Que posso fazer por ti para que, morrendo, vivas?

Na minha casa encontras repouso e em ti encontro a recompensa. O teu repouso fala de hospitalidade, a recompensa tem o sabor da alegria. Em ti revela-se o Deus que fala, em mim o Deus do silêncio. Em ti o Deus pobre que pede auxílio, em mim o Deus que está sempre contigo. No teu cansaço vejo a minha condição, no copo de água fresca que te ofereço, vejo a vida que vem de Deus. Tu és o homem de Deus, eu sou aquele a quem Deus te envia.
Que podes fazer por mim? Que posso fazer por ti?

LEITURA I 2Rs 4, 8-11.14-16a

Certo dia, o profeta Eliseu passou por Sunam. Vivia lá uma distinta senhora, que o convidou com insistência a comer em sua casa. A partir de então, sempre que por ali passava, era em sua casa que ia tomar a refeição. A senhora disse ao marido: «Estou convencida de que este homem, que passa frequentemente pela nossa casa, é um santo homem de Deus. Mandemos-lhe fazer no terraço um pequeno quarto com paredes de tijolo, com uma cama, uma mesa, uma cadeira e uma lâmpada. Quando ele vier a nossa casa, poderá lá ficar». Um dia, chegou Eliseu e recolheu-se ao quarto para descansar. Depois perguntou ao seu servo Giezi: «Que podemos fazer por esta senhora?». Giezi respondeu: «Na verdade, ela não tem filhos, e o seu marido é de idade avançada». «Chama-a» – disse Eliseu. O servo foi chamá-la, e ela apareceu à porta. Disse-lhe o profeta: «No próximo ano, por esta época, terás um filho nos braços».

A mulher Sunamita reconhece, no homem a quem recebe na sua própria casa, um “homem de Deus”, “um santo”, e tem para com ele a hospitalidade que se dá aos homens de Deus. “Quem recebe um profeta por ele ser profeta merece recompensa de profeta”, dirá Jesus. Em recompensa ela recebe a dádiva de um filho por acolher na sua casa o profeta Eliseu, sem saber quem ele é.

Salmo responsorial Sl 88 (89), 2-3.16-17.18-19
No salmo, somos convidados a cantar a misericórdia de Deus. Nas entrelinhas da vida, podemos ver as mil razões para cantar hinos e dirigir a Deus aclamações de louvor por tudo quanto ele faz, na criação e na história dos homens.

LEITURA II Rm 6, 3-4.8-11

Irmãos: Todos nós que fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele pelo Batismo na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova. Se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos, sabendo que, uma vez ressuscitado dos mortos, Cristo já não pode morrer; a morte já não tem domínio sobre Ele. Porque na morte que sofreu, Cristo morreu para o pecado de uma vez para sempre; mas a sua vida, é uma vida para Deus. Assim, vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus.

A morte de Cristo libertou os homens do pecado e da morte. Todo aquele que acredita em Jesus e passa pela morte de Cristo nas águas do batismo, encontra nele uma vida nova, a vida cristã. É transformado numa nova criatura que vive de Deus e não já de Adão. Vive da ressurreição e não teme a morte.

EVANGELHO Mt 10, 37-42

Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos: «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim. Quem encontrar a sua vida há de perdê-la; e quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la. Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou. Quem recebe um profeta por ele ser profeta, receberá a recompensa de profeta; e quem recebe um justo por ele ser justo, receberá a recompensa de justo. E se alguém der de beber, nem que seja um copo de água fresca, a um destes pequeninos, por ele ser meu discípulo, em verdade vos digo: Não perderá a sua recompensa».

O final do discurso sobre a missão dos discípulos de Cristo, é ocasião para Jesus recordar a radicalidade do amor que se pede àqueles que decidem segui-lo e assumem a sua missão. Mas é também oportunidade para recordar que os seus discípulos realizam a missão do mestre, com o mesmo poder, e identificam-se com ele. Deste modo, até um copo de água que lhes seja dado tem, da parte de Deus, uma recompensa.

Reflexão da Palavra

Depois da narração do chamamento de Eliseu no capítulo 19 do primeiro livro dos Reis, o segundo livro apresenta a história de Eliseu nos capítulos 2 a 13. Recebeu o ministério profético das mãos de Elias e acompanhou-o até ao fim da vida. Durante cerca de cinquenta anos foi profeta em Israel, onde tinha grande influência junto do rei. Realizou diversos milagres: abriu as águas do Jordão com a capa de Elias; purificou as águas de Jericó, multiplicou o azeite da viúva, ressuscitou o filho da mulher sunamita, multiplicou os pães, curou Naamã da lepra, entre outros.

O texto da primeira leitura relata a promessa que Eliseu fez à mulher sunamita que, sendo estéril, iria ter um filho, como resposta pela generosidade com que o recebeu na sua própria casa. A hospitalidade era uma atitude muito reconhecida nos povos nómadas, e em Israel era também muito habitual. Esta mulher acolhe na sua casa um profeta, sem saber que é profeta. Depois de várias vezes o ter recebido foi-se dando conta de que aquele homem tinha atitude de “Santo”, “um santo homem de Deus” e, por isso, tratou de lhe dar melhores condições para que ficasse bem instalado. A recompensa pela sua generosidade foi um filho que acabou por conceber e dar à luz.

Os versículos que compõem o salmo responsorial deste domingo são tirados do salmo 89. Estamos perante um hino que canta os feitos do Senhor, tanto na criação como na história. O salmo, na sua versão completa apresenta alguns elementos em forma de oráculo, nos versículos 20 a 39, e a partir do versículo 39 continua em forma de súplica, o que pode sugerir estarmos diante da junção de peças independentes que foram reunidas num único salmo ou de um hino ao qual se foram juntado elementos.
Os versículos que se cantam neste domingo são da primeira parte do salmo e têm as características de um hino. O autor começa por afirmar decididamente “cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”. Cantar a misericórdia do Senhor significa reconhecer que o compromisso de Deus para com o homem é inabalável. Aconteça o que acontecer, seja qual for a atitude do homem ou do povo, o Senhor permanece firme na sua lealdade. Cantar a misericórdia do Senhor significa que confiamos que se realiza a sua promessa para connosco. A mulher Sunamita fez esta experiência ao verificar que se cumpria o que o profeta lhe afirmara e mais tarde ao ver como o profeta ressuscitava o seu filho, mas é em Jesus que se cumprem todas as promessas de Deus.

Para Paulo, a vida nova que o cristão adquire no batismo está acima do pecado e da morte que experimentam os que não renasceram com Cristo. Esta vida nova que brota da morte com Cristo no Batismo, configura-se como uma nova criação. Do batismo sai um homem novo à imagem de Cristo. Do batismo nasce um homem que recusa o pecado em que vivia anteriormente porque, como Cristo, morreu para o pecado e já só tem espaço para a vida nova que brota dessa morte. Renascido em Cristo, agora, pertence à vida da ressurreição e não à morte, agora vive a obediência de Cristo e não a desobediência de Adão.
O evangelho apresenta os versículos finais do discurso de Jesus sobre a missão. Os que foram chamados são os mesmo que também são enviados. Por isso, pede-se o mesmo aos enviados que se pediu aos chamados e chama-se a atenção para as reações por parte daqueles a quem se é enviado.

Nos três versículos anteriores a este texto, Jesus foca-se na possibilidade de os seus discípulos encontrarem oposição na própria família. Agora já não é o pai de família a referência para as relações, mas o próprio Jesus que, chamando, dá início a uma nova família.

Seguir Jesus é, portanto, uma decisão fundamental, que implica deixar tudo, caso contrário “não é digno de mim”. Está aqui expressa a radicalidade do amor. De facto, o enviado, como afirmam os três últimos versículos, está identificado com Jesus e, através dele, com Deus. Esta identificação nasce do amor, condição fundamental para seguir Jesus. Sem vínculo de amor não há discípulo, “não é digno de mim”. Um amor que está acima dos laços afetivos da família.

A vida e ação de Cristo e dos enviados está em Deus. Por isso, a recompensa pela atitude para com o enviado vem de Deus e não dos homens. “Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou”. A recompensa depende da atitude que se tem diante daqueles que Jesus envia, identificados com os prediletos de Jesus, “os pequeninos”.

Meditação da Palavra

No final do discurso sobre o desafio missionário que Jesus lança aos doze para que sigam os seus passos e continuem a sua missão, Jesus exige-lhes uma adesão de amor que implica uma comunhão íntima com ele e uma predileção que, não anula, mas supera os laços familiares. Estes laços exprimem-se no cuidado e proteção de uns pelos outros. Trata-se de um amor que se dá e recebe. Na relação com Jesus o amor acontece entre iguais, numa dimensão mais íntima e profunda, que implica o compromisso da vida toda, até à morte na cruz. Trata-se de um amor de pertença exclusiva, diante do qual, todos os amores são relativos, mas saem fortalecidos porque enriquecidos pela doação a Cristo e a entrega à missão. Não estar disposto a pôr em causa todas as relações, todos os amores, todos os afetos e submete-los ao amor de Cristo e à missão, é admitir que “não é digno de mim”
Compreender este desafio, de ir mais fundo no amor a Cristo e de sentir-se desafiado a cumprir a mesma missão que ele realizou em nós e por nós, desperta o nosso olhar para a grandeza do enviado. Reconhecer, na fragilidade de um simples homem, alguém que vem em nome de Deus, cujos gestos e palavras significam que Deus está presente e atua em nosso favor, é um dom que nasce desse amor que já nos habita mesmo quando ainda não conhecemos a Cristo. Esse conhecer ignorante, iluminado pelo dom do amor derramado antecipadamente nos nossos corações, leva à hospitalidade que tem a sua fonte no amor de Deus e não apenas na bondade humana.

Acolher o outro, enviado por Deus à nossa vida, é já acolher Deus sem o saber. Não se trata de simples hospitalidade como se vê no caso da mulher Sunamita que acolhe o profeta Eliseu. Jesus fala de um acolhimento mais profundo, que decorre da identificação do mensageiro que bate à nossa porta, com ele e com o seu evangelho. E, acolher Jesus e o seu evangelho é acolher Deus e o seu Reino.

No entendimento de Jesus os discípulos devem ser recebidos pelo que eles são em relação à missão, como enviados de Cristo, e não apenas como pessoas. Trata-se de o receber por ser de Cristo, para ter recompensa de Cristo.

Esta identificação decorre da vida nova que se recebe no Batismo, que é participação na morte e na ressurreição de Cristo. Uma vida que está livre das cadeias do pecado e da morte, que não teme nem o pecado nem a morte, porque Cristo venceu a morte e o pecado. Daqui a importância de receber o enviado de Cristo, porque ele traz a notícia feliz desta vitória. Quando o mensageiro entre na nossa casa é Cristo quem entra para salvar do pecado e da morte. Foi esta a experiência da mulher Sunamita, que viu a vida acontecer no seu seio e a acolheu nos seus braços.

Para muitos, que não veem o mistério que se esconde no chamamento e envio, ser discípulo de Cristo é como morrer, perder a vida. Mas, para o discípulo, para o batizado, para aquele que vê com o coração e não os parâmetros humanos, é fonte de vida que a morte não consegue vencer. Aquele que deixa tudo para ser um só com Cristo no amor e na missão, encontra em Cristo o que o seu coração procura.

Rezar a Palavra

Na tua morte encontro a vida e quando perco tudo por tua causa ganho a eternidade. És surpreendente, Senhor, quando exiges de mim o mesmo que exiges de ti, dar a vida pelo evangelho. Na água do batismo lavas continuamente os meus olhos para que veja através de ti, da tua morte e ressurreição, os sinais da tua presença naqueles que me envias como teus mensageiros. Lavas também o meu coração para que não desista diante daqueles que não me recebem por ti. Que posso fazer por ti que não tenhas já feito por mim? Que eu não perca a tua recompensa.

Compromisso semanal

Estendo a minha vida como um copo de água que se dá a todos.