Quem é o profeta? Quem é capaz de anunciar a Palavra de Deus nas situações mais difíceis, quando as pessoas estão pouco dispostas a reconhecer que têm de mudar de vida? Um desterrado como Ezequiel? (1ª leitura) Um carpinteiro de Nazaré, filho de Maria (Evangelho) ou o que se apresenta cheio de debilidades para ser instrumento de Deus (Paulo na 2ª leitura)? Se a competência dos enviados levanta muitas dúvidas, a reacção dos destinatários é ainda mais problemática: quem escuta Ezequiel desde o exílio da Babilónia? Ou Paulo carregado de dificuldades e problemas? Ou Jesus por demais conhecido na sua terra? O caminho da verdade entre os homens é sempre difícil. E os personagens bíblicos chamados profetas ficaram conhecidos, sobretudo, pela rejeição do que diziam e pelas consequências das suas palavras. Eram pessoas que estavam bem enraizados na história do povo e que actuavam em nome de Deus com conhecimentos profundos na ordem social, politica, económica e religiosa. Por isso, muitas das suas intervenções não eram bem aceites e resultaram até na perseguição levada a cabo pelos poderosos e pelo próprio povo.
- Os profetas não têm tarefa difícil
– Numa situação de vazio ético e de decadência social é frequente ouvir-se dizer que faltam líderes, mestres e, concretamente na Igreja, pastores e testemunhas… Em linguagem que se tornou corrente diz-se que “faltam profetas”…
– Mas, a relação com os profetas nunca foi fácil: sempre procuraram dizer o que pensavam, ou melhor, o que Deus queria que dissessem, e as suas palavras, no geral, não eram bem aceites… Nem seria fácil viver ao seu lado… A tentação mais frequente era silenciá-los para que não perturbassem as intenções dos políticos e dos homens do poder…
– O profeta vive uma tensão entre dois pólos: de um lado, está Deus que o envia e, do outro, os homens a quem é enviado… A fidelidade a Deus e a hostilidade dos destinatários empurram-no para a recusa e o desprezo…
– Ezequiel vive esta experiência em terras da Babilónia… Os judeus estavam convencidos que as culpas eram dos antepassados e eles é que estavam a “pagar as favas”: “os pais comeram as uvas verdes e aos filhos é que se embotaram os dentes”… Depois, sentem que Deus os abandonou e não há nada a esperar d’Ele… Que sentido tem, então, a palavra de Deus transmitida através de Ezequiel?…
– Também Jesus é confrontado com a resistência dos da sua terra: quem é ele? O sistema de vida e as convicções duma terra pequena não permitem que alguém venha dizer coisas diferentes…
– Mas Ele aí está a assumir-se como profeta, como homem de Deus, como Filho de Deus, a dizer palavras de sabedoria, uma sabedoria que nasce da experiência de Deus…
– A sua palavra causa a admiração dos seus conterrâneos e, sem que se descortinem motivos, a gente da sua terra começa a questionar a sua autoridade… Parece que não aceitam que, de dentro, com gente conhecida e de uma forma simples, Deus possa actuar e realizar a sua obra de salvação…
– Este acontecimento na terra de Jesus marca o seu itinerário e ilumina muito do que observamos ao longo da história e nos nossos dias… Continua a repetir-se que “santos da terra não fazem milagres” e “nenhum profeta tem sucesso na sua terra”!… - A palavra do profeta
– O problema é que nós não estamos muito dispostos a mudar, não aceitamos propostas diferentes daquelas a que estamos habituados…
– Por vezes, defende-se a tolerância para deixar que os comportamentos se imponham por si mesmos sem que haja qualquer espaço para a crítica e para propostas diferentes. Esta bandeira da tolerância serve, muitas vezes, para justificar as nossas atitudes e há gente que é muito tolerante para todos os que pensam como ele ou apoiam “o sistema ou a ideologia”… Se alguém ousa pensar e dizer diferente logo é chamado de “intolerante” ou inimigo do progresso e do bem-estar das pessoas…
– Os profetas são essa voz diferente, a voz de Deus que interpela e aponta para outras realidades. É preciso estar atento aos “profetas”, àqueles que não abraçam só “a sua causa”, a “do partido ou da ideologia”, mas assumem a causa dos outros, dos mais pobres e desprotegidos, as causas da humanidade…
– E todos nós devíamos aspirar a ser profetas: homens e mulheres de Deus, que com a vida e as palavras questionam esta sociedade adormecida e anunciam a alegria do Evangelho, o único que é capaz de transformar as mentalidades…
– Infelizmente, há mais tendência para escutar discursos demagógicos… Se Ezequiel dissesse: “os que estão em Judá peguem nas armas que têm e resistam porque a vitória é nossa… Nós aqui, da Babilónia, vamos apoiar e, dentro em breve, estaremos todos a mandar na nossa terra e nos próprios Babilónios…” se calhar, seria ouvido… Do mesmo modo, se Jesus incitasse à revolta contra os romanos e fomentasse a agitação, talvez a reacção dos seus conterrâneos fosse outra… - A questão é a fé
– Os caminhos apontados pelos profetas e, particularmente por Jesus, não são os da revolução ou do barulho, mas os da simplicidade e da humildade que brotam da fé… Este é o problema: a falta de fé; Jesus “estava admirado com a falta de fé daquela gente”…
– Como é que nós vemos e entendemos a acção da palavra de Deus na nossa vida? O que é que nós esperamos de Deus? O que é que queremos? Como é que nós reagimos?
– E se a acção de Deus não for a que nós previmos, qual é a nossa atitude? Onde está a fé?