Mistagogia da Palavra
A liturgia da palavra deste domingo é um chamamento aos verdadeiros valores que devem guiar a nossa vida. Quem fundamenta a sua vida em Deus, quem acredita nos valores propostos por Ele, mesmo que aos olhos das outras pessoas apareça como um falhado, é feliz: acertou na vida. Pelo contrário, quem joga a sua vida nos valores propostos pelos homens é maldito: arruinou-se apostando nos valores errados.
Na 1ª leitura, o profeta Jeremias quer dar-nos um critério de vida e sabedoria. Quem põe a sua confiança nos valores que são propostos pelos homens é como um cardo plantado em lugar árido, onde nenhum arbusto se pode desenvolver e crescer. O mundo baseado nestes pseudovalores é um lugar onde se não pode desenvolver uma vida social, onde é impossível viver. Pelo contrário, é feliz aquele que aposta nas acções justas, garantidas por Deus. É como árvore plantada junto a nascentes de água.
A 2ª leitura é a continuação da do passado domingo. Os Coríntios acreditavam na ressurreição de Cristo, mas a dos homens era para eles um problema. Paulo responde que a nossa ressurreição é consequência da de Cristo. Todos devem saber que a vida neste mundo é uma gestação que nos prepara para o nascimento para uma nova forma de vida. Esta esperança leva a que se avalie tudo aquilo que acontece nesta vida – as alegrias e as dores, a fortuna e as desgraças – numa perspectiva totalmente nova.
A 3ª leitura são as Bem-aventuranças, na versão de S. Lucas. Elas são como que o resumo e o coração do Evangelho. S. Mateus fala de oito, S. Lucas de quatro, seguidas de quatro “ai de vós!”. Que significam estas palavras do Senhor? São o programa de vida dos verdadeiros discípulos de Cristo. Só os verdadeiros discípulos são bem-aventurados, porque entenderam que a vida da pessoa não depende dos bens que possui e, não tendo o coração ligado ao “dinheiro”, podem abri-lo também àquela salvação que vai para além deste mundo.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, e abre o nosso coração à surpresa amorosa da Palavra de Deus.
Evangelho Lc 6, 17.20-26
Naquele tempo, Jesus desceu do monte, na companhia dos Apóstolos, e deteve-Se num sítio plano, com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sidónia. Erguendo então os olhos para os discípulos, disse: Bem-aventurados vós, os pobres, porque é vosso o reino de Deus. Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis saciados. Bem-aventurados vós que agora chorais, porque haveis de rir. Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos rejeitarem e insultarem e proscreverem o vosso nome como infame, por causa do Filho do homem. Alegrai-vos e exultai nesse dia, porque é grande no Céu a vossa recompensa. Era assim que os seus antepassados tratavam os profetas. Mas ai de vós, os ricos, porque já recebestes a vossa consolação. Ai de vós, que agora estais saciados, porque haveis de ter fome. Ai de vós que rides agora, porque haveis de entristecer-vos e chorar. Ai de vós quando todos os homens vos elogiarem. Era assim que os seus antepassados tratavam os falsos profetas.
Caros amigos e amigas, a Liturgia da Palavra deste Domingo coloca-nos diante de dois caminhos, o da felicidade e o da infelicidade, convidando-nos a seguir o caminho da Bem-Aventurança, que é o próprio Jesus.
Interpelações da Palavra
Jesus desceu do monte…
A cena que antecede imediatamente a passagem evangélica deste Domingo revela Jesus a subir à montanha para aí passar toda a noite em oração ao Pai. Terminada essa longa jornada nocturna em união com o Pai, logo ao nascer do novo dia, Jesus chama os Doze que O acompanharão na sua missão (Lc 6, 12-16).
No Evangelho deste Domingo, Jesus desce do monte já na companhia dos Apóstolos por Ele escolhidos para se estabelecer agora num local plano. Jesus, verdadeiro rosto de Deus, não tem problema algum em descer do alto da montanha até junto de nós, à nossa realidade e ao nosso mundo: o movimento da descida e do esvaziamento, qual kenosis, que tão bem caracteriza o Filho.
Ao espreitarmos aquela multidão que se reuniu em redor de Jesus somos surpreendidos por um variado quadro cultural: gentes da Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidónia. Não encontramos só pessoas de Israel mas também do estrangeiro (Tiro e Sidónia). Sem se aperceberem, Jesus já estava a apresentar aos seus Apóstolos a seara onde haveriam de lançar a semente a Boa-Nova, seara essa sem limites ou fronteiras geográficas, ideológicas ou egoístas.
Bem-aventurados…
Ao escutarmos as palavras do Mestre, somos assaltados pelo paradoxo: afinal os bem-aventurados, ou seja, os felizes, são os pobres, os famintos, os que choram e os perseguidos? Que programa de vida é este que Jesus propõe àquela multidão onde tem fixado os seus olhos?
São questionamentos legítimos para os ouvintes e leitores, mas que só podem ser compreendidos através da clave que marca o andamento da Liturgia da Palavra deste Domingo. Os bem-aventurados, para Jesus, são aqueles que têm um coração disponível para que Deus possa aí habitar e encher da felicidade verdadeira. Afinal, são os pobres ou os famintos ou os que choram ou ainda os perseguidos e rejeitados que se abrem à acção transformadora deste Deus que se aproxima e cuida de cada um de nós. Já Jeremias, na 1ª Leitura, em nome de Deus afirma que aqueles que confiam no Senhor e n’Ele colocam a sua confiança serão benditos (Jr 17, 7).
Só assim compreendemos porque é que os pobres possuem o Reino de Deus, os famintos serão saciados, os que choram serão consolados e porque é que os marginalizados e insultados se devem alegrar com a recompensa que têm no Céu.
Ai de vós…
Por outro lado, os ricos, os saciados, os que riem e os que são elogiados têm um coração completamente fechado a Deus e ao seu Amor. Bastam-se a si próprios e não precisam que ninguém – nem mesmo Deus – incomode a sua frágil e aparente felicidade. Jesus acautela todos os seres humanos encarcerados em si próprios através da expressiva locução Ai de vós… Aqueles que se fecham no seu egoísmo e afastam o seu coração do Senhor habitam na aridez do deserto, onde mais ninguém pode habitar (Jr 17, 6).
Rezar a Palavra
Senhor, faz do meu coração um coração bem-aventurado:
Que ele saiba ser pobre com os pobres,
Que ele saiba partilhar da fome dos famintos,
Que ele saiba chorar com os que choram,
Que ele saiba estar junto dos excluídos, perseguidos e rejeitados.
Faz, Senhor, que a felicidade e o teu Amor habitem nos nossos corações.
Viver a Palavra
Durante esta semana vou recordar-me das palavras de Jesus e anunciar a alegria, mesmo no meio da tristeza.