Mistagogia da Palavra
Deus chama-nos à vida. Ele não Se compraz com a morte de ninguém. Revelou-Se em Cristo como, “Deus dos vivos e não dos mortos”. Deus é o Pai de quem procede a vida. Cristo é, pois, “o Verbo de vida por quem todas as coisas existem”; é “a ressurreição e a vida”. Os milagres, especialmente as ressurreições, testemunham que Ele veio, para comunicar a vida; e constituem, o sinal do destino a que a humanidade é chamada: a vida eterna. Podemos dizer que aí está toda a mensagem cristã. Quem participa de Cristo participa da vida. Depois de Cristo e da sua ressurreição, quem crê, mesmo sabendo que deve morrer, vê a morte como um momento para passar a uma vida sem fim. A morte torna-se uma “passagem”, assume assim o carácter pascal de uma vitória.
A 1ª leitura é do Livro da Sabedoria. Todas as criaturas que Deus criou contêm em si a salvação, e também o homem, criado à sua imagem, é imortal. A morte entrou no mundo por causa do pecado. Todo o pecado, provoca destruição e morte naquele que o comete. Só fazem a experiência da morte os que pertencem ao Demónio, isto é, os que vivem no pecado. Os outros, embora tenham de passar pela morte biológica, na realidade não experimentam a morte, “a verdadeira morte”.
A 2ª leitura é da Segunda Epístola de São Paulo aos Coríntios. O Apóstolo insiste na colecta a favor dos cristãos de Jerusalém, que vivem em grande pobreza.
Encontram-se aqui os dois aspectos essenciais da verdadeira esmola: o auxílio aos mais pobres faz do cristão imitador de Cristo e permite traduzir na prática o princípio da igualdade que Cristo instaurou com a sua morte. A Igreja de Jerusalém enriqueceu com a sua fé os Coríntios; estes agora enriquecem pela sua comunhão na caridade, suprindo também as deficiências materiais daqueles.
O Evangelho é segundo São Marcos. Vemos Jesus que, como o Pai, actua a favor da vida: uma vez curando uma mulher que, por causa da sua doença, não podia levar uma existência plenamente humana; e outra, restituindo a vida a uma menina que tinha acabado de morrer. Jesus é apresentado como vencedor, com grande poder, das enfermidades e da morte. Ele é o Salvador. Este é o objecto da fé cristã, posteriormente aprofundado quando se especifica que, a salvação é vitória sobre a morte. Jesus transmite essa salvação, mas o homem só a faz sua se tem fé. Só a fé permite ao homem encontrar-se com a força salvífica de Jesus.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, ajuda-me a humildade que se expõe e se entrega a Jesus na confiança.
Evangelho Mc 5, 21-43
Naquele tempo, depois de Jesus ter atravessado de barco para a outra margem do lago, reuniu-se uma grande multidão à sua volta, e Ele deteve-se à beira-mar. Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Ao ver Jesus, caiu a seus pés e suplicou-Lhe com insistência: «A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva». Jesus foi com ele, seguido por grande multidão, que O apertava de todos os lados. Ora, certa mulher que tinha um fluxo de sangue havia doze anos, que sofrera muito nas mãos de vários médicos e gastara todos os seus bens, sem ter obtido qualquer resultado, antes piorava cada vez mais, tendo ouvido falar de Jesus, veio por entre a multidão e tocou-Lhe por detrás no manto, dizendo consigo: «Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada». No mesmo instante estancou o fluxo de sangue e sentiu no seu corpo que estava curada da doença. Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo. Voltou-Se para a multidão e perguntou: «Quem tocou nas minhas vestes?». Os discípulos responderam-Lhe: «Vês a multidão que Te aperta e perguntas: ‘Quem Me tocou?’». Mas Jesus olhou em volta, para ver quem O tinha tocado. A mulher, assustada e a tremer, por saber o que lhe tinha acontecido, veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade. Jesus respondeu-lhe: «Minha filha, a tua fé te salvou». Ainda Ele falava, quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga: «A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre?». Mas Jesus, ouvindo estas palavras, disse ao chefe da sinagoga: «Não temas; basta que tenhas fé». E não deixou que ninguém O acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga, Jesus encontrou grande alvoroço, com gente que chorava e gritava. Ao entrar, perguntou-lhes: «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu; está a dormir». Riram-se d’Ele. Jesus, depois de os ter mandado sair a todos, levando consigo apenas o pai da menina e os que vinham com Ele, entrou no local onde jazia a menina, pegou-lhe na mão e disse: «Talita Kum», que significa: «Menina, Eu te ordeno: Levanta-te». Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar, pois já tinha doze anos. Ficaram todos muito maravilhados. Jesus recomendou-lhes insistentemente que ninguém soubesse do caso e mandou dar de comer à menina.
Caros amigos e amigas, o Evangelho fala de duas histórias trágicas, nas quais Jesus entra não para explicar a dor e a morte, mas para mostrar o coração de Deus, amante e senhor da vida.
Interpelações da Palavra
“Talita Kum”
O importante chefe da sinagoga, Jairo, num gesto de desespero e humildade, atira-se aos pés do Mestre e, com insistência, pede-lhe que lhe cure a filha. Acto de fé ou de aflição? Não sei, mas bem-aventurados são todos os Jairos desta terra que intercedem e perturbam continuamente o Senhor por causa tua e minha! Que incomodam o Criador até que ele entre na nossa casa, na nossa vida, mudando-lhe o rumo. Cada um de nós é aquela jovem, na casa das lágrimas, que Jesus pega pela mão dizendo: Talita Kum! Levanta-te! Atreve-te a acreditar e a esperar! Acorda a vida adormecida que há em ti! Retoma a descoberta do amor e a alegria de viver! Cada dia é dia de Páscoa, de ressurreição!
“Tocar nas suas vestes”
A mulher, sem nome nem títulos, aproxima-se no meio da multidão de Jesus apenas para “roubar” o milagre, esperando que ninguém a veja tocar as vestes da graça. Há 12 anos que se esvaía em sangue e em solidão. Na verdade, tantos se aproximam, mas só ela lhe toca o coração. E aquela que sofria da hemorragia social e sentimental, desiludida pela medicina humana, é curada por um toque! É no calor de um gesto que Jesus “rouba” o estéril anonimato à mulher e a enche de esperança. Agora é filha, pessoa amada e tocada, moldada novamente do barro frágil e ressuscitada para uma vida nova.
Um Deus apaixonado pela vida
Muitos são os que estão perto de Jesus, mas apenas uma mulher o toca. Muitos são os gritos, mas são as palavras de um pai que o demovem. Nas duas mulheres definhando a vida é toda a humanidade que chora, desespera, faz as contas com a morte. Nelas reconhecemos a fragilidade e a confiança de colocar a vida nas mãos de Jesus. E isso para Deus basta. Bastam os nossos fragmentos frágeis de fé para que o seu coração vibre. E quando pensamos que tudo acabou, Ele nos sussurra: o teu coração não morreu, apenas dorme! Muito em nós dorme, se esvai em anonimato e desfalece a vida. Mas porque o amor não conhece limites, Deus é capaz de atravessar o limiar do sono e da morte para nos repetir: Filho meu, levanta-te! Levanta-te, caro amigo e amiga, porque o amor não foi criado para morrer, mas para viver! E isso é Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Louvo-Te, Senhor porque Tu não és um distante e a tua criação não é operação por controle remoto…
Tudo está embebido da Tua presença; basta estender a mão para auferir o teu toque!
A brutal hemorragia do teu amor, estancou o derramamento da nossa esperança!
Senhor, socorre esta humanidade, campo onde a morte disputa com a vida.
E hoje espero-te para aceitar que me levantes, quero viver a tua vida, caminhar
no teu movimento e acompanhar-te na tua peregrinação pelo sofrimento humano.
Viver a Palavra
Vou descobrir formas corajosas de tocar em Jesus e nos irmãos, para que a corrente de amor não se parta.