Mistagogia da Palavra
A Liturgia deste domingo fala-nos do amor. De Deus, que é amor, que nos deu o seu Filho, que nos impõe o mandamento do amor. A prática deste mandamento não só faz de nós uma pessoa com Cristo, mas une-nos também ao Pai. Quem recebeu o Espírito entrou na intimidade de vida com Deus. “Amá-1’O” significa deixar que passe o seu amor para os homens, através de nós. Ele não tem necessidade dos nossos sacrifícios. A sua glória não aumenta quando nos prostramos a tremer diante da sua majestade infinita, mas quando tomamos presente no mundo a sua ternura, o seu amor.
A 1ª leitura é dos Actos dos Apóstolos. Com a entrada de Pedro em casa de Cornélio, a Igreja dá oficialmente o primeiro passo em direcção aos pagãos. A efusão do Espírito Santo tem o aspecto de um verdadeiro Pentecostes, em tudo semelhante ao primeiro. Esta unidade no Espírito demonstra como Deus não faz acepção de pessoas, mas qualquer um, judeu ou pagão, Lhe pode ser agradável.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola de São João. O Apóstolo descreve-nos a Deus com um rosto bem diferente do dum juiz. Diz assim: «Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor». O amor é a vida de Deus e é este amor que Ele comunica aos seus filhos. E o amor de Deus manifesta-se nisto: Ele deu-nos o seu Filho, o seu dom mais precioso. Enviou-o ao mundo, não como prémio por os homens serem bons, mas «como vítima de expiação pelos nossos pecados».
O Evangelho é segundo São João. Fala-nos do mandamento do amor, que só é possível se se permanece no amor de Cristo. Ele é a revelação do amor do Pai e, ao mesmo tempo, da amizade que une Cristo aos seus. O trecho encerra lembrando o dever de dar fruto, que se concretiza no amor mútuo.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, amor entre o Pai e o Filho, infunde no meu coração o fogo da tua essência.
Evangelho Jo 15, 9-17
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor. Disse-vos estas coisas, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa. É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai. Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça. E assim, tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros».
Caros amigos e amigas, o amor é a única fonte que abastece a nossa verdadeira vida. O amor é outro nome dado ao Espírito Santo, laço que une as pessoas divinas, o “sangue” que permeia e mantém viva a Igreja.
Interpelações da Palavra
Vivemos de amor e de alegria
Estamos no ambiente da última ceia. Os olhos pasmados dos discípulos não conseguem acompanhar Jesus que os leva pelos meandros mais íntimos do seu coração. Naquela hora de aperto, o medo embotara a sua capacidade de entendimento, o discernimento coagulava à borda dos desafios
Porém o discípulo amado era o escriba do amor e, enquanto os outros não se permeabilizavam às revelações de Jesus na hora da Ceia e fugiam na hora do Calvário, esse discípulo espreitou o coração aberto de Jesus, quer na Ceia quer no Calvário!
No tempo pascal a Igreja serve-nos a refeição da intimidade de Jesus, as pérolas do seu testamento para nos fortalecer nas horas de Calvário. Quem não se sentirá seguro neste amor selado por um espontâneo dar a vida? Como pode proliferar em nós a tristeza, se Ele deseja a nossa alegria? Como pode um sentimento de abandono rondar-nos se Ele nos convida à permanência n’Ele? Neste Domingo percebemos bem o dinamismo deste verbo “permanecer” que não é estático, mas o aparelho circulatório da Igreja, como Corpo vivo.
Eu vos escolhi…
Jesus revela-nos um amor que escolhe, um amor de eleição e, por isso, especial, personalizado. Deus escolheu-me?! Sim, amigo e amiga, tanto tu como eu estamos situados na mira daquele olhar divino. Ele escolhe a mim e a ti para uma missão concreta, para que vamos e demos fruto. Ele diz, a mim e a ti, que a experiência de amor mantida com Ele não pode ser precária, intermitente, ao sabor dos nossos estados de ânimo, não tem horas laborais, feriados ou férias. O verdadeiro amor, não é uma tremura à flor da pele, um estupefaciente fugaz, um romantismo ocasional. O verdadeiro amor é aquele fluxo permanente que colho da relação entre o Pai e o Filho e se torna manancial em mim, que refina as relações formais até as transformar em amizade, confiança e cumplicidade. Então o que Ele me “manda” não vem de um patrão, mas passa a ser espontâneo colaborar na sua missão, serviço e amizade aos irmãos, até à doação da própria vida como Ele!
… e destinei para que vades e deis fruto…
Não podemos correr o risco de nos tornarmos canos esclerosados pelo egoísmo, torneiras entupidas pela timidez ou pelo comodismo. O discípulo, consciente de que recebe a vida do Mestre, sabe que o seu tesouro só vive quando partilhado. A nossa permanência nesta videira, abundante de vida, não apenas nos alimenta, mas faz-nos adotar a mesma fluidez e a tornar-nos manancial para os demais, portadores do mesmo amor capaz de dar a vida tanto nas grandes, como nas comezinhas situações de cada dia. É este amor que leva os pés até às periferias existenciais, que gera o carinho nas mãos que curam, que se faz presença a regar a secura do abandono, que se faz luz no olhar que anima, paciência que escuta, palavra que liberta… Este amor faz-nos sair de nós e envia-nos em missão. É este amor que solta do nosso ser a proclamação feliz do Evangelho.
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, só nas tuas palavras encontro estabilidade para permanecer, Tu és a Palavra!
Só Tu cantas a melodia que faz crescer em mim a esperança perfeita, Tu és a alegria!
Tu dás a vida por mim, és o puro Amor, e me recrias das mortes quotidianas, és a Vida!
A Ti, Senhor, que me escolhes e envias, quero entregar a vida, permanecer na Tua Palavra,
tornar-me causa de alegria, fazer viver a tua Vida em mim, ser sinal fecundo do teu Amor!
Sim, Senhor, quero permanecer
para que ao teu envio eu parta sempre do teu Coração.
Viver a Palavra
Vou acolher a feliz amizade que o Senhor me dedica e ser no mundo um sinal claro do seu amor.