A perder de vista… tudo começa e faz sentido

No horizonte, a perder de vista, o fim da jornada.
No início de cada madrugada uma seara enorme, a perder de vista, se abre diante dos olhos que despertam. Lá longe o fim da jornada, tão longe que ninguém sabe onde acaba. Começa aqui, em pequenas espigas salteadas em terreno pedregoso, à beira do caminho, no meio de cardos enganadores. Parece não valer a pena o esforço necessário de tão escasso e difícil de colher. Para nada, diz o pensamento.
Levanta-se a voz chamando pelo nome, Pedro, Tiago, João… “Ide primeiro…”. E, ali, à voz do Mestre, tudo começa e faz sentido.

LEITURA I Ex 19, 2-6a

Naqueles dias, os filhos de Israel partiram de Refidim e chegaram ao deserto do Sinai, onde acamparam, em frente da montanha. Moisés subiu à presença de Deus. O Senhor chamou-o da montanha e disse-lhe: «Assim falarás à casa de Jacob, isto dirás aos filhos de Israel: ‘Vistes o que Eu fiz ao Egito, como vos transportei sobre asas de águia e vos trouxe até Mim. Agora, se ouvirdes a minha voz, se guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade especial entre todos os povos. Porque toda a terra Me pertence; mas vós sereis para Mim um reino de sacerdotes, uma nação santa’».

Saído do Egito, o povo de Deus, chega ao monte Sinai. Aqui, Deus manifesta-se com todo o seu poder e fala a Moisés. O Senhor está disposto a fazer uma aliança com este povo, ridículo, mas amado por ele. Uma aliança que restaura o povo e o transforma em reino de sacerdotes e nação santa e compromete Deus como seu proprietário.

Salmo responsorial Sl 99 (100), 2.3.5
O salmo proclama a bondade de Deus, a sua misericórdia e fidelidade, razões suficientes para que todo o povo se sinta convocado a ir à sua presença, a louvá-lo e servi-lo com alegria, porque “Ele, o Senhor, nos fez, a Ele pertencemos”.

LEITURA II Rm 5, 6-11

Irmãos: Quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado. Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Mas Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores. E agora, que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão seremos por Ele salvos da ira divina. Se, na verdade, quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais razão, depois de reconciliados, seremos salvos pela sua vida. Mais ainda: também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem alcançámos agora a reconciliação.

A nossa esperança na salvação está alicerçada no amor de Deus por nós, manifestado na morte de Cristo, quando ainda éramos pecadores. Por nós mesmos não conseguimos salvar-nos, mas em Cristo, Deus justifica-nos e prova assim o seu amor.

EVANGELHO Mt 9, 36 – 10, 8

Naquele tempo, Jesus, ao ver as multidões, encheu-Se de compaixão, porque andavam fatigadas e abatidas, como ovelhas sem pastor. Jesus disse então aos seus discípulos: «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara». Depois chamou a Si os seus doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as doenças e enfermidades. São estes os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Cananeu, e Judas Iscariotes, que foi quem O entregou. Jesus enviou estes Doze, dando-lhes as seguintes instruções: «Não sigais o caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. Ide primeiramente às ovelhas perdidas da casa de Israel. Pelo caminho, proclamai que está perto o reino dos Céus. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça».

Jesus partilha com os discípulos o sentimento de compaixão que sente pela multidão que, desorientada, parece um rebanho sem pastor. E chama os discípulos a assumir a sua preocupação pelas pessoas para os enviar com a mesma missão que ele recebeu do Pai.

Reflexão da Palavra

A chegada do povo ao Monte Sinai é a oportunidade para Deus estabelecer com eles um pacto. O fundamento deste pacto é o próprio Senhor. Foi ele quem os retirou do Egito, terra de escravidão e os conduziu até àquele lugar. O pacto, apresentado de forma simples, é a manifestação da eleição do povo por parte de Deus. O povo que o Senhor libertou é também o povo que o Senhor escolheu. Com ele faz uma aliança que compromete os dois lados. O povo compromete-se a escutar o Senhor e a guardar a aliança e Deus compromete-se a receber o povo como sua propriedade e a protege-lo como tal. Como povo do Senhor, será um “reino de sacerdotes, uma nação santa”.

O salmo 100 é um pequeno hino que começa com um invitatório, no qual se faz o convite para ir à presença do Senhor através imperativos, “Vinde”, “entrai”, “sabei”, “aclamai”, “servi”, “glorificai” e “bendizei” o Senhor. No final apresenta a motivação para os imperativos. “Porque o Senhor é bom, eterna é a sua misericórdia, a sua fidelidade estende-se de geração em geração”.

Paulo recorda um tempo antes de Cristo em que o homem não podia viver a esperança porque, por si mesmo nada podia fazer para sair da situação de pecador. Aprisionado pelas suas próprias ações, não tinha possibilidade de se libertar. A intenção de Paulo é colocar diante da comunidade cristã de Roma a verdade central do evangelho: “Cristo morreu pelos ímpios” no tempo de Deus. Desta forma, fala da morte de Cristo como expiação e não como fatalidade, como lugar da manifestação de Deus e não como condenação.

Querendo reforçar a grandeza da morte de Cristo, afirma que dificilmente alguém estaria disposto a morrer por um justo. Para logo recuperar a grandeza da razão divina: “é assim que Deus prova o seu amor para connosco” e repete a razão da morte de Cristo “por nós”.

Se Deus nos ama ao ponto de deixar o seu filho morrer “por nós”, sendo pecadores, como é que nos vai abandonar, agora, que fomos justificados, conclui Paulo. É nesta certeza que está alicerçada a nossa esperança.

O texto de Mateus que é apresentado no evangelho, está antecedido por uma introdução que especifica a missão de Jesus que vai ser dada, também, aos doze, como iremos ver. Jesus percorre as cidades e aldeias, “ensinando, proclamando e curando” (v. 35).
Prescindindo desta introdução o texto vai diretamente para o impacto que as multidões têm em Jesus (v. 36-38). A multidão desorientada provoca em Jesus sentimentos de compaixão, misericórdia, bondade, amor, característica atribuídas a Deus, como se vê no salmo e nas leituras. No dizer de Mateus, o povo é como um rebanho sem pastor e Jesus é o pastor, o único capaz de reunir todas as “ovelhas perdidas da casa de Israel”. No entanto, deixa já espaço para o que Jesus quer fazer, que é envolver nesta missão os doze, desafiando-os a reconhecer que tudo está nas mãos de Deus “pedi ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara”. Moisés no deserto também pediu a Deus um condutor para o povo (Nm 27,17). Aqui Jesus quer envolver os doze nesta missão.

O povo fatigado e cansado não consegue restabelecer-se como um só rebanho se não tiver quem se disponha a cuidar dele. Por isso “chamou a si os seus doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as doenças e enfermidades”. O pastor do rebanho é Jesus, o dono da messe é o Pai e os discípulos nada fazem por si mesmos. Compete-lhes pedir e estar disponíveis para serem chamados e enviados. Não se chamam a si mesmos nem se enviam a si mesmos, são chamados e enviados. Os enviados são revestidos do mesmo poder daquele que os envia.

Mateus tem o cuidado de referir que Jesus lhes concedeu o poder para a missão e indica que é a mesma missão de Jesus, “proclamai que está perto o Reino dos céus, curai os enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsai os demónios”. Esta missão une definitivamente os doze a Jesus, numa relação de dependência total daquele que lhes concedeu o seu poder.

Meditação da Palavra

Impulsionado por sentimentos de compaixão, Jesus dispõe-se a responder ao apelo silencioso de uma multidão que, na busca do essencial para satisfazer as necessidades básicas, nem se dá conta de que a felicidade passa perto. Jesus percebe o desnorte da multidão, fatigada, cansada, que ele identifica como um rebanho sem pastor. Os chefes do povo não sabem cuidar das suas ovelhas e elas dispersam-se e cansam-se por nada.

Jesus veio para as ovelhas perdidas da casa de Israel. Ele está ali, e tem em si mesmo o poder para curar, salvar e libertar de acordo com a missão que recebeu do Pai que é o dono da messe. A missão de Jesus, porém, não se esgota nele, deve ter nos discípulos preciosos colaboradores, homens que adquirem os mesmos sentimentos, assumem a mesma preocupação pelas ovelhas perdidas e se implicam no trabalho como ceifeiros da seara do Pai.

Para isso “chamou-os a si”, quer dizer, introduziu-nos na sua intimidade para adquirirem um coração capaz de se compadecer, para compreenderem que a motivação para a missão é o amor do Pai e a resposta ao seu amor e encontrarem no trabalho da messe o sentido radical das suas vidas. Depois, envia-os com urgência, “ide às ovelhas perdidas da casa de Israel” com o poder de curar, salvar e libertar, porque a seara já está pronta. A presença de Jesus revela que o tempo da ceifa chegou e, mesmo que não se veja o tempo em que o trigo estará todo recolhido no celeiro do Pai, o trabalho começa já. Se não há trabalhadores suficientes, isso não impede que os disponíveis comecem já o seu trabalho e a súplica ao dono da messe por mais trabalhadores.

Porque hão de os doze ir nesta missão? Humanamente, não há nenhuma razão que possa justificar que uns abandonem tudo para que outros encontrem o caminho. Os doze, porém, como acontece com muitos homens e mulheres ao longo da história da Igreja, sabem-se amados no amor daquele que entrega o filho para salvar os ímpios. Porque “quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios”, atitude também ela incompreensível aos olhos dos homens, pois “dificilmente alguém morrer por um justo”.

“Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores”. Por esta razão os doze não podem negar-se à missão e, pela mesma razão nós também não podemos deixar de nos alistarmos para o trabalho na seara do Senhor e realizar a parte da ceifa que nos corresponde.

Como aos israelitas, o Senhor fez-nos chegar até aqui, “sobre asas de águia”, para que vendo o que fez por nós na cruz de Jesus, escutemos a sua voz e nos tornemos para ele um “reino de sacerdotes, uma nação santa”, “povo de Deus, as ovelhas do seu rebanho”.

Rezar a Palavra

Olho a multidão a partir do teu coração apaixonado pelo homem perdido, fatigado, abatido. No teu coração encontro os sentimentos de compaixão, misericórdia, bondade e amor. Sinto-me impelido pela tua voz que ressoa em mim, para ir, como tu, com o teu poder e a tua graça e dar de graça o que de ti recebi sem merecer.

Compromisso semanal

Compreendo-me implicado na missão de Jesus sem poder dizer não, porque recebi no batismo o poder de curar, salvar e libertar os que andam cansados, como ovelhas sem pastor.