Na sequência do Domingo passado, as leituras bíblicas continuam a abordar o tema da fé em circunstâncias de dificuldade como a doença e a morte. Ouve-se dizer a algumas pessoas que “têm muita fé”; outros lamentam não ter fé; e há ainda aqueles que assumem ter fé mas, reconhecem que precisam de a aumentar, porque há acontecimentos que causam perturbação, como o sofrimento e a morte, diante dos quais a fé pode vacilar.
Muitas vezes a força da morte parece impor-se ao poder da vida; e é no âmbito da vida que se situa a fé. Será que é a morte que vence? Qual é o destino do homem? O livro da Sabedoria recorda-nos que não foi Deus que fez a morte e que Deus não quer que o homem se apague; o salmista convida a louvar o Senhor porque foi salvo do abismo da morte; no Evangelho Jesus vence a morte e ressuscita a filha de Jairo; e S. Paulo recorda aos cristãos de Corinto que a partilha dos dons que recebemos de Deus, principalmente com os mais necessitados, é geradora de vida.

  1. Viver com a morte presente

– O calor do verão e as férias permitem que muita gente se comece a deslocar nestes dias para repousar em ambientes diferentes tentando esquecer, por algum tempo, a azáfama e os problemas diários… Mas também é nestas circunstâncias que, por vezes, as pessoas se confrontam com mais desastres e outro tipo de sofrimentos. Porventura, algum dos habituais acompanhantes, este ano não pode ir, porque partiu para a casa do Pai, está desempregado, doente, sujeito a tratamentos que o prendem ao seu lugar, confinado e obrigado a cumprir as regras sanitárias…
– É nestas alturas que também nos interrogamos sobre o sentido da vida e o futuro: hoje são eles, amanhã poderemos ser nós porque os males podem acontecer a todos…
– Apesar disso, a energia da fé em Jesus pode levar-nos a pensar e a estar na vida de modo diferente: o homem e a mulher do Evangelho de hoje estão diante da doença e da morte… Em público ou em privado, ambos imploram a ajuda de Jesus; os dois têm que vencer barreiras sociais: um era o chefe da sinagoga e isso responsabilizava-o mais naquela sociedade religiosa; a outra é uma mulher que se mete no meio da multidão com uma doença que parecia incurável pois já tinha gasto muitos dos seus haveres com os médicos sem qualquer resultado; o seu estado de espírito seria de frustração e de vergonha…
– Também têm que vencer barreiras religiosas: a mulher estava sujeita a duras sanções pela sua ousadia em tocar noutra pessoa; a sua doença era considerada impura e uma pessoa impura não podia sequer estar no meio da multidão porque com o seu toque podia contaminar todos os que estavam à sua volta… Certo é que não sabemos nada da sua história: o nome, a família, a idade… Conhecemos, isso sim, a sua fé…
– A situação criada também permite a Jesus estabelecer um diálogo com algum humor: “quem me tocou?” (quando toda a gente o apertava de todos os lados!…) Mas o final é o mais importante: “filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fica curada do teu mal”.

  1. É a fé que salva

– Jesus não passa ao lado das situações que encontra quando caminha por aquelas estradas da Palestina…
– O caso de Jairo ilustra como, diante da morte, somos todos iguais: ricos ou pobres, velhos ou novos… Também aqui não sabemos nada da história da menina e muito menos da sua história clínica… O que sobressai é o pedido insistente de Jairo…
As personagens do Evangelho de hoje caracterizam diversas atitudes de fé:
– Há a multidão das pessoas que actua em grupo: não é hostil a Jesus porque até O segue, mas é indiferenciada porque vão todos juntos…
– Jairo, o chefe da sinagoga, tem fé: prostra-se aos pés de Jesus e suplica-lhe a cura da filha…
– A mulher que sofre do fluxo de sangue, ainda que esteja misturada com o grupo indiferenciado, salienta-se porque se aproxima de Jesus de outra maneira: ela tem confiança… E Jesus volta-se para ela e diz: “filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fica curada do teu mal”…
– As pessoas da casa do chefe da sinagoga não têm a mesma fé dele porque até recomendam que ele desista e depois fizeram troça do que Jesus disse… Contrapõem-se aqui duas atitudes: a dos criados que apelam ao realismo e à resignação; e a de Jesus que convida à fé e à confiança: “não temas, basta que tenhas fé”…
– Ao chegar a casa, Jesus orienta as coisas novamente com algum humor: “não morreu, está a dormir”. Riram-se dele… É o riso cínico de quem reconhece apenas a lógica do fracasso; e céptico, próprio dos que não têm qualquer esperança… Naturalmente que, a estes, Jesus pô-los fora, ficando apenas com os pais e os três discípulos, que ficaram espantados…
– O assombro que depois tomou conta das pessoas não é propriamente fé… Ainda têm muito caminho a percorrer à sua frente, de uma forma silenciosa…
– A fé não é aceitar umas coisas que não se entendem… É confiar em Deus, amigo da vida; saber que Ele está próximo, que acompanha e integra na comunidade depois de eliminar os obstáculos…