O Evangelho deste Domingo foi o texto que serviu de inspiração ao Papa Francisco para a “Statio Orbis” do dia 27 de Março de 2020 em plena crise provocada pela pandemia do COVID-19. O Papa sublinhou que foi “ao entardecer…” e que há algumas semanas parecia ter caído a noite porque as trevas cobriam as nossas praças, ruas e cidades; “como os discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos somos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos”, referia o Papa.
Jesus dorme tranquilamente, à popa, e é acordado pelos discípulos; depois de acalmar o vento e as águas volta-se para os discípulos e pergunta em tom de censura: “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”. Como os discípulos sentimo-nos vulneráveis, com os perigos a atingir-nos de perto; apoiámo-nos, tantas vezes, em falsas seguranças, pensávamos ter as soluções para todos os problemas e eis-nos a recomeçar o caminho da fé porque precisamos de ser salvos, que Jesus vá a bordo connosco para evitar o naufrágio colectivo. As tempestades, do passado e do presente, põem à prova a nossa fé; mas, por outro lado, é a fé que cria em nós resistências contra as dificuldades e nos leva a enfrentar os problemas. Ela não elimina a dor das nossas vidas mas, dá-nos força no meio das contrariedades.

  1. Os desafios da fé

– A tempestade surge como algo inesperado, um acontecimento que trava o nosso processo comum e o das pessoas que estão próximas de nós. Como a normalidade das coisas é alterada, a nossa reacção imediata é de pânico… Aconteceu de improviso, não estava nos nossos planos, não temos respostas imediatas e veio baralhar tudo…
– É nestas surpresas que sentimos que não temos capacidade para lidar com determinadas situações cujo controlo nos escapa… Falta-nos resistência e espírito de luta, capacidade para dar a volta às situações…
– Hoje, este fenómeno é muito mais sentido porque as pessoas se habituaram à vida cómoda e fácil, confiaram demasiado em quem lhe prometeu resolver todos os problemas, puseram Deus de lado e, por isso, diante da dificuldade, assustam-se mais depressa…
– O que falta, no fundo, é a fé, que pode mais do que todos os problemas do mundo; não uma fé estática, mas aquela que se desenvolve na vida, que desperta e cresce no meio dos problemas próprios e dos demais; que não nos permite ficar no nosso bem-estar e esquecer as angústias dos outros…

  1. As dificuldades dos discípulos de Jesus

– Para os homens e as mulheres da Bíblia, dominar o mar, acalmar o vento e as ondas, era o que de mais extraordinário podia acontecer… Só o poder de Deus pode interferir com estas forças (1ª leitura)… No Evangelho, há diversos elementos que nos ajudam a ler a situação vivida pelos discípulos nas primeiras comunidades cristãs e que, certamente, se repetem hoje:
– O barco que, no Evangelho de São Marcos se refere à Igreja como um todo, e também às diferentes comunidades locais, encontra-se no meio dessas forças hostis que parecem afundá-la…
– As ondas do mar referem-se às dificuldades para levar o barco a bom porto…
– A outra margem era, na geografia de Marcos, a terra dos pagãos, dos indiferentes a Deus, dos ocupados com outras coisas…
– O medo dos Apóstolos representa a situação de todos os que vivem assustados e que ainda não têm fé…
– A atitude de Jesus, que vai a dormir, parece significar tantos momentos em que dá a impressão que Deus está ausente e não se importa com as nossas dificuldades…
– As primeiras comunidades sentiram alguns problemas em se voltar para os pagãos, para os que estavam do outro lado, e tiveram que ultrapassar esses obstáculos… Perceberam que a força do Evangelho as movia para se relacionar com todos, que era preciso sair do “quentinho” do grupo restrito para que a presença de Jesus fosse sentida por todos…

  1. Estar no barco

– É curioso que o Evangelho narra esta experiência do medo dos discípulos estando eles na barca, quer dizer, na Igreja… Significa que a comunidade cristã está sujeita a este vento e às ondas que arremetem contra ela…
– Nas dificuldades, Jesus está presente, embora, por vezes, não pareça… Ele não abandona o barco. Pedimos-Lhe, então, que nos continue a acompanhar para passar para a outra margem enquanto navegamos no lago da vida, que o medo não nos vença face às dificuldades; que a fé nos confirme que Ele abranda o mar e torna possível a travessia…