Vivo na esperança que vence o medo
Migalhas também são pão.
No segredo da terra adormecida esconde-se o segredo da semente. Na escuridão do abandono uma força faz germinar a vida. Na humidade dos invernos cresce a pequena e frágil planta que vai ser trigo, que vai ser pão.
Sobre a mesa repartido, como palavras de amor oferecido a todos, transforma-se em migalhas. Pequenas migalhas de pão. Pequenas migalhas de amor. Pequenas migalhas de Deus.
Semente escondida na terra preguiçosa não chego a ser nada se não falas. Se a tua palavra não atravessa os céus e não vence a minha surdez, não chego a ser pão.
Faz de mim uma migalha que cai da mesa dos filhos.
LEITURA I Is 55, 10-11
Eis o que diz o Senhor: «Assim como a chuva e a neve que descem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a terem fecundado e feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para comer, assim a palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão».
Deus cuida da terra para que dela saia o pão que dá o alimento ao homem. Mas, nem só de pão vive o homem, o verdadeiro alimento de que o homem necessita é da palavra de Deus.
Salmo responsorial 64 (65),10abcd.10e-11.12-13.14
Deus atrai o homem para si e cuida dele como o lavrador faz com a terra para que ela produza o fruto desejado. Com gestos simples na vida de cada dia, como o lavrador, Deus faz com que não falte a semente, a água para regar a semente, o fruto saboroso da semente e assim alimenta o homem como um pai de família.
LEITURA II Rm 8, 18-23
Irmãos: Eu penso que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que se há de manifestar em nós. Na verdade, as criaturas esperam ansiosamente a revelação dos filhos de Deus. Elas estão sujeitas à vã situação do mundo, não por sua vontade, mas por vontade d’Aquele que as submeteu, com a esperança de que as mesmas criaturas sejam também libertadas da corrupção que escraviza, para receberem a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Sabemos que toda a criatura geme ainda agora e sofre as dores da maternidade. E não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos interiormente, esperando a adoção filial e a libertação do nosso corpo.
Confrontado com a realidade do cristão no meio de um mundo pagão, Paulo fala do sofrimento que vivem aqueles que receberam a vida nova de Cristo no batismo. Efetivamente, muitos encontram na sua própria casa, entre as pessoas das suas relações e em si próprios a manifesta oposição em relação a Cristo. Este sofrimento é um gemido permanente que chega a ser como uma dor de parto. Viver a esperança de que o sofrimento que agora se experimenta não tem comparação com a glória que a fé prepara para nós é o segredo para continuar na fidelidade a Cristo.
EVANGELHO – Forma longa Mt 13, 1-23
Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira-mar. Reuniu-se à sua volta tão grande multidão que teve de subir para um barco e sentar-Se, enquanto a multidão ficava na margem. Disse muitas coisas em parábolas, nestes termos: «Saiu o semeador a semear. Quando semeava, caíram algumas sementes ao longo do caminho: vieram as aves e comeram-nas. Outras caíram em sítios pedregosos, onde não havia muita terra, e logo nasceram, porque a terra era pouco profunda; mas depois de nascer o sol, queimaram-se e secaram, por não terem raiz. Outras caíram entre espinhos, e os espinhos cresceram e afogaram-nas. Outras caíram em boa terra e deram fruto: umas, cem; outras, sessenta; outras, trinta por um. Quem tem ouvidos, oiça». Os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe: «Porque lhes falas em parábolas?». Jesus respondeu: «Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos Céus, mas a eles não. Pois àquele que tem dar-se-á e terá em abundância; mas àquele que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado. É por isso que lhes falo em parábolas, porque veem sem ver e ouvem sem ouvir nem entender. Neles se cumpre a profecia de Isaías que diz: ‘Ouvindo ouvireis, mas sem compreender; olhando olhareis, mas sem ver. Porque o coração deste povo tornou-se duro: endureceram os seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para não acontecer que, vendo com os olhos e ouvindo com os ouvidos e compreendendo com o coração, se convertam e Eu os cure’. Quanto a vós, felizes os vossos olhos porque veem e os vossos ouvidos porque ouvem! Em verdade vos digo: muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes e não viram e ouvir o que vós ouvis e não ouviram. Escutai, então, o que significa a parábola do semeador: Quando um homem ouve a palavra do reino e não a compreende, vem o Maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração. Este é o que recebeu a semente ao longo do caminho. Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe de momento com alegria, mas não tem raiz em si mesmo, porque é inconstante, e, ao chegar a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, sucumbe logo. Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra, que assim não dá fruto. E aquele que recebeu a palavra em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende. Esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta por um».
A semente é a Palavra de Deus e Cristo o semeador. A semente é boa e o semeador é competente, mas há sementes que não chegam a dar fruto. Porque será? Jesus explica que o mal está no terreno que não deixa a semente germinar, crescer e frutificar. O terreno é o coração de cada homem.
Reflexão da Palavra
No final do segundo livro de Isaías, 55,6-11 o profeta oferece uma reflexão sobre a palavra do Senhor. Nestes poucos versículos (6-11), procura o profeta confirmar a realização de tudo quanto está dito para trás. A garantia está na palavra que, por ser de Deus, se cumpre plenamente. Não se cumpre como os homens entendem, pois Deus tem uma forma de pensar e de agir, nem sempre coincidente com a deles, não se aconselha com eles, tem um horizonte mais largo, vê melhor.
O Senhor, diz o profeta, está perto e está longe. Porque está perto pode ser encontrado, mas os seus planos e os seus caminhos estão longe dos planos e caminhos dos homens. Para encontrar o Senhor, para coincidirem os caminhos e os planos, é necessário a conversão “deixe o ímpio o seu caminho e o criminoso os seus projetos”.
A palavra de Deus, porém, cumpre-se sempre (versículos 10-11 da leitura deste domingo). A palavra de Deus é como a chuva e a neve que não voltam para o céu sem que cumpram a sua missão. A palavra apresenta o plano de Deus e revela os seus caminhos. O caminho do Senhor é a misericórdia e o seu plano a salvação do homem.
Como a chuva, assim a palavra do Senhor, revolve e põe em ação toda a vitalidade, porque fecunda e faz germinar, torna eficaz e faz acontecer.
O salmo 65 apresenta Deus como um lavrador. Os versículos que compõem o hino desta liturgia são a terceira parte do salmo. A primeira (2-5) fala de um Deus que perdoa e atrai o seu povo em Sião e a segunda parte (6-9) fala dos prodígios que o Senhor faz em toda a terra e de como a ele estão submetidos todos os povos. Nesta última parte, Deus cuida da terra como qualquer lavrador.
Deus é apresentado como aquele que escuta e responde, realiza obras grandiosas em toda a terra e faz coisas simples como lançar a semente à terra e regar os sulcos. Como um pai de família, Deus trabalha para que no final, os seus filhos tenham pão sobre a mesa. E nós, os filhos, podemos ver a palavra, lançada à terra, transformada em fruto e o fruto da terra e do trabalho, transformado em pão da vida eterna.
Paulo continua a refletir sobre a vida nova que recebemos no batismo e alerta para o facto de que, apesar de já participarmos nessa vida nova, não estamos isentos de sofrimentos. A experiência da vida nova revela-nos que a glória em que havemos de participar supera os sofrimentos que suportamos no tempo presente por causa do pecado que não deixa aderir ao projeto de Deus. Este tempo é de esperança na possibilidade de superar todo o sofrimento. E aponta para quatro razões para a esperança: a criação que suporta a mesma situação que nós e “geme e sofre as dores de parto” vive na esperança da libertação; nós mesmos que, apesar do sofrimento, resistimos e não nos resignamos à aniquilação; o Espírito que vem em nosso auxílio (tema do domingo XVI) e Deus que concorre em tudo para o bem dos que o amam (tema do XVII domingo).
O texto do evangelho, a parábola do semeador, apresenta uma introdução (13,1-3ª), a parábola propriamente dita (13,3b-9, uma explicação sobre o motivo pelo qual se usam parábola (13,10-17) e uma explicação da parábola apenas para os discípulos (1318-23).
O texto começa por explicar que junto de Jesus está uma numerosa multidão e ele sentado fala “de muitas coisas em parábolas”. Conta a conhecida parábola do Semeador, que parece ter fracassado, uma vez que um quarto do seu trabalho se perde sem frutificar por causa da terra que não é própria para semear.
A seguir, já em diálogo com os discípulos e não com a multidão, Jesus explica porque usa parábolas no seu ensino, justificando-se com citações da Escritura. Finalmente, apenas aos discípulos, explica o sentido da parábola do semeador.
Jesus desperta a atenção da multidão contando parábolas que eles podem aplicar às suas próprias vidas. A parábola do Semeador orienta em primeiro lugar toda a atenção para aquele que semeia e para a semente. Percebe-se que este semeador é o próprio Jesus que anuncia o reino. Só depois orienta para a terra. A semente é boa, mas a terra tem caraterísticas diferentes o que vai dar resultados diferentes. Sendo boa, a semente tem dificuldade em germinar, crescer e frutificar na maior parte dos terrenos. No entanto, aquela que cai na boa terra produz abundantemente. Esta abundância fala de êxito apesar dos obstáculos encontrados.
Ao escutar a parábola a multidão pode compreender, através de palavras simples, a necessidade de centrar a sua vida em Jesus e, através dele conhecer os mistérios do reino, e deixar-se transformar numa terra boa, capaz de produzir fruto com abundância.
Os apóstolos acompanham Jesus e vão sendo introduzidos nos mistérios do Reino vendo os sinais por ele realizados e escutando a novidade da sua doutrina, com as explicações particulares que vão dele recebendo. As multidões não têm acesso a tanta informação e, por isso, têm mais dificuldade em compreender o reino e captar a identidade da Jesus e de fazer com ele uma experiência de vida. As parábolas são, assim, um meio importante para falar às multidões porque tornam visível o invisível da mensagem que é o próprio Jesus, mais do que as suas palavras e o que é o homem, mais do que a sua condição social. Esta descoberta, no entanto, só está aberta a quem quer conhecer, a quem está interessado, porque também há os que “endureceram os seus ouvidos e fecharam os seus olhos”. Isto tem consequências, pois, não entender a parábola conduz a uma atitude de distanciamento em relação a Jesus e à sua proposta de salvação. É sempre possível escutar as parábolas e “vendo com os olhos e ouvindo com os ouvidos e compreendendo com o coração, se convertam e Eu os cure”.
Os discípulos, por sua vez, conhecem os mistérios do Reino porque lhes foi dado por Deus. Jesus é bem claro na resposta “a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos Céus”. Receberam de Deus e não da carne o dom de reconhecer os sinais do Reino em Jesus e podem estar diante dele nessa nova atitude e experimentar a alegria da chegada do Reino, porque sabem identificar Jesus e, por isso, são “felizes”.
O Reino chegou para todos, mas nem todos aderem ao Reino por não quererem entender. Jesus está a desafiar a que não deixem escapar a oportunidade de aderir, escutando e compreendendo as parábolas que ele vai contando.
A explicação de Jesus sobre a parábola já não centra a atenção sobre o semeador mas sobre o terreno. Jesus quer que entendam que o fruto não depende nem do semeador nem da palavra, depende de quem escuta, depende do terreno onde é lançada. Cada ouvinte pode identificar-se com uma das categorias de terreno que são apresentadas. O segredo para dar fruto é a disponibilidade para acolher a palavra que é o evangelho, é o Reino, é o próprio Jesus.
Meditação da Palavra
A parábola que Mateus apresenta, contada por Jesus a uma grande multidão, proporciona aos discípulos a oportunidade de o questionar sobre o porquê de usar parábolas com tanta frequência no seu discurso e leva Jesus a explicar com pormenor o conteúdo desta parábola.
A parábola em questão é conhecida, a parábola do semeador que saiu a semear a boa semente. A multidão que escuta é numerosa e podem identificar-se várias atitudes diante de Jesus e das suas palavras. São as atitudes que Jesus pretende explorar com esta pequena história para chamar a atenção do coração de cada um e poder inverter as tendências negativas perante a proposta do Reino que a sua pessoa torna presente no meio dos homens.
Não compreender ou não querer compreender tem como consequência ficar fora do Reino e do seu mistério. Compreender é um dom que é dado por Deus àqueles que, ao escutar, se revelam disponíveis para aceitar, para acolher a semente e o semeador, a palavra e o próprio Jesus. Sem acolher a palavra não se reconhece Jesus como presença do Reino nem o Reino como lugar onde Deus salva. Os discípulos receberam o dom que lhes foi dado por Deus e podem reconhecer Jesus.
A qualidade da terra depende também da disponibilidade para acolher a verdade anunciada e a pessoa que anuncia, Jesus. É a adesão à palavra que vai transformar a terra e prepará-la para acolher o Reino, a semente, que há de frutificar. Pequena que seja a semente, se cai em terra boa germina e pode tornar-se árvore, germina e pode produzir até cem por um.
Deus é quem prepara a terra, lança a semente e vai regando para que produza fruto, como canta o salmo 65. Deus é quem envia a palavra como semente e como chuva que não regressa a ele sem cumprir a sua missão, como diz Isaías. A missão fica cumprida se, perante a palavra houver adesão e a semente amadurecer com muito fruto e fica cumprida se a palavra for rejeitada e recusada a entrada no Reino.
O cristão, é aquele que aderiu à palavra e, mesmo com dificuldade, às vezes com dúvidas, inconstância, no meio de desilusões e fracassos, procura produzir o fruto esperado pelo semeador. Sofre por não conseguir dar o fruto abundante e sofre também por ver que outros, que escutaram a mesma palavra, receberam a mesma semente, não aderem à proposta de Jesus para entrarem no Reino. É deste sofrimento que fala Paulo quando diz “os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que se há de manifestar em nós”. E vive na “esperança de que as mesmas criaturas sejam também libertadas da corrupção que escraviza, para receberem a gloriosa liberdade dos filhos de Deus”.
Rezar a Palavra
Lançaste a tua semente e eu enterrei tanto do que me deste no fundo desta terra preguiçosa e indiferente que eu sou. Lançaste em mim a semente para dar fruto abundante e apenas vais colhendo pequenas migalhas na aridez do meu deserto. Desperta de novo os meus ouvidos para que escutando, veja e entenda que és tu o meu Senhor. Faz-me entrar no teu barco e ensina-me lentamente, com a mesma paciência de mestre que dedicaste aos teus discípulos. Vence todas as pedras espinhos e caminhos difíceis que deixei acontecer em mim e faz-me terra boa do teu amor.
Compromisso semanal
Experimento a dor de Jesus por aqueles que não compreendem os sinais do seu Reino e disponho-me a ser sinal visível no meio do mundo.