No meio do nevoeiro ouço uma voz que me chama

O nevoeiro não é o amor. O amor não se consegue ver no meio do nevoeiro. O verdadeiro amor esconde-se da indecisão, afasta-se da cobardia, oculta-se dos olhos traiçoeiros, observa de longe as maquinações da hipocrisia, recua diante da manipulação.
Mas há uma voz que se faz ouvir no meio do nevoeiro. Aquele que a ouvir pode encontrar o amor.

LEITURA I Os 6, 3-6

Procuremos conhecer o Senhor. A sua vinda é certa como a aurora. Virá a nós como o aguaceiro de outono, como a chuva da primavera sobre a face da terra. «Que farei por ti, Efraim? Que farei por ti, Judá?» – diz o Senhor – «O vosso amor é como o nevoeiro da manhã, como o orvalho da madrugada, que logo se evapora. Por isso vos castiguei por meio dos Profetas e vos matei com palavras da minha boca; e o meu direito resplandece como a luz. Porque Eu quero a misericórdia e não o sacrifício, o conhecimento de Deus, mais que os holocaustos».

O povo do Senhor está dividido em dois reinos. O profeta Oseias denuncia os chefes do reino do norte e do reino do sul, porque recorrem às alianças políticas com outros povos em vez de recorrerem ao Senhor que é o seu Deus. E desmascara-os porque, depois de caírem na ruína se voltam para Deus, como estratégia para se salvarem e não de coração aberto e disponível para servir o Senhor.

Salmo responsorial Sl 49 (50), 1.8.12-13.14-15

Deus não quer sacrifícios, pois todas as coisas criadas lhe pertencem e ele não necessita de nada. Os ritos com que o homem pretende dar glória a Deus, de nada servem, se o seu coração permanecer longe de Deus e se não levarem ao cumprimento da sua lei.

LEITURA II Rm 4, 18-25

Irmãos: Contra toda a esperança, Abraão acreditou que havia de tornar-se pai de muitas nações, como tinha sido anunciado: «Assim será a tua descendência». Sem vacilar na fé, não tomou em consideração nem a falta de vigor do seu corpo, pois tinha quase cem anos, nem a falta de vitalidade do seio materno de Sara. Perante a promessa de Deus, não se deixou abalar pela desconfiança, antes se fortaleceu na fé, dando glória a Deus, plenamente convencido de que Deus era capaz de cumprir o que tinha prometido. Por este motivo é que isto «lhe foi atribuído como justiça». Não é só por causa dele que está escrito «Foi-lhe atribuído», mas também por causa de nós, que acreditamos n’Aquele que ressuscitou dos mortos, Jesus, Nosso Senhor, que foi entregue à morte por causa das nossas faltas e ressuscitou para nossa justificação.

Paulo afirma a confiança da fé como fundamento da vida cristã e apresenta Abraão como modelo desta confiança, pois ele, sendo velho, não deixou de esperar o cumprimento da promessa de Deus, apesar de ser impossível aos olhos humanos

EVANGELHO Mt 9, 9-13

Naquele tempo, Jesus ia a passar, quando viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança dos impostos, e disse-lhe: «Segue-Me». Ele levantou-se e seguiu Jesus. Um dia em que Jesus estava à mesa em casa de Mateus, muitos publicanos e pecadores vieram sentar-se com Ele e os seus discípulos. Vendo isto, os fariseus diziam aos discípulos: «Por que motivo é que o vosso Mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus ouviu-os e respondeu: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide aprender o que significa: ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício’. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores».

O chamamento de Mateus é a oportunidade para Jesus se revelar como o amigo dos pecadores e apresentar os sinais da chegada do Reino de Deus. Perante a escolha de um pecador para discípulo, os fariseus ficam escandalizados e Jesus aproveita para lembrar o que diz o profeta Oseias.

Reflexão da Palavra

O contexto das palavras da primeira leitura é a infidelidade do povo do Senhor, dividido em dois reinos, Israel a norte e Judá a sul. O povo estava dominado pela idolatria, sofreu a influência negativa de outras culturas e, inimizados, o reino do norte com o do sul, em vez de recorrerem ao Senhor, recorrem a alianças políticas. As coisas não correm bem nem para Israel que é vencido pela Assíria nem para Judá. Perante esta situação surge uma estratégia de conversão.
A estratégia é relatada nos versículos que antecedem imediatamente o texto da primeira leitura, “«Vinde, voltemos para o SENHOR; Ele feriu-nos, Ele nos curará; Ele fez a ferida, Ele fará o penso. Dar-nos-á de novo a vida em dois dias, ao terceiro dia nos levantará, e viveremos na sua presença”.
A estratégia está bem montada e as palavras são as adequadas a uma conversão sincera. Há um ato de fé no Senhor como o único que pode curar, pois foi ele quem nos feriu; um ato de confiança, pois ele tratará das feridas; e um propósito de emenda, “viveremos na sua presença”.
Porém, o profeta desmonta esta estratégia revelando que não se trata de uma conversão sincera, mas de uma manipulação de Deus, como se costumava fazer com os ídolos. Deus é certinho e vai aparecer como a chuva, como as estações do ano, ou então, não é Deus. Trata-se de uma atitude calculista em situação de insegurança e incerteza que procura uma solução.
Deus, porém, não se deixa manipular e descobre a sua artimanha: “O vosso amor é como o nevoeiro da manhã, como o orvalho da madrugada que logo se evapora”. Foi já por causa desta falsidade que foram castigados. Por isso, em vez de serem curados vão ser feridos, em vez de vida vão ter a morte. Levantaram-se de madrugada para ir ter com o Senhor, mas não vão passar da madrugada, porque Deus os conhece aos dois, aos do norte e aos do sul, Efraim e Judá.
O salmo 49 é um salmo penitencial onde se revê o que está presente na primeira leitura, um homem que se aproxima de Deus sem verdadeiro coração. O contexto parece ser o de uma celebração litúrgica, na qual Deus aparece como o juiz e o homem está diante dele com as suas obras. Não estão em causa os sacrifícios que o homem oferece a Deus mas o coração com que os oferece. Na verdade, Deus não quer ritos vazios mas corações disponíveis para cumprir a sua lei. “Cumpre as promessas feitas ao Altíssimo” e, então, serás escutado e “eu te livrarei e tu me glorificarás”.
Paulo parte da fé em Cristo que, tendo morrido pelos nossos pecados, foi ressuscitado para nossa justificação. A partir daqui desafia os cristãos de Roma a uma fé forte, inquebrantável, confiante e repleta de esperança. Para isso apresenta o exemplo de Abraão que, sendo velho, num corpo semelhante ao de um morto, de onde já não se espera a vida, mas a morte, acreditou que a promessa de Deus se havia de cumprir.
Do mesmo modo que a fé de Abraão resultou na vida nova de Isaac, também a fé dos cristãos resultará na vida nova que vem de Cristo morto e ressuscitado, porque o poder de Deus realiza o que para nós é impossível. Para Paulo, o segredo está na fé chamada confiança e na esperança contra toda a esperança.
O evangelho relata o chamamento de Mateus. Depois de termos assistido ao chamamento dos quatro primeiros discípulos, no lago da Galileia, percebemos que o chamamento de Mateus segue o mesmo modelo: Jesus passa, olha, chama, ele levanta-se e segue Jesus.
O chamamento de um publicano, tido como pecador, provoca o escândalo entre os fariseus e apresenta Jesus como o amigo dos pecadores, sinal da chegada do Reino de Deus, de que ele próprio já tinha falado no capítulo anterior, dizendo que “do Oriente e do Ocidente, muitos virão sentar-se à mesa do banquete com Abraão”. Esta atitude provoca nos fariseus a pergunta que se impõe.
A pergunta dos fariseus, dirigida aos discípulos, conduz à resposta do mestre. Na resposta Jesus recorre a Oseias, o profeta que fala contra a hipocrisia e a superficialidade na relação com Deus, para denunciar os acusadores e afirmar que ele próprio é a misericórdia de Deus e veio para chamar os pecadores. “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide aprender o que significa: ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício’. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”.

Meditação da Palavra

Na carta aos romanos, Paulo, servindo-se de Abraão como modelo, afirma que a fé cristã tem o nome de confiança. Ao contrário do Povo no tempo de Oseias, Abraão não procurou resposta nas seguranças humanas, mas acreditou na palavra de Deus. Apesar de o seu corpo ser como o de um morto, não pôs em causa a realização da promessa, esperando contra toda a esperança a sua realização. Deus tem poder para realizar o que a nossos olhos é impossível, pode fazer nascer vida onde ela se está a acabar e pode ressuscitar os mortos. Do corpo morto de Abraão surge a vida no filho da promessa, Isaac, do mesmo modo que em Cristo, morto pelos nossos pecados, Deus atua ressuscitando-o e concedendo-nos a justificação.
O evangelista Mateus apresenta o momento do seu chamamento por Jesus, de modo que cada um dos que, ontem ou hoje, escutam este relato evangélico, entendem que Jesus faz consigo o mesmo que fez com ele e que, perante o chamamento, devem todos responder prontamente seguindo aquele que os chama, Jesus.
É interessante que Jesus chame um cobrador de impostos, um publicano, que em outras partes do evangelho são reconhecidos como pecadores a par das prostitutas, para ser seu discípulo. Este chamamento, que foi motivo de escândalo para os fariseus, é um sinal para os cristãos de todos os tempos de que não há pecadores incorrigíveis, pois revela, em Jesus, o Deus da misericórdia diante de quem todos os homens se podem converter.
A conversão é um dom de Deus e uma atitude do homem que se coloca diante de Deus com a sua vida. Do lado de Deus, porque ele é misericordioso, o perdão, a renovação da vida, a justificação, é uma certeza e é-o ainda mais depois de Cristo “que foi entregue à morte por causa das nossas faltas”. Da sua morte tirou Deus a vida para nos justificar.
Da parte do homem poderá sempre acontecer o que sucedeu com o povo do Antigo Testamento. Caídos na desgraça por se terem deixado levar pela idolatria e pelas alianças fáceis com os homens sem medir as consequências, pretende, este povo, armar uma estratégia a partir de uma falsa atitude de arrependimento e conversão, para convencer Deus a defendê-lo na desgraça.
Apesar de misericordioso, Deus não se deixa enganar pelas falsas intenções nem pelos propósitos calculistas que trazem uma segunda intenção e não o sincero desejo de emenda e adesão ao amor de Deus.
É esta também a atitude dos fariseus que criticam Jesus por comer com os pecadores, que eles têm como incorrigíveis, quando eles é que se mantêm à margem da misericórdia de Deus que, em Jesus, chegou para que todos os homens se arrependam e vivam.
Pode acontecer connosco, hoje, que cegos pelo pecado, não consideramos necessária a atitude de arrependimento e conversão e consideramos os outros como incorrigíveis. Deus está a salvar ao nosso lado, homens a quem nós podemos não dar espaço por considerarmos incapazes de conversão e, com essa atitude, podemos estar a ficar fora da mesa de Jesus.

Rezar a Palavra

Reconheço, Senhor, que o meu amor é como o nevoeiro da manhã e como o orvalho que logo se evapora. Muitas vezes acredito que vale a pena criar uma estratégia para não reconhecer as decisões erradas, as opções de vida sem a tua presença, os planos traçados segundo a minha vontade sem ter em conta a tua palavra. Passa por mim, lança sobre mim o teu olhar e faz-me ouvir a tua voz para que, seguindo-te me converta e viva.

Compromisso semanal

Espero contra toda a esperança o cumprimento da palavra de Deus na minha vida, para me converter cada vez mais.