jesus confirma a resposta que o doutor da Lei dá, baseado na sua compreensão do que está determinado mas, há aspectos da Lei que estão ofuscados: “quem é o meu próximo?”…

— A parábola que Jesus narra vai, toda ela, neste sentido: olhando a realidade encontram-se todas as vítimas de um sistema que, no caso do Evangelho, está ligado ao culto e às leis da pureza ritual, mas que se pode equiparar com as leis culturais e económicas da actualidade, que tendem a “tornar as vítimas invisíveis” ou, como dizia recentemente o Papa Francisco “a desenvolver a cultura da indiferença, a não ser capaz sequer de sentir dor com os que sofrem” em nome do cumprimento dos preceitos…

— Em nome de um desenvolvimento cultural e económico, de uma determinada ordem de valores, passa-se ao largo, não se é capaz de olhar para as vítimas da guerra e da fome, para os jovens inactivos, para os idosos… Há uma cultura que só conhece uma determinada educação, o politicamente correcto, a eficácia, os mercados e os consumidores, os que têm de ficar à beira do caminho e uns tantos que têm a obrigação de cuidar…

3. A nova lei de Jesus é o amor

— A parábola do bom samaritano, simplifica as coisas que, tantas vezes, as leis complicam. Os judeus ainda poderiam entender que o próximo que se deve amar é o que pertence à mesma etnia, ao mesmo grupo religioso ou politico… Mas, Jesus apresenta um samaritano, um herege e membro de outro grupo religioso, para evidenciar mais a habilidade de muitas interpretações da lei…

— Para Jesus, não há razões ideológicas, religiosas, ou quaisquer outras que impeçam de fazer o bem seja a quem for…

-Diante dos necessitados e das vítimas, ninguém tem o direito de perguntar pelas disposições legais, pela sua religião, pelas suas origens ou pelo seu estatuto… O próximo é o que precisa de ajuda… Mas é igualmente o que tem compaixão… 

— Independentemente do que a lei determina, pode-se ser sempre bom: ama a Deus e ao próximo quem fixar o olhar nas necessidades do outro e tiver compaixão dele…

— É preciso seguir o caminho do outro e deixar o nosso próprio caminho… O ‘ser próximo’ é isto: deixar os nossos próprios projectos, abrir os olhos à realidade, mudar de direcção…

— Tem que se pisar o mesmo terreno e ir ao encontro do outro, colocar o azeite e o vinho nas feridas… Os verbos que aparecem em progressão no Evangelho devem ser mesmo conjugados nessa ordem: compadeceu-se, aproximou-se (não foi para o gabinete estudar a lei e depois telefonar para alguém vir tratar do caso…), ligou-lhe as feridas, colocou-o na sua montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele…

— O samaritano paga ainda do seu bolso (não foi à procura de subsídios!…) e não se desliga do caso, mas promete voltar