Habitados pelo Espírito ou cansados e oprimidos?

O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração do homem não pressentiu, isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

Insondável a profundidade de um Deus que atravessa a história da humanidade a levantar os cansados e os oprimidos.

Como poderei conhecer-te se o teu Espírito não me habitar e não me levar às profundidades do abismo do teu ser? Como conhecer-te se o teu filho não me fizer filho, recriado no teu ser, adotado pelo amor?

Vem habita-me, ergue-me do nada e faz-se descansar em teu amor.

LEITURA I Zac 9, 9-10

Eis o que diz o Senhor: «Exulta de alegria, filha de Sião, solta brados de júbilo, filha de Jerusalém. Eis o teu Rei, justo e salvador, que vem ao teu encontro, humildemente montado num jumentinho, filho duma jumenta. Destruirá os carros de combate de Efraim e os cavalos de guerra de Jerusalém; e será quebrado o arco de guerra. Anunciará a paz às nações: o seu domínio irá de um mar ao outro mar e do Rio até aos confins da terra».

Zacarias anuncia a chegada o Senhor. Ele mesmo vem salvar o seu povo, castigar aqueles que o oprimem, purificar dos ídolos, acabar com a guerra. Tudo por iniciativa de Deus e de forma humilde e justa. O profeta não diz quando vai acontecer, mas convida Sião a alegrar-se desde já porque a chegada do Senhor é certa.

Salmo 144 (145), 1-2.8-9.10-11.13cd-14

A fidelidade do Senhor para com o seu povo e para com todos os seres vivos é motivo de louvor para o homem. Todo aquele que se depara com a riqueza interior de Deus e reconhece a sua grandeza e fidelidade não pode ficar indiferente e eleva até ele o mais genuíno louvor. Diante de Deus todos fazemos a experiência do vacilante e do oprimido a quem Deus levanta com a sua mão.

LEITURA II Rom 8, 9.11-13

Irmãos: Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas se alguém não tem o Espírito de Cristo, não Lhe pertence. Se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós. Assim, irmãos, não somos devedores à carne, para vivermos segundo a carne. Se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito fizerdes morrer as obras da carne, vivereis.

A inclinação do homem para o pecado, assim como a inutilidade da lei para libertar o homem de si mesmo, foram ultrapassadas pela paixão de Cristo que libertou o homem do domínio da carne e lhe concedeu uma existência no Espírito. O Espírito liberta e não escraviza, o seu domínio sobre o homem eleva-o à experiência de uma vida nova e configura-o como filho de Deus. Nesta condição, a carne, o pecado, a lei e a morte já não têm domínio sobre o cristão. Mas, vivemos já segundo o Espírito ou ainda estamos sob o domínio da carne?

EVANGELHO Mt 11, 25-30

Naquele tempo, Jesus exclamou: «Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado. Tudo Me foi dado por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve».

Num desabafo transformado em oração, Jesus, revela que o conhecimento de Deus e do seu mistério é feito aos pequeninos, aos humildes e simples e não aos sábios e inteligentes. Do mesmo modo que afasta aqueles que recusam a revelação de Deus, Jesus, acolho os que andam cansados e oprimidos e mostra-lhes o verdadeiro rosto do Pai.

Reflexão da Palavra

O texto da primeira leitura pertence à segunda parte do livro atribuído ao profeta Zacarias. Atribuído porque, a partir do capítulo 9, o conteúdo não parece ser de Zacarias, mas de outro ou outros profetas e de redação mais tardia. É esta a opinião geral que aqui aceitamos. O texto insere-se, portanto, na parte do livro que não terá Zacarias por autor.

Zacarias, cujo nome significa mensageiro, seria filho de Beraquías e neto de Idó, terá exercido o seu ministério ainda no tempo de Esdras e no reinado de Darío, 500 anos antes de Cristo.

O livro, dividido em duas partes, começa por apresentar as oito visões do profeta, para depois, continuar na segunda parte com os oráculos. Esta segunda parte (9,1-14,21), de onde é tirado o texto desta leitura dominical, tem duas secções e começa com o anúncio do castigo que o Senhor há de dar aos inimigos e opressores do seu povo. Porque ao Senhor pertencem todos os povos e toda a terra e porque o Senhor está “junto da sua casa, como uma sentinela contra os vadios; vigio com os meus próprios olhos”.

Na sequência surge o texto que lemos neste domingo, afirmando a salvação do povo escolhido pelo próprio Senhor que vem como um rei “justo, vitorioso, humilde, montado num jumentinho”. (Esta referência é captada pelos evangelistas e aplicada na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, que se lê no domingo de Ramos). O Senhor vem salvar, vem defender a sua cidade, purificar da guerra e dos ídolos, fazer regressar os cativos do seu povo e instaurar a paz em Jerusalém. O Senhor vai salvar o seu povo com a sua mão, não usará armas, ele desarmará os que confiam nas armas, não vai fazer alianças com os chefes das nações, fez uma aliança com o seu povo, não vai entrar em Jerusalém, como os reis depois de uma batalha, mas humildemente. 

O Salmo 145, construído em forma alfabética, pode designar-se como um hino de louvor. O autor fala na primeira pessoa e tece um louvor ao Senhor a quem começa por chamar “meu Deus”. A razão do louvor parece ser geral, porque o Senhor, como rei, governa, sustenta e protege o seu povo e como rei universal sacia todos os seres e recebe de todos o louvor do seu nome. O Senhor é clemente, compassivo, paciente, piedoso e bom, as suas ações são libertadoras e a sua palavra é fiel. Pode identificar-se este Rei e Senhor com o rei anunciado por Zacarias.

Fruto do amor de Deus revelado na morte e ressurreição de Cristo, o cristão, que passou pelo batismo, pode viver uma vida nova, uma vida em Deus e para Deus. Esta vida é iniciativa de Deus e dinamismo do Espírito que nos liberta do “corpo que pertence à morte” (7,24). Agora, justificado por Cristo, libertado do pecado, da morte e da lei, o cristão pode viver segundo o Espírito. Filho de Deus, renascido no batismo e animado na esperança da vida eterna, está livre de qualquer condenação porque tem em si o dinamismo da vida nova que é o próprio Espírito. Assim, já não está dominado pelo corpo do pecado, mas livre no Espírito, pois o Espírito não escraviza como o fazem a carne e a lei.

Jesus anda a “ensinar e pregar”, diz Mateus no início do capítulo 11, dedicado ao mistério do Reino. Logo de início surge a grande questão sobre a identidade de Jesus, colocada na boca de João Batista: “és tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?”, em contraponto com a incapacidade de algumas cidades o reconhecerem como messias. Na sequência surge o texto que se escuta este domingo.

Perante a recusa por parte das cidades de Corozaim, Betsaida e Cafarnaum, Jesus faz uma oração, na qual, bendiz a Deus Pai pelos humildes, porque acolhem a revelação de Deus e convida todos os que são oprimidos a vir a ele.

O texto desta oração apresenta duas partes. Na primeira coloca-se em confronto a atitude dos sábios e dos humildes distinguindo-os através dos termos esconder-revelarconhecer-revelar, Pai-filho.  O Pai está no centro da oração e é ele quem esconde aos sábios e revela aos pequeninos. Por outro lado, o conhecimento do mistério do Reino implica a revelação do Pai e do Filho. 

Na segunda parte do texto, Jesus apresenta-se como “manso e humilde de coração” e, por isso, todos podem descansar nele. E reforça a ideia afirmando que o seu “jugo é leve”, porque Jesus não é pesado para ninguém e a sua proposta de vida é “alívio”. Vir a Jesus é encontrar nele e na revelação de Deus o mistério do Reino e o descanso para a alma. 

Meditação da Palavra

Jesus é o Messias anunciado pelos profetas e esperado por Israel. Zacarias é um dos profetas que animaram o povo na esperança, porque o rei, libertador, está a chegar. A primeira leitura recolhe esta profecia “eis o teu Rei, justo e salvador, que vem ao teu encontro”. O profeta já adivinha que este Rei será diferente de todos os reis de Israel, que defendiam o povo e a cidade com armas e entravam triunfantes nas muralhas de Jerusalém entre as aclamações do povo. O Rei salvador de que fala Zacarias destrói as armas e vence pela paz. É um rei humilde, montado num jumentinho.

O povo que esperava o Messias, tem dificuldade em reconhecer Jesus como o Rei libertador anunciado pelos profetas, porque aguarda uma libertação humana, política e à custa de guerras sangrentas e batalhas ferozes. Sobretudo as autoridades do povo, Escribas, doutores da lei e fariseus, têm dificuldade em ver o Messias prometido no Jesus humano, pobre, humilde e simples que têm diante deles. Como pode alguém como Jesus, exercer o “seu domínio de um mar ao outro mar e do rio até aos confins da terra”?

É esta a dificuldade dos sábios e dos inteligentes, das cidades de Corozaim, Betsaida e Cafarnaúm em oposição aos humildes e pequeninos e às cidades Tiro e Sídon. Jesus reconhece esta dificuldade e eleva a sua voz numa oração de bênção, na qual salienta a dificuldade dos chefes do povo, fariseus, doutores da Lei e escribas, em acolher a revelação do Pai.

Jesus reza, em voz alta, revelando o mistério de Deus que é Pai e Filho, a sua relação e conhecimento mútuos e revelando a sua identidade como filho que recebeu o conhecimento diretamente do Pai, e na qualidade de Filho está hoje diante dos homens como aquele que melhor o pode revelar.

Na oração Jesus mostra compreender que nem todos estão disponíveis para receber o conhecimento de Deus nem para reconhecer aquele que Deus enviou e, no qual, “ampara os que vacilam e levanta os oprimidos” e dá alívio às almas dos que andam cansados. Este conhecimento vem de Deus e não dos homens.

Quem são os sábios e os inteligentes que têm tanta dificuldade em acolher a revelação e em reconhecer em Jesus o enviado do Pai? São os doutores da lei, os fariseus e os escribas. Eles conhecem as Escrituras e, no entanto, este seu conhecimento não está ao serviço de Deus de modo a reconhecerem em Jesus os sinais evidentes de que ele é o Messias, o Filho de Deus, o Rei justo e libertador, humilde e cheio de bondade, que traz a paz a Jerusalém. 

Os pequeninos são as pessoas humildes do povo que, nos gestos de Jesus, veem os sinais do Reino que já está a realizar-se no meio deles e, por isso, o aclamam e seguem na esperança de encontrar nele o alívio para as almas.

Este conhecimento vem de Deus, como Jesus diz a Pedro quando ele responde à pergunta “quem dizeis que eu sou?”, “não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu”.

O conhecimento de Deus é vida no Espírito, de acordo com o que Paulo diz aos romanos. Os cristãos, que passaram pelo batismo, já não estão sob o domínio da carne, mas vivem segundo o Espírito. vivem uma vida nova, a mesma vida de Cristo, porque habita neles o mesmo Espírito que ressuscitou Jesus de entre os mortos. Mas, pode acontecer que mesmo os cristãos, em vez da liberdade do Espírito, prefiram o domínio da carne. Paulo na sua exortação deixa isso claro quando afirma “se é que o Espírito de Deus habita em vós. Se alguém não tem o Espírito de Deus, não lhe pertence”. Ora, só quem pertence ao Pai, como o Filho, recebe do Pai a revelação, o conhecimento de Deus que liberta, que levanta do chão, que dá descanso às almas. 

Rezar a Palavra

Também eu te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque apesar da minha incapacidade me revelaste o mistério do teu amor pelos pequenos, pelos simples e humildes, pelos oprimidos e cansados. Eu te bendigo, ó Pai, porque mesmo sendo pouco o que posso reconhecer do teu mistério libertador, para mim é já grandiosa a tua ação na minha vida. Eu te bendigo, ó Pai, porque me convidas continuamente à alegria da tua salvação.

Compromisso semanal

Coloco a minha esperança no Senhor, meu salvador e descanso em Cristo a minha alma.