Palavras e mais palavras… Conversas e mais conversas… Discursos que chegam aos quatro cantos do mundo, que se ouvem ou lêem e passam num instante. Hoje diz-se uma coisa, amanhã outra; agora um post e a seguir outro, só para cada um se exibir e entreter, e tantas vezes sem se medirem as consequências… Com tanta divulgação, o que é que tudo isto contribui para que as pessoas se conheçam melhor e se estimem uns aos outros? O que é que cada um conhece acerca do outro que ouve, lê e vê?…

O homem é o ser da palavra: com ela comunica e se dá a conhecer… Mas, será que isso é tido verdadeiramente em conta quando falamos com os outros e trocamos mensagens? Do que é que mais se fala? Quais os assuntos mais comuns? É fácil falar dos outros, da notícia do momento, da situação política ou desportiva, das banalidades do quotidiano… Será que alguém fala de si próprio? E como?… Recorda-nos hoje o livro de Ben-Sirá (1ª leitura): “O fruto da árvore manifesta a qualidade do campo, assim as palavras do homem revelam o íntimo do seu coração”.

1. Discípulo e mestre

— No Domingo passado o Evangelho de São Lucas exortava-nos a comportar-nos com os outros como Deus se comporta connosco (“Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso”). Hoje, o texto continua a apresentar-nos as palavras de Jesus no chamado “discurso da planície” convidando-nos a centrar a nossa atenção em atitudes concretas que têm a ver com o modo de proceder de cada um relativamente ao outro.

— Primeiro diz-nos que todos têm muito a aprender e o discípulo tem que seguir os ensinamentos do mestre; em segundo lugar, que é preciso orientar o olhar, primeiro para si, e depois para os outros; e, no fim, que “é pelos frutos que se conhece a árvore”…

— Esta sequência mostra que o discípulo de Jesus tem que ter formação e maturidade humana e espiritual; que o rigor que utiliza quando se refere ao outro tem que ser aplicado primeiro a si; e que é o fruto, a coerência de vida, que revela a estatura da pessoa…   

2. Cegos a guiar cegos

— Nos tempos que correm, os modelos de formação podem estar alterados. Pode tomar-se o exemplo das novas tecnologias: normalmente, os filhos sabem muito mais que os pais, aprendem de imediato e, muitas vezes, são os pais, os mais velhos, a pedir aos mais novos que lhe resolvam determinados problemas com o computador e os programas…E pode perguntar-se: para que aprendemos nós tudo isto? Não ficaremos depois dependentes do telemóvel? Quantas vezes olhamos para ele, mesmo sem que ele toque? Quantas coisas fazemos sem saber bem para quê? É ele que nos domina e nos conduz para onde quer, sem que nós perguntemos porquê e para quê… Um ser fabricado tem muito poder na nossa vida…

— Controlamos as redes sociais ou são elas que nos controlam a nós? Não seremos os cegos que se deixam guiar por outros cegos?… Quantos mais meios técnicos temos ao nosso alcance, menos sabemos o que fazer com eles… Podemos assim ser cegos que se deixam guiar por outros cegos…

— Também nos deixamos guiar pelo que se diz, pelo que todos dizem, pelo que toda a gente fala e vamos perdendo o nosso próprio espaço…

3. “A boca fala da abundância do coração”

— Fixemo-nos na importância da pessoa e da palavra. Na linguagem bíblica o coração é o centro da pessoa, o lugar onde nascem os pensamentos, as decisões e os desejos, que depois se manifestam na relação com o mundo e com os outros…

— No coração pode estar alojado o tesouro da bondade, mas também pode acumular-se a maldade e as forças destruidoras… Dele pode sair o amor, a vida e a generosidade; ou o narcisismo, a maledicência e a morte…

— São as palavras e o que fazemos que mostram o que habita o nosso coração… Por isso, convém sempre repetir aquela oração que aprendemos em crianças e que ajuda a situar a nossa vida de adultos: “Coração de Jesus, fazei que o meu coração seja semelhante ao vosso”…